sábado, 16 de maio de 2020

Filme: Hendrix - Por Luiz Domingues


Produção barata, trata-se de um telemovie da MGM, na verdade. Então, logo de início, antes mesmo de assistir já fica a advertência ao espectador em ter sido feito com um baixo orçamento, daí, a contar com parcos recursos. Dito isso, é óbvio que o mais ardoroso fã da carreira do monstruoso guitarrista, Jimi Hendrix, um dos maiores ícones do Rock e contracultura sessentista, precisa sentar-se na poltrona de sua casa e estar cônscio de que não pode postar-se de uma forma exigente em relação à essa produção, sob a possibilidade em irritar-se profundamente, pois o filme é bem fraco em linhas gerais. Entretanto, apesar dos pesares, tal obra contém os seus méritos, os quais tentarei arrolar ao longo da resenha.
O primeiro ponto positivo, dá-se com o ator, Wood Harris, que interpretou o papel de Jimi Hendrix. Ele, por si só, não é um super ator (longe disso, aliás), no entanto, percebe-se que nessa produção ele entregou-se de corpo e alma à composição de seu personagem e mais que isso, demonstrou claramente que integrou-se ao verdadeiro, Jimi, a denotar que identificara-se, pessoalmente com a trajetória do artista e também da personalidade do homem, Jimi Hendrix, e claro que tal fator contribuiu decisivamente para que a sua atuação ficasse até acima da produção, tão equivocada em muitos outros aspectos. 

O segundo ponto, e que é sempre importante para qualquer tentativa de cometer-se uma cinebiografia, mas nem sempre bem observada, deu-se com o roteiro que respeitou em linhas gerais (mas não totalmente, é bom frisar), a biografia e a cronologia da trajetória de Jimi Hendrix, com pouco espaço para licenças poéticas que deturpam a história real. 

Terceiro ponto: houve um esforço para recriar com fidedignidade algumas apresentações ao vivo de Hendrix, com o máximo apuro em cada situação, no entanto, fica a ressalva que o orçamento foi baixo, portanto, este terceiro ponto que arrolo, é bastante relativo, no sentido de que não dá para elogiar a produção de tais cenas, mas fica a observação de que houve um esforço para criar-se o melhor possível dentro das possibilidades que dispunham, portanto, a menção honrosa é pela intenção e não pela conclusão do trabalho, propriamente dito.
No tocante à performance do ator em cenas a tocar guitarra, o seu esforço para compor uma postura minimamente condizente, foi aceitável, mas claro que músicos mais perfeccionistas vão queixar-se principalmente do detalhe da digitação ao braço da guitarra. Mesmo que o ator fosse um grande músico, seria difícil sincronizar os movimentos, portanto, é compreensível que não seja um detalhe 100 % bem feito.
No aspecto do figurino e direção de arte, eu tenho a consciência de que para recriar o ambiente do Rock sessentista, notadamente da segunda metade daquela década, é preciso ter uma verba melhor e contar com uma equipe de profissionais obstinados, caso contrário, tudo fica muito aquém do esperado, com as pessoas vestidas como se estivessem a participar de um baile a fantasia sobre os anos sessenta, absolutamente mal ajambradas, sem nenhuma noção do que foi aquela época sob o ponto de vista do Rock, da contracultura e da moda inerente que gerou-se em meio à essa profusão de conceitos. 

Então a falar especificamente deste filme, não chega a ser um desastre a configurar ser uma caricatura mal feita, pois o personagem de Jimi Hendrix, defendido por Wood Harris, teve uma produção até que razoável em relação ao seu figurino pessoal e visual, notadamente o uso da peruca a ostentar a vasta cabeleira, mas isso não foi uma regra aos demais e em certas cenas há até o desleixo em ver figurantes não preparados adequadamente para estar em cena, a demonstrar um inequívoco sinal anacrônico, que em um produção maior nem chegaria à ilha de edição, visto que a cena teria sido refilmada e a continuísta, a figurinista e o diretor de arte, demitidos, naturalmente.
Sobre o roteiro, há alguns erros de avaliação em relação à personalidade de alguns personagens em contraste com a vida real, certamente. A elaboração dos diálogos também pecou em atribuir certos maneirismos que na prática, tinham mais a ver com a prosódia dos anos noventa, quando esse filme foi concebido, por volta de 1998 ou 1999, visto que foi lançado em 2000.
E talvez o pior aspecto, não há nenhuma música composta por Jimi Hendrix na trilha, usada como citação de cena de shows; gravações, aparições em programas de rádio & TV ou nem mesmo como BG para cenas dramatúrgicas normais. As músicas exibidas, foram covers de outros artistas que Hendrix gravou e apesar de tratar-se de músicas que fizeram sucesso nas mãos dele, fica uma decepção muito grande de não haver material original do próprio cinebiografado.

Não sou advogado da produção desse filme, para defendê-la, no entanto, preciso ser justo e anotar que se o orçamento foi baixo, é óbvio que não foi possível contar com mais músicas de Hendrix, por uma questão de veto da sua editora e também dos proprietários dos fonogramas originais. Ou seja, sem dinheiro para pagar as estratosféricas taxas cobradas normalmente pelas editoras musicais, ficou totalmente inviabilizada tal utilização do material e claro que isso é uma pena e automaticamente faz com que o filme seja muito desvalorizado.

No mais, a trama mostra o trivial da biografia do grande guitarrista de Seattle. O recurso de iniciar-se o filme com uma entrevista de Hendrix a um órgão de imprensa, às vésperas de sua morte em setembro de 1970 e daí montar-se um flashback montado em torno do que o próprio entrevistado relatava, não foi um recurso cinematográfico inovador, no entanto, creio que foi válido como opção do diretor e dos roteiristas. Daí em diante, acontece a relação de Hendrix com o seu pai na infância; a passagem dele pela aeronáutica, onde aliás, conheceu o baixista, Billy Cox, com quem tocaria ao final da sua vida. Os shows onde começou a destacar-se como side man de artistas ótimos como The Isley Brothers, Little Richard e Ike & Tina Turner, mas todos em fase a atuar no underground, praticamente, longe dos grandes holofotes e a guinada, quando conheceu o inglês, Chas Chandler, ex-baixista do grupo de Rock, The Animals e que ao encantar-se com o guitarrista canhoto, propôs leva-lo para Londres, na Inglaterra e assim produzi-lo no ambiente do Rock inglês que tornara-se a meca do Rock mundial, sem dúvida.

Mostra-se a ciumeira que ele gerou em astros britânicos, tais como Eric Clapton e Pete Towshend, embora a famosa participação ao vivo que ele tenha cumprido com a super banda de Clapton, o Cream, no filme mostrou-se adocicada. Muito en passant, cita-se o encantamento que ele despertou em outros astros, ao ponto de tornar-se um amigo e mais que isso, praticamente apadrinhado por dois astros de primeira grandeza do Rock inglês daquela atualidade: Brian Jones e Paul McCartney. 

São rápidas, mas interessantes as cenas em que monta a sua banda, o Experience, ao conhecer Noel Redding e Mitch Mitchell que seriam os seus companheiros de jornada, doravante. Assim como a entrada de Mike Jeffery em sua vida, ao ser retratado como um vilão, praticamente, e nesse aspecto, há um esforço em demonizá-lo em prol do folhetim, embora saibamos que empresários que atuam na música costumam ser implacáveis para defender os seus interesses e pouco importam-se com “arte”, na realidade e não foi diferente com a postura de Jeffery na vida real, mas daí a deestruir a sua imagem... e preciso mencionar que apesar do ator, Billy Zane ter o seu talento para filmes de ação e super-heróis em via de regra, nesta composição do personagem, deixou a desejar e para piorar a sua situação, a peruca que usou em cena, ajudou a depor contra a sua atuação, por ser decididamente ridícula. Alguém deve ter observado que as pessoas em geral nessa época, tornaram-se usuários de cabelos longos, mesmo os que não eram artistas ou Hippies e aí a cabeleireira pensou nessa peruca em específico e... paciência. 
Então veio a cena do Festival de Monterey, onde o ator, Wood deu o seu máximo para recriar aquela mise en scené que Hendrix teve na vida real ao incendiar e quebrar a sua guitarra, e assim ele cumpriu o seu papel com razoável fidedignidade, ao levar-se em conta os recursos disponíveis para tal.

Acontece a questão do deslumbramento, com orgias intermináveis; as groupies e os aproveitadores de plantão, o uso & abuso das drogas e bebedeiras. Bem, clichês para cinebiografia de músicos de Rock, mas realidade, portanto, não dá para maquiar, é compreensível. Existe igualmente o ego que infla-se de uma maneira normal e mesmo que o Hendrix em si, nunca tenha enveredado por tal caminho abominável da soberba na vida real, os excessos e as más companhias conturbaram a sua vida, isso é inegável, portanto, mesmo sem desejar, conscientemente, certas atitudes que ele tomou, foram desagradáveis em relação aos companheiros de banda e ao produtor de estúdio, Eddy Kramer e isso é mostrado.

Mostra-se também a obstinação de Hendrix em buscar sonoridades diferentes, o seu flerte com o Jazz-Rock e a música erudita, ou seja, fatos de sua biografia oficial.

Outro ponto que é observado, mas de uma forma equivocada ao meu ver, foi a pressão que ele sofreu da parte de militantes do grupo político, Black Panther, a cobrar-lhe uma postura público em apoio ao movimento negro. De fato, houve tal pressão, mas as cenas em que isso foi retratado, montou-se uma linha de atuação, principalmente no tocante aos diálogos, bastante anacrônica. Ao ver tais cenas, parece que estamos a assistir um filme sobre rappers de Los Angeles nos noventa, portanto decepciona bastante no bojo do filme.
Outra questão, foi a ridícula excursão que ele foi obrigado a cumprir, para abrir os shows dos Monkees, que na prática, era uma banda fictícia, formada por atores para estrelar um seriado de TV homônimo. Entretanto, os atores eram músicos, e ao empolgar-se com o surpreendente sucesso na TV, foram para estrada para assumir-se como uma banda real, a forjar uma carreira. Que fique claro, eu não tenho nada contra os Monkees e pelo contrário, gosto da sua trajetória e acho até que tal banda possui alguns bons trabalhos em sua discografia, no entanto, o seu público era formado exclusivamente por adolescentes histéricas e assim, Hendrix e o seu Experience foram submetidos a uma espécie de vexame, ao ser hostilizados por meninas na faixa etária entre 10 e 12 anos de idade. Isso foi mostrado, com cena parcial de um dos shows em questão e a enfatizar a contrariedade da parte dos membros do Experience.

A tentativa em forjar uma nova banda, foi mostrada de uma forma tão superficial que pareceu ter sido produzida apenas para cumprir uma obrigação. A despeito desse projeto, “Band of Gypsies”, ter durado pouco, acho que Buddy Miles e Billy Cox não mereceram esse tratamento.
Ignorou-se alguns pontos importantes por ele vividos no ano de 1970, tais como a atuação em Berkeley; o festival da Ilha de Wight, na Grã Bretanha e a filmagem do documentário, Rainbow Bridge e o pior, a cena a sugerir a sua morte, foi muito evasiva, pois na realidade, revelou-se algo dramático e a envolver um astro do Rock que esteve próximo dessa cena, caso do cantor, Eric Burdon e no filme nada foi mencionado.

Enfim, o filme desaponta sob muitos aspectos, contém poucos pontos positivos e realçou um sentimento óbvio: Jimi Hendrix, pela sua importância gigantesca na história do Rock, precisa ser agraciado com uma cinebiografia à altura da sua grandeza e neste caso, esse telemovie, apesar do esforço louvável da parte do ator, Wood Harris, ficou muito longe dessa meta.
Outros atores não citados anteriormente: Dorian Harewood (como Al Hendrix, o pai de Jimi), Christian Potenza (como Chas Chandler), Vivica A. Fox (como Faye Pridgeon), Kris Holden Ried (como Noel Redding), Christopher Ralph (como Mitch Mitchell), Michie Mee (como Devin Wilson), Ann Marin (como Linda Keith), Kevin Hanchard (como Little Richard), Jim Corbett (como Eric Clapton), Mark Holmes (como Pete Townshend), Joris Jarsky (como Jack Bruce), Derek Aasmer (como Ginger Baker), Lindsy Stewart (como Eddy Kramer), Michael Dunston (como Buddy Miles), Clé Bennet (como Billy Cox) e outros.

Digno de nota, há uma infinidade de fotos e cenas de documentários e telejornalismo da época, inseridos, a trazer a imagem de pessoas famosas daquela década, portanto, um bom reforço pontual e não oneroso para substanciar a obra. Vê-se de John Lennon a John Kennedy, Martin Luther King, Elvis Presley, Mick Jagger, os quatro  componentes dos Monkees, os demais membros dos Beatles e dos Rolling Stones, Yoko Ono, Muhammad Ali, Bob Dylan, Richard Nixon, Allen Ginsberg, enfim, uma turma da pesada, realmente.

Escrito por Rob Weiss, Butch Stein, Art Washington e Bruce Rubenstein. Foi dirigido por Leon Ichaso. Foi lançado  em 2000. Está disponível na versão DVD e foi exibido com bastante regularidade em canais de TV a cabo, anos atrás e agora encontra-se facilmente no You Tube, em 2020.

Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll". Está disponível para a leitura através do seu volume II, a partir da página 64





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