quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Filme: That'll Be The Day - Por Luiz Domingues


Um interessante filme a dramatizar a trajetória de um Rocker britânico, durante a década de cinquenta, deu-se com o filme: “That’ll Be The Day”. Trata-se da saga do personagem, Jim McLaine (interpretado pelo cantor/ator, David Essex), a revelar-se um típico garoto pobre, oriundo da classe operária inglesa, e a viver uma existência massacrante e entediante.

Cabe uma parêntese para realçar que David Essex vivia em sua carreira musical à época, um bom momento, daí a sua participação como ator protagonista dessa produção, ter chamado a atenção do público, como um adendo comercial conveniente, digamos assim.

Não apenas isso, o elenco teve outros músicos muito célebres, igualmente a atuar como atores, casos dos bateristas Ringo Starr e Keith Moon (The Beatles e The Who, respectivamente) e também a destacar a presença do cantor, Billy Fury e John Hawken (The Nashville Teens).

Bem, a história mostra a vida desse pobre rapaz, Jim McLaine, em meio ao seu tédio existencial por sentir-se sem perspectivas para uma mudança de situação pessoal, porém, como preconizaria um Rocker britânico famoso ao final dos anos sessenta, “o que pode fazer um garoto pobre a não ser cantar em uma banda de Rock?”  Sendo assim, após tentar sobreviver através de subempregos os mais variados, ele abandona os estudos, para o desespero de sua mãe (é bem simbólica e transgressora, embora com certa docilidade, a cena em que ele joga fora o seu material escolar, incluso o boné com o distintivo da instituição a qual frequentava, em um córrego), e cometido tal ato, a sair feliz da vida por verificar que livrara-se de um ônus que nunca quis arcar em sua vida, simbolizado pelo material a ser carregado pelo curso da água. 

E assim, em contato com os seus amigos, ele vai para um acampamento de férias e dá chance para que novas pessoas e perspectivas surjam em sua vida. Eis que ele conhece então, Mike (interpretado por Ringo Starr), que se mostra uma influência forte para ele começar a buscar um novo rumo para a sua vida. Finda a temporada no acampamento de férias, ambos vão trabalhar juntos nos brinquedos de um parque de diversões e são interessantes as cenas em que dialogam, ao vermos o personagem, Mike, na posição de um informal conselheiro. Não chega a ser curioso, pois Ringo Starr já acumulava participações em outros filmes, e mais uma vez ele não aparece a tocar bateria no filme, mas apenas trabalha como ator.

Em meio às confusões geradas com o gerente do parque, flertes com garotas e indisposições com alguns clientes, o Rock’n' Roll permeia tudo e assim, Jim absorve paulatinamente o impacto da música revolucionária que vinha do outro lado do Atlântico. A ambientação é a do final dos anos cinquenta (1958, segundo consta no roteiro), portanto, mostra-se bem o impacto do Rock’n' Roll cinquentista e norte-americano sobre os jovens britânicos e o quanto tal estilo musical foi digerido por esses garotos europeus, na contrapartida de que nenhum norte-americano poderia supor que sob uma rápida absorção, os ingleses, sobretudo, regurgitariam tudo para apresentar melhoramentos, ao dar um novo rumo para o Rock, vide a famosa “British Invasion”, visível já em 1963, e a tornar-se avassaladora a partir de 1964.

Nesses termos, as presenças de Keith Moon, Ringo Starr e Billy Fury, como atores, tem o poder da referência implícita, pois as suas respectivas trajetórias construídas através da história do Rock, podem tranquilamente ter servido como inspiração para a elaboração do roteiro desse filme. Apesar de ser um história fictícia, é óbvio que uma trajetória desse teor, tem tudo a ver com a história deles, pessoal. Sem dúvida que a história de Ringo Starr, antes de ingressar nos Beatles, com a sua banda, Rory Storm and the Hurricanes, tem similaridade com a saga de da banda “Stormy Tempest”, que inseriu-se nesse filme, por exemplo.

Isso reforça-se com a trilha musical proposta, que é sensacional, e versada por peças do cancioneiro Rocker cinquentista, notadamente da parte do fantástico, Buddy Holly, aliás, com a explicita citação do título do filme, visto que “That’ll Be The Day” é um Rock’n Roll emblemático do repertório dele, Buddy.

Destaca-se a atuação de Keith Moon que toca alucinadamente, exatamente como sempre o fez na vida real, com o The Who. Isso inclusive é mostrado em uma cena a retratar os primeiros ensaios da banda “Stormy Tempest”, cujos membros, Jim McLaine vem a conhecer e ocasião em que Moon (aqui a interpretar J.D. Clover), faz um solo de bateria, bem ao seu estilo tresloucado e para quem conhece a sua trajetória, é bem emocionante para assistir-se.

Mclaine toca em um assunto interessante, quando pergunta ao pessoal do “Stormy Tempest”, se eles compõe as suas próprias músicas e o baterista, J.D. Clover, responde com uma desconcertante sinceridade prosaica, ao afirmar: -“é óbvio que não, pois somente os norte-americanos sabem compor músicas”. Essa fala não foi aleatória, mas bem orientada para constar nos diálogos, pois tratou-se de uma exemplificação de como os jovens músicos britânicos, ao final dos anos cinquenta, tinham essa mentalidade em considerar que não possuíam capacidade para criar, mas apenas reproduzir o som dos norte-americanos que eles admiravam. Pura balela, bastou quebrar tal paradigma e o Rock britânico provou o seu valor com o poder de uma bomba atômica deflagrada, poucos anos depois, porém, de fato, tal sentimento de inferioridade criativa existiu anteriormente.

Jim parece empolgado, mas ao mesmo tempo atormentado com a pressão familiar recebida para contribuir com o seu sustento, portanto, não teve alternativa e assim voltou para a sua casa para assumir trabalhar no pequeno estabelecimento comercial familiar. Nesse ínterim, casa-se e sua esposa tem um filho. Tudo parece caminhar para um destino evidente em torno de uma vida simples dentro do padrão da classe operária britânica, no entanto, Jim sente-se profundamente entediado com tal resolução. Então o sinal mágico ocorre quando ele passa pela vitrine de uma loja de instrumentos usados e resolve investir no seu futuro, ao comprar uma guitarra velha e barata.

Simbólico, foi o momento de transição não apenas para a vida do personagem, mas a deixar claro que o Rock britânico tomou a atitude e dali em diante, com as rédeas na mão, não apenas iria impor-se, como na verdade, dominar a cena artística, inteiramente.

Outra referência do filme, é a canção “1941”, do cantor, Harry Nilsson. Não a canção em si, mas pelo teor da sua letra, que versa sobre a ideia de um pai que teve um filho em 1941, e que abandonara-o em 1944. Na continuidade da letra, Nilsson canta que o menino cresceu e fugiu para juntar-se a um circo. Pois o produtor do filme, David Puttman, encomendou para Ray Connoly, uma história a partir dessa premissa sugerida na canção de Nilsson. Aos poucos, Connoly, que nunca havia escrito roteiros para o cinema, mas na verdade era um jornalista e crítico musical, montou uma história ambientada em um parque de diversões, ao invés de um circo e a sua experiência com o Rock o impeliu a fazer do seu personagem, Jim McLaine, um aspirante a ser um Rocker. Em entrevista concedida muitos anos depois, Connoly confessou que apropriou-se também de ideias que assistira em outros filmes, notadamente em películas tais como: “East of Eden” (“Vidas Amargas”, de Elia Kazan) e “Les Quatre Cents Coups” (“The 400 Blows”, em inglês ou “Os Incompreendidos”, em português), de François Truffaut. Tudo bem, no cinema, nada se cria, tudo se copia, como poderia ter dito Antoine Lavoisier.

A ideia de contratar artistas da música para atuar nos principais papéis como atores, poder-se-ia ser considerada temerária, mas o próprio roteirista, Connoly, revelou na mesma entrevista já citada, que escrevera o personagem, Jim McLaine, para ser amargo, mas precisou adocicar a sua imagem e por acaso, quando foi ao teatro para assistir a montagem britânica do espetáculo, “Godspell”, notou que o cantor, David Essex, que estava a atuar, seria a escolha perfeita, por conta de seu semblante a transmitir a docilidade em contraponto que ele precisava e não obstante tal sutileza, Essex era um astro Pop na vida real e mantinha um séquito feminino em seu percalço, com naturalidade.

E além de Ringo Starr a atuar como ator e prestar consultoria, outro elemento importante que agregou-se e muito auxiliou, foi Neil Aspinall. O famoso roadie dos Beatles na vida real, também foi um assessor e foi dele a responsabilidade em convidar Keith Moon e Billy Fury para participar como atores, ao interpretar os músicos da banda: “Stormy Tempest” (respectivamente, J.D. Clover e a persona, “Stormy Tempest”).

Outra curiosidade incrível sobre a produção desse filme, deu-se e relação à sua trilha sonora. Como o orçamento inicial mostrara-se muito baixo, a produção teve que captar mais recursos e nesse ínterim, surgiu uma pequena empresa canadense, especializada em telemarketing, que propôs-se a investir, desde que o filme proporcionasse a criação de uma trilha a conter quarenta músicas, que posteriormente deveria ser utilizada como vinhetas de suas ações publicitárias. Algo bastante incomum, é bem verdade, mas a produção do filme não pode recusar a oferta e assim, como um resultado prático, percebe-se que principalmente nas cenas onde os personagens perambulam pelo parque de diversões, existe a ação de um alto falante a executar pequenos trechos de diversas canções oriundas do Rock’n' Roll cinquentista e daí, a obrigação com o patrocinador foi cumprida e ao mesmo tempo, o filme enriqueceu-se com tantas citações, ainda que ligeiras, desse repertório espetacular.

Foi nesse ponto que a produção percebeu que o personagem crescera e que caberia uma continuação da história e por isso, mal “That’ll Be The Day” estreava nas telas e a produção de um segundo filme, a ser chamado: “Stardust”, correu a todo vapor, para mostrar a ascensão da banda de Jim McLaine ("Stray Cats"), e toda a ambientação sessentista em torno disso, o que animou ainda mais o roteirista, Ray Connoly, que na condição de um crítico musical, acompanhara a cena sessentista real, in loco. Sobre “Stardust”, falo sobre tal filme em sua resenha em específico, naturalmente.

E para aquecer ainda mais toda a movimentação em torno de “That’ll Be The Day”, David Essex havia emplacado um grande sucesso de sua carreira nas paradas de sucesso em 1973, com a música, “Rock on”, portanto, apesar de nada ter a ver diretamente com o filme, isso só contribuiu para angariar ainda mais interesse midiático para a obra cinematográfica. 

Como conclusão final, creio que essa produção nasceu modesta, mas cresceu acima das expectativas iniciais de sua própria produção; fez um tremendo sucesso e antes mesmo de obter esse termômetro da parte do público, já motivou em seguida a produção de uma continuação, com “Stardust”, lançado no ano posterior, em 1974, e aí sim, mediante a possibilidade de contar com uma produção mais portentosa, garantida pelo maior investimento financeiro e certamente pelo entusiasmo gerado pelo surpreendente sucesso de: “That’ll Be the Day”. 

Sobre as atuações, não dá para ser exigente, visto que os protagonistas foram defendidos por músicos na vida real, e não atores de ofício, mas há por ressaltar-se que David Essex ostentava a sua experiência teatral por ter encenado “Gospell” nos palcos de Londres e Ringo Starr e Keith Moon, ambos já haviam participado de outros filmes; uma infinidade de documentários e promos e não necessariamente apenas em termos de material de suas respectivas bandas, portanto, ambos estavam acostumados a enfrentar um set de filmagem e a conter bastante desinibição para lidar com as câmeras.

Ainda no elenco, houve a presença dos atores : Rosemary Leach (Srª Maclaine); James Booth (Sr. McLaine); Rosalind Ayres (Jeanette Sutcliffle); Robert Lindsay (Terry Sutcliffle); Deborah Watling (Sandra); Brenda Bruce (Doreen); Beth Morris (Jean) e outros.

Escrito por Ray Conolly. Produção a cargo de Sanford Liebserson e David Puttnan. Sob direção de Claude Whatham, foi lançado na Inglaterra em abril de 1973, e nos Estados Unidos, em outubro do mesmo ano.

Recebeu críticas boas em geral, a não ser no “New York Times”, onde o crítico norte-americano implicou com o sotaque britânico e até sobre o excesso de piscadas de certos atores, que supostamente denotariam nervosismo ante as câmeras. Implicância sem cabimento, pois sobre as tais piscadas, somente ele perdeu tempo em ater-se a um detalhe imperceptível dessa monta e quanto ao sotaque, seria como um crítico brasileiro falar mal de um disco da cantora de fado, Amália Rodrigues, por ela manter o sotaque castiço de Lisboa, ora pois...
Cópia do filme integral, no YouTube, eu desconheço que exista. Somente encontra-se fragmentos com cenas esparsas e muitos desses vídeos, misturam-se com cenas do filme posterior, “Stardust”, talvez no afã de estabelecer uma comparação ou seja lá qual tenha sido a ideia de que assim editou e postou. É possível assistir em sites especializados em filmes raros, mas com cobrança, e mediante a obrigação em preencher cadastro etc. e tal. Ou comprar a cópia em formato DVD, mas também somente em versões internacionais, sem legendas em português. Sacrificante, eu sei, mas creio que valha a pena assistir, pois o filme tem o seu valor histórico e a trilha é uma maravilha para quem aprecia ao Rock primordial dos anos cinquenta.
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", Está disponível para a leitura através de seu volume II, a partir da página 108.

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