Desde sempre, a máxima espanhola que
diz : “se hay gobierno en esta tierra, yo soy contra”, também domina o
imaginário do brasileiro de uma forma muito contundente. Na maioria das vezes, as reclamações
procedem, pois a má gestão grassa em todas as esferas da administração pública,
mas também a falta de reconhecimento da parte da população, para com eventuais
acertos e a boa vontade em acertar em muitos aspectos, é notória. Esse é um primeiro ponto a pensar-se.
Um outro aspecto, tão gritante quanto a
constatação de que vivemos uma época em que nunca desvelou-se tanta corrupção,
com uma roubalheira a atingir cifras inacreditáveis, que se bem usadas em ações
públicas tão necessárias, melhorariam setores que estão moribundos, caso da
saúde e educação pública; fora a segurança; saneamento e infraestrutura que
estão em patamar insuportável. Portanto, um alimento e tanto para os “reclamões
de plantão”, que mesmo que nada houvesse de errado no panorama da política,
bradariam contra, veementemente e agora diante das provas cabais que surgem, tem
prato cheio para berrar.
É nesse ponto que a reflexão mais
aprofundada não avança e ficamos na superfície da análise popularesca, que não
propõe enxergar os fatos de frente, com o povo a ficar no “oba oba” dos
linchamentos morais, e agora com o
advento das redes sociais da internet, isso ganhou proporção de histeria
incontrolável.Além de pontuar que se há um agente corrupto, ele deve ser imediatamente investigado e se após um julgamento justo, com direito à defesa ampla e se realmente comprovado o seu malfeito, receber a sua devida punição exemplar, mas isso não significa que o órgão pelo qual atuava, agiu de forma institucional no ato do desvio e muito menos que isso tenha sido arquitetado por um partido político, indevidamente "demonizado" como um agente maléfico, por seus adversários ideológicos.
Vejamos um exemplo prático que aos
nossos olhos parece estranho pelo choque de culturas muitos diferentes : no
Japão, um político que é desmascarado em alguma falcatrua, sente tanta vergonha
pelo fato em que envolveu-se, que ele automaticamente vai nutrir a vontade de morrer, desaparecer
inteiramente, como única forma de livrar-se da pressão que tal ato hediondo por
ele cometido causou, com prejuízo à coletividade, e por conseguinte, a destruir a
sua reputação pessoal, e pior ainda, ao envergonhar os seus familiares.
Isso é inimaginável na cultura brasileira
"carnavalizada", onde nada envergonha e tudo pode ser cometido, não é mesmo ?
Então, eu chego ao âmago da questão : se
achamos normal urinar nas ruas; jogar lixo pelas calçadas; jogar entulho em
qualquer lugar; destruir patrimônio público e privado; vandalizar; circular com
bicicletas sobre calçadas; avançar o semáforo no sinal vermelho; perpetrar conversões
proibidas, obstruir a entrada de garagens; furar filas; não respeitar idosos e
deficientes físicos; mentir para obter vantagens pessoais; falar mal da vida
alheia; praticar bullying; pedir objetos emprestadas e não devolvê-los ao seu
dono; não honrar dívidas contraídas deliberadamente; gerar intriga; desdenhar
das pessoas; e tantas e tantas falcatruas que o brasileiro comete diariamente e
as considera como fatores corriqueiros, ou como dizem os mais dissimulados :
“faz parte da nossa cultura”. Portanto, como podemos colocar o dedo em riste na face de certos políticos; agentes públicos e empresários que perpetram esse espetáculo deprimente de corrupção e
desvio de verbas ? De onde vem o “jeitinho brasileiro” ?
A maldita concepção de “malandragem”,
a cultura do “esperto que ludibria otários”, ou para ficar em uma gíria mais moderna,
os “manés”. Essa ideia paradigmática que somos um
povo cheio de malandragem, criou uma falsa noção de superioridade, que beira o
ridículo. Todo brasileiro é “malandro”; é “esperto”, e ludibria facilmente os “manés” gringos...
Certo, então... nós somos malandros que
aplicamos pequenos golpes e arrancamos dinheiro dos “trouxas” dos gringos que
vem fazer turismo aqui. Muito bem, somos
“superiores” e eles, uns “otários”...
Os Finlandeses; dinamarqueses; suecos;
norteamericanos; franceses; britânicos; alemães; suíços; japoneses... todos são
uns otários, e nós é que somos “malandros”...
Diante dessa perspectiva, eu pergunto-lhe, meu
caro leitor : de onde saem os políticos e os empresários que envolvem-se nas
falcatruas de corrupção; propinas; favorecimentos e desvio de verbas públicas
com lavagem de dinheiro e afins ? Tal categoria de "Seres" não são humanos
desse mesmo seio pátrio ? Tais criaturas abomináveis não foram
criados na mesma cultura da malandragem, que há séculos vem sendo valorizada e
cantada em prosa e verso ?
Somos ou não somos um povo
“macunaímico”, no pior sentido do conceito cunhado por Mário de Andrade, impregnado
por valores equivocados, acerca das questões éticas ? Como podemos ser surpreendidos ao depararmo-nos com a roubalheira em todas as esferas do setor público, com as mãos
dadas com as expectativas de boa parte da iniciativa privada, que acostumou-se
com a máxima de que ”nada funciona se não molhar-se a mão dos agentes públicos e / ou políticos” ?
Vejo portanto com bons olhos a ação da
Polícia Federal; Ministério
Público e demais órgãos envolvidos na determinação
de apurar denúncias múltiplas que estão em alta voga na mídia, mas ao deixar a
ressalva de que toda denúncia deve ser investigada a fundo e muitas vezes isso
não acontece, com engavetamentos indevidos e uma velada torcida de um grupo “B”
que deseja apenas explorar as sujeiras do grupo “A”, e por conseguinte, blindar a sua “turma” e
por agir na pior prerrogativa possível, ao abaixar o nível das discussões, ao
patamar da mentalidade das torcidas uniformizadas de clubes de futebol, ou
seja, “os nossos bandidos são mais queridos que os seus”...
Ora, enquanto não mudarmos a
mentalidade, e leia-se uma quebra de paradigma histórica, ficaremos no limbo da
civilização, a chafurdar no terceiro mundo e reclamar o do político safado que
desviou milhões, blá blá blá e com uma agravante, pois nem todo denúncia é verdadeira, pois ao bel prazer dos interesses escusos, provas nem sempre são requisitadas, a bastar apenas a convicção de quem deseja apenas levar vantagem.
A consciência de que essa cambada formada por ladrões, sai do mesmo povo em que eu e você fazemos parte, precisa ser enfrentada de
frente e a nossa missão (e eu quero crer que você leitor, não compactua com a
imoralidade e tem caráter ilibado), começa pelo verdadeiro clamor que a camada
honesta da população tem que fazer, que é mudar completamente a mentalidade do
nosso povo e isso só será possível mediante um mutirão pró-educação, de forma
maciça.
Talvez a atual geração esteja perdida,
lamento ser realista e dizer isso, mas se os bebês que agora nascem, começarem a
ser criados com outra mentalidade, há esperança, aliás, sempre há. Políticos e empresários corruptos e
corruptores, não vem de Marte; Saturno ou de outra galáxia. São apenas
brasileiros que cresceram a acreditar na ideia de que somos todos “malandros” e
nada se consegue com trabalho honesto e lucro justo.
Cresceram a ouvir os pais e os avós,
a dizer-lhes que tudo só resolve-se com o famoso e famigerado artifício do “jeitinho”. Certamente que tais pessoas ouviram os seus professores
a dizer-lhes que as “brechas da Lei permitem muitos deslizes”, e que imoralidade ou
amoralidade não são tão graves se são passíveis nas aberturas vergonhosas que o
texto capcioso das leis lhes dão margem. Entraram na vida adulta a considerar
“normal” pagar e pedir propina; que fiscais são apenas achacadores oficializados;
que “obter vantagem em tudo” é uma virtude...
Que investigue-se; prove-se; julgue-se e castigue-se, todo corrupto e
logicamente com o devido ressarcimento da verba surrupiada, aos cofres públicos (bem entendido, sem outros desvios a pensar-se em mirabolantes fundos a fomentar a criação de supostas instituições). Que se
cobre a ação implacável para todos que cometeram atos ilícitos, sem exceção e
doa a quem doer. Mas que cheguemos à conclusão de que
ser “malandro” é vergonhoso, tanto quanto achar que os gringos são “otários”. Compare os países de primeiro mundo ao Brasil e tire a sua conclusão sobre quem
são os verdadeiros “trouxas”...
Chega de "bundalização" Chega de
malandragem!
Quando Charles De Gaulle, então
presidente da França, afirmou que o Brasil não era um país sério, lá no
longínquo ano de 1968, os brasileiros ficaram ofendidos. Ora, falou alguma
mentira ?
Recentemente, 2016, uma reportagem repercutida na
mídia norteamericana, afirmou que o povo brasileiro costuma dança nu pelas ruas, em meio à uma
epidemia terrível, perpetrada pela ação de um mosquito a transmitir-lhe três
doenças graves, alheio à catástrofe, ao referir-se ao carnaval. Os seus pares brasileiros ofenderam-se, ao afirmar que o jornalista que assinara a matéria foi preconceituoso para com a nossa nação. Com a
epidemia a alastrar-se pela profusão de mosquitos (algo corriqueiro em um país tropical), o povo brasileiro abriria mão
do seu carnaval (eu sei que a festa atrai divisas, mas convenhamos, o
dinheiro que entra pela via do turismo, dilui-se em mil bolsos e não
necessariamente reflete-se em ações públicas concretas que beneficiem a
coletividade) ?
Pois é, quando eu vejo protestos e alguns
justos, até, penso na superficialidade que atravanca-nos. Muito bem, não é só pelos vinte centavos do
aumento da tarifa dos ônibus urbanos, mas nunca chega-se ao verdadeiro âmago da
questão, ou seja : você, brasileiro, está disposto a deixar de ser “malandro” e
não furar a fila ? Pense nesse aspecto antes de arranhar a sua
panelinha, na varanda gourmet da sua residência...
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2016
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