Quando falamos da influência da raiz
africana na música criada através das três Américas, a grosso modo é fácil estabelecer
um conceito generalizado. Na América do Sul, o Brasil absorveu a
cultura afro, principalmente na formação do seu Samba; na América Central,
pulverizou-se em vários países, ao criar-se o acento caribenho em diferentes ritmos;
e nos Estados Unidos, gerou os dois grandes troncos que tornaram-se árvores
frondosas, e com muitos galhos : Jazz & Blues, sendo que o Jazz também nascera do Blues mais primordial. Todavia, o movimento inverso também causou
impacto no continente africano.
Se a sua influência fora brutal na construção de tantas escolas musicais diferentes, séculos depois, a música Pop das Américas e da Europa, voltou tal qual um "boomerang", e redefiniu-se por conseguinte, o rumo da música Pop africana moderna, a estabelecer portanto, uma retroalimentação muito interessante. Muitos artistas africanos foram reverenciados na música comercial Pop ocidental, e o seu som era bem isso o que descrevi superficialmente acima, ou seja, uma mistura das tradições folclóricas locais; com as suas raízes ricas em sonoridades muito coloridas; alegres, e mediante divisões rítmicas muito sofisticadas, com a música Pop ocidental e mega comercializada, que por sua vez, mantinha em suas raízes mais profundas, a mesma fonte africana. Em meio à essa explosão da música africana, alguns artistas, oriundos de nacionalidades diferentes, desse grande continente, tiveram oportunidades no show business internacional. Foi o caso de Miriam Makeba, uma artista sulafricana, por exemplo.
Cantora a exibir uma enorme graça e ginga, Miriam teve projeção internacional, mas não apenas por conta de sua obra e performance como uma boa cantora que o era. O fato, é que Miriam tinha muita consciência sociopolítica, e por ser negra, em meio a uma África do Sul sob denso regime político racista, tornou-se uma voz contra o execrável regime do Apartheid.
Ao tentar a vida artística na América e / ou Europa, Miriam, participou em 1960, de um documentário denominado : “Come Back, Africa”, cuja exibição no famoso Festival de Cinema de Veneza / Itália, chamou a atenção do mundo para o racismo na África do Sul, mas criou-lhe um enorme problema pessoal, pois o seu próprio país caçou-lhe o passaporte, e mais que isso, a cidadania, para torná-la apátrida.
A perambular por Londres / Inglaterra, tornou-se amiga do ator / cantor norteamericano, Harry Belafonte, com o qual estabeleceu parceria. Sendo também um ativista anti-racista, e um incansável batalhador pelos direitos civis iguais para os negros na América do Norte, Belafonte ganhou a companhia de Makeba no ativismo, e a ajudou a construir uma carreira Pop internacional, a participar de vários lançamentos de discos; singles; e LP’s da cantora africana.
Entre tantas canções, Miriam lançou : “Pata Pata”, em 1966, que tornou-se febre mundial, por entrar nas paradas de sucesso, em uma época em que artistas como : The Beatles; The Rolling Stones; Bob Dylan, e diversos artistas da vertente da Black Music, o compunham normalmente. Mas como o ativismo era muito forte para ela, não deitou-se no berço esplêndido do sucesso Pop imediato, e continuou a agir e incomodar muitos retrógrados, certamente. Para agravar a animosidade das forças contrárias às suas ideias libertárias, casou-se em 1968, com um ativista que era monitorado pela CIA / FBI, Pentágono etc.
Tratou-se de Stokely Carmichael, simplesmente o líder dos "Panteras Negras) ("Black Panthers"), uma partido revolucionário, apócrifo, por não ser reconhecido pelo governo norteamericano, por trazer ideias explosivas à mentalidade vigente, em seu espectro político, como o socialismo, por exemplo e claro, a conter como o seu carro chefe, a luta pelos direitos civis dos negros. Stokely Carmichael foi o criador da expressão : “Black Power”, que extrapolou o métier político, para marcar época, não apenas na
América do Norte, mas a espalhar-se pelo mundo todo.
Em 1968, Miriam veio ao Brasil, e desfrutou fortemente de seu sucesso, “Pata, Pata”, que também estourara em âmbito radiofônico em nosso país. Já na chegada ao Rio, foi recebida no aeroporto pela bateria da Escola de Samba Mangueira, para cair nos braços do povo, literalmente. Ela visitou todos os programas de TV possíveis e imagináveis nas cidades do Rio e São Paulo, a causar furor com o seu mega sucesso.
“Pata, Pata” tem um "swing" ocidentalizado que muito assemelha-se ao R’n’B, e a percussão, apesar do acento afro, ofertava um certo ar caribenho, muito dançante, portanto. Em uma época em que a Black Music norteamericana estava a popularizar-se fortemente aqui no Brasil, e um cantor sensacional como foi Wilson Simonal, comandava a fina-flor da “pilantragem” na MPB, a canção de Makeba caiu no gosto popular, instantaneamente. Claro, brincalhão como sempre, o povo brasileiro tratou por aprontar uma avacalhação com a letra da canção.
Cantada por Makeba em um exótico dialeto africano (Xhosa), provocou uma paródia em português que ficou tão famosa quanto a versão original, pela similaridade fonética e claro, pelo caráter galhofeiro que tanta agrada aos contumazes esculhambadores brasucas...
Onde ela cantava :
“Sata wuguga sat ju benga, sat si pata pata”
O povo acostumou-se a cantar :
“Tá com pulga na cueca, vem cá que eu
mato”
Pilhéria a parte, Miriam encantou os
brasileiros, onde incluo-me, por tê-la assistido a atuar na TV brasileira, na época, 1968.
A sua carreira foi bastante prejudicada depois disso, pelos momentos tensos perpetrados pelos Panteras Negros, cuja ligação dela era total, por conta do seu marido. O casal teve que deixar a América do Norte, inclusive, a estabelecer residência na Guiné / África. Em 1973, ela separou-se de Carmichael, mas continuou a ser vigiada e cerceada em muitos aspectos pelas suas convicções sociopolíticas.
No ano de 1975, Miriam participou ativamente do movimento de libertação de Moçambique, inclusive a contribuir com a sua música, “A Luta Continua”, que serviu como tema para a luta pela libertação do domínio de Portugal para com esse país africano. Nos anos 1980, ela ficou mais afastada da vida artística e teve um momento muito difícil, onde perdeu uma filha, e por conta dessa tragédia pessoal, mudou-se para a Bélgica. Quando o cantor / compositor, Paul Simon lançou o LP "Graceland", todo ambientado na sonoridade da música sulafricana, Makeba embarcou nessa produção, e chegou a participar da turnê de divulgação do álbum, como artista especialmente convidada por Simon.
Quando o apartheid finalmente
encerrou-se na África do Sul, e Nelson Mandela tornou-se o presidente daquela
nação, Makeba pode enfim retornar à sua pátria, com o restabelecimento de sua
nacionalidade. Momento bonito, Mandela em pessoa a
recepcionou no aeroporto, a demonstrar que a luta havia valido a pena para essa
grande artista e ativista. Os seus últimos anos foram tranquilos em
solo pátrio, a manter uma carreira artística local, até falecer em 2008.
Ela não teve apenas “Pata Pata” como sucesso, mas essa canção em questão, a marcou indelevelmente e proporcionou muitas regravações, algumas interessantes inclusive, caso do Osibisa, uma banda de Rock genuinamente africana, mas que era muito respeitada por Rockers europeus e norteamericanos, e de fato, era um grupo muito bom, isso eu atesto.
Makeba teve uma morte dramática, mas muito emblemática para qualquer artista, ou seja, morreu no palco, em meio a uma apresentação que fazia em Castel Volturno, na Itália, vítima de um ataque cardíaco quando estava a cantar.
Não foi exatamente ali durante o concerto que realizava, mas algumas horas depois no hospital, mas pode-se dizer que morreu a fazer o que mais gostava na sua vida. Essa foi Miriam Makeba, uma artista Pop sulafricana sensacional; ativista; mulher corajosa, e a denotar, muito valor.
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