Segundo consta nos registros
históricos, a Praça da República, no centro velho de São Paulo, até chegar
nesse formato e ostentar tal denominação, teve outros nomes e seu espaço físico fora usado
de uma maneira diferente. Ao final do século XIX, por exemplo,
aquela área ficou conhecida como : “Largo dos Curros”, e nessa época, costumava ser um cenário para a
promoção de rodeios, e até touradas.
Posteriormente, formatou-se como praça,
mas a ostentar nomes diferentes, tais como : “Largo da Palha”; Praça dos
Milicianos” e Largo 7 de abril”, até que estabeleceu-se como “Praça da
República”, pouco tempo após a Proclamação da República, em 1889.
Em 1932, foi palco de um dos momentos
mais emblemáticos da Revolução Constitucionalista, quando uma manifestação popular
culminou em uma tragédia literal, onde quatro jovens estudantes ali foram mortos, e cujas
iniciais de cada nome desses jovens, formaram a posteriori, a sigla : "MMDC", um símbolo daquela Revolução. Consta também nos anais da história,
que nos anos 1940, tornou-se um costume espontâneo dos munícipes, realizar trocas
de objetos em geral nesta praça, embora isso não fosse um evento propriamente dito, de uma forma organizada.
Segundo o jornalista, Marcelo Duarte
(que mantém o Site “Guia dos Curiosos”, e de fato, é um dos maiores
pesquisadores de cultura Pop em geral, do país), foi a partir de 1956, que a praça
começou a tornar-se um ponto de encontro de colecionadores, graças a um evento
específico desse teor, promovido pelo filatelista J.L. de Barros Pimentel, que
reuniu ali a sua coleção de selos, para atrair a curiosidade dos filatelistas
paulistanos. Contudo, apesar disso, a praça só
ganharia a fama como cenário de um evento fixo, e com regularidade, ao final
dos anos sessenta e graças a uma questão excepcional sob o caráter contracultural,
iniciada no exterior, mas que rapidamente encontrou eco em São Paulo.
Com a explosão do movimento Hippie nos
Estados Unidos, e em muitos países europeus, tais ideias & ideais chegaram
com relativa simultaneidade no Brasil e em São Paulo, a dar conta de que o sinal dessa movimentação eclodiu
na Praça da República.
Por volta de 1967, algumas
manifestações isoladas de Hippies, a tentar vender a sua produção artesanal,
foram duramente reprimidas pelo poder policial. Bem, com o regime autoritário de então, a apertar o
cerco, apoiada pela camada mais conservadora da sociedade, foi natural que
cabeludos a usar roupas coloridas fossem muito malquistos e mesmo que
aparentemente fossem pacíficos e apenas interessados em vender os seus objetos
artesanais, tal reação (e entenda-se a palavra “reação” em sentido duplo),
perpetrasse tal atitude repressiva. Pouco tempo antes, por volta de
1965 / 1966, há registros na imprensa escrita, a dar notícia de que rapazes com cabelos
longos, acima do padrão socialmente aceito como “normais”, foram hostilizados
com vaias da parte da população, e até caso de apedrejamentos foram registrados,
naquelas imediações da Praça da República, em vias como a Rua Sete de abril; Rua
Barão de Itapetininga e Rua Vinte e Quatro de maio, por exemplo.
Portanto, Hippies, com visual ainda
mais “agressivo” aos olhares da pequena burguesia paulistana, pouco tempo
depois, deve ter chocado ainda mais a "reação da intelligentzia". E pelo lado social, propriamente dito,
o artesanato tornou-se a única forma para posicionar-se como um adepto do anti-sistema, mas pelo lado prático do mundo material, a manter-se minimamente
dentro dele, ou seja, para ganhar algum dinheiro, foi a opção adotada por Hippies urbanos. Isso porque para os mais arrojados e radicais,
a opção mais correta foi buscar rincões remotos do país, para montar-se comunidades rurais e autossustentáveis
pela agricultura comunitária etc.
Todavia, para quem queria ser Hippie urbano,
só a embrenhar-se na arte, via música; artesanato ou mesmo literatura
alternativa (e de fato, a partir dessa mesma época, tornou-se comum a abordagem
de poetas e escritores alternativos, a vender publicações mimeografadas pelas
ruas, notadamente em portas de cinemas; teatros e Shows de Rock.
Por sorte, e apesar do regime duro, São
Paulo tinha um prefeito muito dinâmico nessa ocasião (Faria Lima), e mais
aberto ao mundo moderno, e não à Idade Média, como a maioria de seus pares à
época, ele baixou um decreto em 1968, para autorizar a presença dos artesãos Hippies
na Praça da República. Dessa forma, começou ali uma nova
tradição na cidade, a Feira Hippie dominical.
Rapidamente a Feira cresceu e tornou-se
um ponto turístico da cidade, ao atrair o público, e a torná-la solidificada, economicamente, inclusive. Em princípio, os produtos expostos
resumiam-se a poucas opções. Artigos de couro em predominância, no formato de
bolsas e cintos.
Porém, claro que com o tempo, outros artesãos
trouxeram uma gama de produtos diferentes, para enriquecer a Feira. Por volta de 1969, outras cidades
brasileiras também já mantinham Feiras Hippies significativas. No Rio, a Praça
General Osório, em Ipanema, tornou-se a Feira Hippie dos cariocas, a escrever a
sua história na cidade maravilhosa; em Belo Horizonte, a Feira Hippie dos
mineiros, ganhou proporção mastodôntica, realizada na rua, como Feira Livre de
alimentos; e em outras cidades, também abraçou-se a ideia, incluso cidades
interioranas, por exemplo, em Campinas, no interior de São Paulo.
No caso da Praça da República, a Feira
manteve sua tradição Hippie, até meados dos anos oitenta, quando aos poucos,
outros artesãos, não necessariamente comprometidos com a ideologia aquariana,
começaram a ser absorvidos.
Nos anos noventa, a Feira ainda era
enorme, mas a raiz Hippie que a notabilizara desde 1968, já quase não existia
mais. Ao parecer-se mais com uma Feira de bugigangas com o objetivo em vender-se para turistas estrangeiros, na verdade, o seu charme original diluíra-se. Sai prefeito; entra prefeito, e um
desses que passou pela prefeitura e nem merece ser mencionado pela sua atuação pífia, resolveu que a
Feira deveria ser extinta. Gritos surgiram em protesto e uma ideia mais amena,
mas ainda absurda, propôs então uma mudança de local, no afã em não
radicalizar.
Contudo, venceu o bom senso, e a Feira
voltou rapidamente à Praça da República, o seu endereço histórico. Ainda vê-se algum Hippie veterano aqui
e ali; alguns Neo-Hippies, mas hoje em dia, aquele comprometimento com o
movimento, não existe mais, e a Feira tem mais característica de uma Feira de
antiguidades, mesclada ao artesanato, além de artigos para encantar turistas
estrangeiros, ao atrair a sua atenção para o exotismo tropical do Brasil, mas mesmo assim,
ainda encontra-se alguma coisa interessante, mesmo que para achá-las, seja preciso
garimpar bem...
Muitas das fotos que ilustram esta matéria são de Francisco de Almeida Lopes, um simpático e já falecido fotógrafo, que notabilizou-se por fotografar centros urbanos de cidades como São Paulo; Rio de Janeiro; Curitiba; Santos e muitas cidades interioranas paulistas e paranaenses.
Recomendo visita ao Blog mantido por seus familiares, onde muitas de suas fotos podem ser vistas :
http://almeidalopes.blogspot.com.br/
Esta minha matéria também foi reproduzida no Site : "Memórias do Rock Brasileiro", do produtor brasileiro radicado em Londres, Antonio Celso Barbieri, que acrescentou um rico adendo, ao trazer as suas memórias pessoais sobre a Feira. O seu site é sensacional, por conter muitas matérias de sua autoria a narrar sobre muitas memórias contraculturais em São Paulo, nos anos sessenta e setenta, portanto, eu recomendo a visita.
http://www.celsobarbieri.co.uk/index.php?option=com_content&view=article&id=759:a-praca-da-republica-e-a-feira-hippie-um-pouco-da-historia-de-sp&catid=28:tunel-do-tempo&Itemid=43
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2015
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