sábado, 5 de novembro de 2016

Filme: Groupie Girl - Por Luiz Domingues


Dois filmes britânicos lançados em 1970, tem o mesmo mote e que eu saiba, salvo engano de minha parte, trata-se dos primeiros na história do cinema ligado ao Rock, a retratar o fenômeno das "groupies". São eles: “Groupie Girl” e “Permissive”. Falo sobre Groupie Girl, especificamente nesta resenha, e abordo, ”Permissive”, separadamente em outra ocasião.
Antes de avançar sobre a análise desse filme, faz se necessário explicar para quem não sabe, que o termo “groupie” é uma corruptela da palavra “Group” (em português, “grupo”), que era a maneira mais usual para definir conjuntos musicais dedicados ao Rock, principalmente em décadas passadas. A palavra “conjunto” também era bem usada e com o passar do tempo, o termo “Band”, literalmente, “banda”, em português, passou a ser o mais usual até os dias atuais (2016). Portanto, uma “Groupie”, pode ser definida como uma fã de um grupo de Rock, que não apenas segue os seus artistas prediletos, por onde quer que eles estejam, contudo, anseia fazer parte da sua “entourage” e nesse caso, ao traçar um paralelo, resgata-se de certa forma, a figura das cortesãs nas antigas cortes dos monarcas dos séculos passados. 

Para trocar em miúdos, tais garotas querem estar junto aos seus ídolos; prestar-lhes favores sexuais e usufruir das benesses advindas da fama que eles possuem, ao viver literalmente das migalhas em decorrência disso. Se analisado pela ótica da moral mais tradicional ou mesmo dos ideais do feminismo mais radical, a mentalidade dessas garotas em submeter-se a esse tipo de subserviência, gera acaloradas discussões, porém, o meu objetivo aqui não é fazer juízo de valor algum. Trato da resenha de um filme e explicado está, para quem não sabia, o que é uma “groupie”.  

Sobre o filme, “Groupie Girl” (a obra também é conhecida por um segundo título : "I Am a Groupie"), ele é na verdade um filme obscuro; realizado sob baixo orçamento; produção britânica de 1970, lançada pela pequena produtora Salon. Conta a história de uma menina inglesa que anseia ser groupie, e nesse caso, ao seguir uma tendência comum a quase toda garota que tinha isso em mente, ou seja, a buscar uma perspectiva mais excitante em contraste com a sua vida sem glamour que costumava levar, ao ter em conta que tais moças eram geralmente oriundas da classe operária e se seguissem o curso normal da vida, fora da perspectiva pura e simplesmente, dificilmente teriam uma vida fora da perspectiva em manter-se como operárias ou no máximo, donas de casa e esposas de operários, a viver com muitas restrições mediante baixos salários e sem nada muito promissor para animar-se em termos de futuro, que sinalizasse alguma motivação especial. 

Com a explosão do Rock britânico nos anos sessenta, como dizia Mick Jagger na letra da canção, “Street Fight Man” dos Rolling Stones: -“o que mais um garoto pobre pode aspirar a não ser tornar-se membro de uma banda de Rock?”, portanto, a aspiração acalentada de vir a ser um Rock Star mexeu com a cabeça de muitos garotos e no caso das meninas, com o fator machista ainda muito forte em uma sociedade tão conservadora como a britânica, poucas aventuraram-se a sonhar com uma carreira musical, e como consequência dessa mentalidade machista, sobrou para a maioria, a vontade de ao menos estarem juntas com os artistas famosos, como forma de absorver uma gota desse glamour tão excitante. 


E mesmo assim, até chegar a andar com os famosos, era algo quase inatingível, portanto, a maioria teve que contentar-se em ficar com bandas de fama mediana ou até inexistente, pois como no futebol, os artistas também padecem de melhores oportunidades e dessa forma, para que haja uma primeira divisão, com todos os holofotes a dar-lhes fama e fortuna, muitos times tem que amargar a segunda, terceira, quarta divisões e ali, a aspereza é grande e não há garantia alguma em que consiga-se um dia, chegar à almejada “primeira divisão”, mesmo que trabalhe-se com todo o afinco, pois no mundo, a dinâmica é praticamente a mesma, ou até pior, no sentido de que não há meritocracia como no esporte.
Portanto, já a narrar a história que sustenta esse filme, trata-se do caso de Sally (interpretada por Esme Johns), uma garota que perambula por pequenos clubes de cidades pequenas, para assistir apresentações de bandas obscuras de Rock, do circuito underground britânico. 

O filme inicia-se com ela e outras aspirantes a groupie a prestigiar uma banda chamada: “Opal Butterfly” em um pequeno clube localizado em uma cidade do interior e após a apresentação, ela ardilosamente esconde-se na van dos artistas e só quase a chegar em uma outra localidade, descobrem-na e não mostram-se surpresos com a sua presença no carro, devidamente escondida no bagageiro entre os instrumentos e equipamentos, para denotar a normalidade absoluta desse tipo de evento em suas vidas.

A postura dela em submeter-se, sem reservas, aos anseios sexuais dos artistas, é tratada como algo quase blasé entre os rapazes, a confirmar que não nessa ocasião, não havia conflito moral sobre tal situação, de ambas as partes, e nesse caso, apesar de ser algo chocante se visto por outro prisma, acredito que o diretor teve espírito jornalístico praticamente, apenas a mostrar uma realidade, mas sem cair na tentação em explorar isso como sensacionalismo, tampouco fazer ode ao fenômeno. Essa cena, assim como o assunto tratado ao longo da história, adota esse posicionamento da isenção e posso dizer que isso é um ponto positivo para o filme.

Daí em diante, ela coloca-se a seguir nessa micro comitiva de uma banda a lutar para buscar o seu sonhado “lugar ao sol”. São cenas do cotidiano com Sally a acompanhar sessões de gravação, shows e ensaios e nessa rotina, o cotidiano vivido em hotéis baratos, camarins de casas noturnas de pequeno porte e infelizmente, ao ser usada sem muito respeito, no que tange à sua sexualidade e dignidade pessoal, sobretudo, e também por aturar brigas e mesquinharias da parte dos rapazes e além de tudo, o fato de explorar-se a condição dela como empregada doméstica, obrigada a prestar serviços gerais para os rapazes...em síntese, o glamour para estar junto a uma banda de Rock, na prática só ocorria para quem estivesse na entourage de bandas consagradas, pois nesse patamar abissal, a realidade era outra.
Em uma dessas andanças com a banda, outra groupie aparece e uma briga homérica ocorre entre as duas, e aí nesse ponto, acontece um deslize do editor e do editor ao meu ver, pois a cena ficou muito longa. As duas meninas a engalfinhar-se sob uma luta e a ser ironizadas pelos rapazes, não significou algo fora da realidade.

Várias biografias de Rock Stars verdadeiros, contam histórias assim, como por exemplo, é público e notório que Jimmy Page, o guitarrista do Led Zeppelin, adorava ver groupies a brigar entre si, por sua causa, e mais do que isso, estimulava tais disputas. Mas no caso do filme, a cena ficou cansativa. Talvez tenham encantado-se em retratar algo que achavam que criaria impacto, e sim, causou, mas o excesso tratou em diluí-lo.
Festas malucas regadas a drogas, com pessoas intelectualizadas e mais velhas a absorver o Rock como forma de arte aconteciam na vida real e nesse caso, retratou-se no filme uma situação análoga, a representar um momento brilhante do Rock britânico, sem dúvida. 
Talvez passe despercebido por quem não tem essa cultura Rocker, mas a despeito da loucura ali retratada, o sentimento implícito nela, inerente, chamou-me a atenção.

Aventuras sexuais malucas a envolver psicodramas improvisados, são retratadas e mescladas a brincadeiras sem graça, perfeitas molecagens de rua, ao mostrar a rotina dessas meninas que acompanhavam grupos de Rock. 
Por exemplo, uma das cenas mais chocantes acontece quando duas vans a transportar bandas, encontram-se na mesma estrada e nesse espírito de loucura total, resolvem "trocar de groupies", como se as meninas fossem meros objetos e para piorar, em movimento, ao colocar em alto risco as suas vidas e as deles próprios. Tal cena foi bastante destacada em resenhas publicadas na imprensa, na época, como o ápice do filme e um exemplo da estupidez juvenil da parte de Rockers drogados. Infelizmente não tenho como enxergar algo positivo nisso e tendo a concordar com a opinião dos conservadores de plantão. Tudo tem limite, até quando assume-se que loucura pouca é bobagem, pois é...
Sally vai ser groupie de outra banda, não machuca-se nessa imprudência cometida na estrada, mas a brincadeira perigosa acaba mal pois uma das vans atropela um caminhoneiro que trocava o pneu de seu veículo, no acostamento da estrada.
Agora a seguir com outra banda, “Sweaty Betty”, a rotina não muda para Sally. Porém, fica tudo tenso por que a polícia está atrás e não vai deixar para lá, mesmo porque o caminhoneiro machucou-se e teve um forte prejuízo, graças à imprudência dos Rockers em brincar com o perigo. 

Com a inevitável visita dos inspetores da polícia, um festival de sarcasmos e deboche ocorre. Bem, tratava-se de jovens Rockers, estavam todos em estado alterado de consciência e eram britânicos, portanto, o sarcasmo é um fato contido no DNA deles.
E claro, os policiais não engolem as provocações e todo mundo é enquadrado e conduzido à delegacia. Menos Sally, que estava na cozinha na companhia de uma outra groupie, a cozinhar para todos, e na iminência da batida policial, ela ingere uma grande quantidade de material alucinógeno, para ficar tão “spaced” que cai de uma escada e desaba dentro de uma adega. 

Ela acorda várias horas depois e depara-se com a casa vazia e só um músico está presente, Wesley (interpretado por Billy Boyle que era ator, todavia, mantinha uma carreira musical paralela), ao mostrar-se um “Folk Artist” em essência. Wesley toca violão e canta na sala vazia da residência, as suas baladas Folk e eles interagem de uma forma que a surpreende. Sally, após semanas, talvez meses a ser usada e ignorada como Ser Humano, admira-se com Wesley por ele não a tratar dessa forma e nessa reflexão de ambos, concluem o óbvio, ou seja: “groupies são jogadas fora”. Enfim, o choque de realidade.  

Sally demonstra cansaço com a situação, pega a sua mochila e vai embora, a caminhar sozinha por uma estrada vicinal, no interior da Inglaterra.
O ator britânico, Donald Sumpter em dois momentos: jovem e Rocker em "Groupie Girl" e abaixo, envelhecido ao atuar no seriado, "Game of Thrones", mais recentemente.  

Apesar de um roteiro tão fraco, no padrão de uma produção classe B, sob orçamento baixo, e um elenco com atores não tarimbados (apenas Donald Sumpter, atualmente no aclamado seriado britânico,“Game of Thrones”, que interpretou o Rocker, Steve, chama a atenção como ator mais famoso nesse elenco), o filme tem alguns méritos, sim.
Primeiro a música. As canções compostas para servir de apoio às intervenções da banda fictícia “Opal Butterfly”, são ótimas. Quase todas compostas por Peter Lee Stirling, e no caso da música homônima ao filme, “Groupie Girl”, em parceria com David Byron, o vocalista do Uriah Heep na ocasião, 1970. Peter Lee Stirling canta a maioria delas, inclusive. Peter foi um cantor solo dotado de um relativo sucesso na metade da década de sessenta e que em dado momento de sua carreira mudou o seu nome artístico para Daniel Boonie, por incrível que isso pareça...


São canções bastante melodiosas e que lembram muito o Soft Rock de bandas britânicas verdadeiras como o Badfinger e Grapefruit, por exemplo, que fizeram muito sucesso na ocasião em que o filme foi produzido.
           O ator / cantor; violonista & compositor, Billy Boyle

No caso das canções de Billy Boyle, estas são de sua própria autoria. Com timbres e produção de áudio adoráveis para quem aprecia a safra do Rock, da chamada fase: “Late Sixties, Early Seventies”, tida por muitos críticos como uma das melhores senão a melhor fase da história (eu incluo-me nesse rol, que avalia dessa forma), o filme vale muito a pena só para ouvir-se tais canções e o sentimento ao escutá-las é que pouca importa se não sejam canções conhecidas, pois apenas pela sonoridade, já são muito agradáveis.O disco coma trilha sonora do filme foi lançado na Inglaterra, logo após o lançamento do filme, e vale muito a pena, ter esse LP em sua estante
E apesar de retratar aspectos até deprimentes dos bastidores de uma cena muito underground, só por ser um documento de época com tal atmosfera impregnada no celuloide, contém um charme, indiscutível. O roteiro foi assinado pelo próprio diretor, Derek Ford, mas tem crédito para uma moça chamada, Suzane Mercer, que colaborou ativamente, por ter sido na época, assumidamente, uma groupie. Talvez esteja aí a razão pela qual haja uma clara melancolia na pele da personagem, Sally, construída em torno das  experiências reais nada agradáveis e que certamente relatou à Derek, no afã de ser a mais fidedigna possível em sua impressão pessoal sobre o assunto.
No elenco, além dos já citados, acrescento: Richard Shaw (como “Morrie”), James Beck (como “Brian”), Paul Bacon (como “Alfred”), Neil Hallet (o sargento detetive), Eliza Terry (como “Suzie”), Belinda Carey (como “Pat”), Jeanette Thonsett (como “Shirley”), Jenny Nevinson (como “Moira”), Christine Wright (como “Mandy”) e mais alguns outros atores de apoio.
Filme bastante obscuro, desconheço que tenha tido exibições em canais de TV a cabo, brasileiros, e na TV aberta, acredito que nem pensar que tenha havido alguma exibição, e se aconteceu, foi provavelmente em meio a uma madrugada e sem publicidade alguma da parte de uma emissora.

Foi lançado em versão VHS, nos anos oitenta. Saiu a sua cópia em formato DVD, muitos anos depois. E logo a seguir, a sua versão em Blu-Ray foi providenciada. Existe no entanto, uma postagem no YouTube, disponibilizada por uma alma caridosa, mas sem legendas em línguas estrangeiras, para ficar-se só no áudio original em inglês. E também não pode-se achar que fique eternamente disponível dado o caráter volátil de tal portal da internet. Portanto, se a resenha despertou a sua curiosidade para assistir, seja rápido no seu mouse e corra ao YouTube, já...

Esta resenha foi revista e ampliada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n Roll". Está disponível para a leitura através de seu volume I, a partir da página 385.
 

8 comentários:

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    1. Mas que maravilha, Consuelo !

      Estou feliz por saber que apreciou !

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  2. Salve Luiz!
    E eis que você nos trás mais um assunto saboroso da História do Rock.
    Lembrei-me imediatamente do filme Almost Famous que, apesar de não tratar diretamente do tema, mostra bem como era a vida das groupies.......
    Super abraço!

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    1. Olá, Gil !

      Estou feliz por saber que gostou desta resenha. De fato, Almost Famous é um dos melhores filmes sobre o Rock setentista. É só procurar no arquivo deste Blog, tem a resenha desse filme dividida em duas partes. E sim, tem na "Penny Lane", uma personagem chave do roteiro.

      Grande abraço !!

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  3. Sensacional!!! Que história deliciosa! Vc já tinha postado antes, mas só agora consegui ler, adorei!

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    1. Maravilha que tenha gostado, Christine !

      De fato, tal filme soa ingênuo em alguns aspectos pela ótica atual, decorridos 47 anos de seu lançamento (1970 / 2017), mas não tira o seu valor. O assunto é interessante sempre, e a despeito desse filme ter produção modesta, tem seus méritos, a começar pela ótima música na sua trilha sonora, o que era natural pela época em que foi feito, onde havia muita qualidade na música em geral, notadamente no Rock e claro, ter capturado o espírito "late sixties / early seventies", notadamente a melhor fase do Rock, de todos os tempos.

      Grato pela leitura e comentário !!

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  4. Hoje em dia tem as perigetes, que fazem o mesmo pelos jogadores de futebol,musicos. etc.. só que as Groupies tinham mais estilo é cláro rs...fantástico texto, vou assistir o video no youtube.

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    1. Exatamente, Kim ! Maria instrumento; Maria claquete; Maria chuteira...todas tentando arrumar-se na vida, "grudando" em celebridades e subcelebridades de várias áreas da sociedade usando a arma da sedução, isso quando não apelam para o velho e muito usado "golpe da barriga"...

      Aliás, essa prática feminina de buscar seguridade sócio / financeira mediante apoio de marido / amante bem sucedido, vem de séculos atrás, não é uma novidade. Haviam cortesãs nas cortes de monarcas desde a antiguidade, por exemplo.

      Mas claro que concordo, no caso do Rock, as Groupies, principalmente as das décadas de sessenta e setenta, tinham glamour para dar e vender. Dá para comparar às groupies de astros de cinema dos anos de ouro de Hollywood, tranquilamente e acho que as superam, como você bem colocou.

      Gratíssimo pelo rico comentário que sempre soma !!

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