Muitos
filmes foram produzidos a enfocar a repercussão do movimento Hippie e os seus
desdobramentos em termos de contracultura, principalmente a partir da segunda
metade da década de sessenta. O mote de muitos deles, foi em tom de preocupação
generalizada da opinião pública, da sociedade como um todo e sobretudo da parte
dos agentes governamentais em torno da repercussão que toda essa revolucionária
movimentação que encantara a juventude poderia promover. “Wild in The Streets”
(“Selvagem nas Ruas”, em português), foi um desses filmes que foram produzidos sob a
pressa absoluta em abordar o fenômeno com a absoluta contemporaneidade, em pleno
decorrer do ano de 1968.
Neste caso,
os elementos que foram abordados em filmes similares, estiveram presentes
igualmente, a envolver os conceitos do movimento contracultural em geral e seus
aspectos inerentes, tais como o elemento do Rock, a questão sobre as drogas alucinógenas e também a respeito do
amor livre a quebrar tabus. No entanto, ao contrário de seus pares, neste caso
de “Wild in the Streets”, a ficção usada esbarrou em outros conceitos contrários
e o seu resultado foi híbrido, ao dividir opiniões.
Isso por que nesta
produção, o roteiro proposto, que foi baseado em um conto denominado : “The Day
It All Happened, Baby” (!) (e que foi publicado na famosa revista norte-americana, “Esquire”,
um pouco antes, em 1966), e por conta dessa fonte, levou-se a história para um outro patamar ao misturar-se
com teorias da conspiração, ao insinuar que a contracultura estaria a influenciar
a juventude no intuito em buscar a tomada do poder, o que em realidade, não
coaduna-se com nenhum princípio do conceito do “Drop Out” hippie, portanto, ao
assistir-se o filme nos dias atuais, mais de cinquenta anos depois, só podemos intuir
duas coisas: 1) Foi uma leitura apressada e irreal do que o movimento
realmente representava ou; 2) teve a intenção deliberada em denegrir o fenômeno
ao apresentar uma visão distorcida e assim influenciar negativamente a opinião
pública.
A história
mostra uma movimentação em torno da perspectiva da Lei eleitoral norte-americana,
ser modificada, no sentido em adequar a idade mínima para que o cidadão mais
jovem pudesse ter o direito ao voto. Nesses termos, a explosão do movimento
hippie suscitou a imaginação do autor do conto original (Robert Thom), e por
conseguinte dos produtores desse filme, por mostrar os jovens a reivindicar os
seus anseios. E aí entra o elemento contracultural, pois é através de uma liderança
política jovem, que tal onda de protestos cresce no meio da juventude, nesta ficção.
Tal
carismático líder, é na verdade o cantor de uma banda de Rock e aí, a sua
projeção natural como ídolo, inflama a juventude a protestar. A ideia inicial foi
lutar para que a Lei fosse modificada a fim de que a idade mínima para votar, fosse
reduzida para quatorze anos de idade, e naturalmente que a juventude aderiu em
massa e isso despertou o temor dos políticos tradicionais. Nesses termos, o
lema criado e repetido ad nauseam, tornou-se o mantra do momento: “Fourteen or
Fight” (“quatorze ou luta”), a denotar uma ameaça implícita em termos de
revolta.
Tudo
iniciou-se quando o grupo de Rock fictício, chamado: Max Frost and The
Troopers, liderado por Max Frost (interpretado por Christhopher Jones), que
supostamente está a viver uma fase sob imensa popularidade, é convidado a
apresentar-se em um comício político em favor da candidatura para o senado, de
Johnny Fergus (interpretado por Hal Holbrook).
A plataforma de Fergus é
oportunista, pois é apresentada para agradar a juventude, mesmo por que tal político, é adepto das práticas
populistas, e assim ao ouvir a opinião de seus filhos que são jovens, acha um
filão para sedimentar a sua candidatura. Contudo, a proposta de Fergus é bem
mais conservadora e prega a redução de vinte e um para dezoito. Cabe dizer que
evidentemente que a banda e o seu líder, Max, não concordam com tal meta
proposta pelo candidato e sob improviso, criam uma música incendiária a exigir
a redução para quatorze anos de idade, ao criar o refrão: “Fourteen or Fight”,
que gerou o tal lema já citado. O senador a princípio fica perplexo e muito
preocupado com tal reação e daí, mediante um acordo com Max, fecha em outra proposta,
a sugerir o meio termo, portanto, mediante uma nova aparição na TV, cria-se o
novo slogan da campanha: “Fifteen and Ready” (“quinze e pronto”).
Bem, faço um
parêntese para ressaltar alguns aspectos, antes de avançar. Em primeiro lugar,
é interessante destacar-se que ao contrário de uma imagem a forjar uma pessoa comum
que aspira ser artista, a construção do personagem do cantor, Max Frost, mostra-o na
verdade como um playboy incorrigível. Filho de pai milionário, é um rebelde por
puro histrionismo hedonista e não tem nem de longe um ideal nobre em mente. A
simples ideia de que acredita que os jovens devam assumir o poder é de um vazio
total e assim, se a intenção foi veladamente arrasar o ideal hippie, para criar
uma imagem sob completa irresponsabilidade, isso foi execrável e mentiroso. Por
ser milionário e inconsequente, ele nada tem de idealista e pelo contrário, parece
apenas tomar atitudes típicas de um playboy mimado e nada preocupado com o bem
estar alheio, quanto mais a rés pública. Se isso foi o que o cidadão médio conservador, pensou sobre o ideal
jovem sessentista, na prática, tirante a impetuosidade juvenil que causou-lhe medo,
não surpreendeu por conseguinte a intenção do filme em coadunar-se com tal sentimento completamente deturpado.
O filme
segue com uma oportunidade repentina que os jovens aproveitam sem vacilar. Uma
vaga surgiu no Congresso Nacional e uma garota militante em torno de Max Frost
e sua banda, toma posse da cadeira. Sally LeRoy (interpretada por Diane Varsi), assume e no
parlamento, com atitude bem debochada, lança o seu primeiro projeto de Lei, a
propor a redução da idade para quatorze anos, para qualquer cidadão que deseje
candidatar-se ao parlamento. E sob os gritos de seus correligionários jovens
que estão presentes no auditório público, praticamente coloca a questão de novo
em pauta em torno da reivindicação: “Fourteen or Fight”.
Concomitantemente,
ações de sabotagem são perpetradas pelos jovens, como por exemplo jogar uma
dose maciça de LSD no reservatório de água de Washington, certamente inspirado
na proposta que o professor Tim Leary havia feito na vida real ao então
governador da Califórnia, o senhor, Richard Nixon.
Para o
desespero dos mais velhos, os jovens rapidamente ganham espaço político e
quando os veteranos mal piscam, as leis novas já estão em vigor e a definir
como trinta anos, a idade para a aposentadoria compulsória e pior ainda, quando
instituiu-se que pessoas com mais de trinta e cinco anos de idade, fossem
conduzidas a uma espécie de campo de concentração, para submeter-se a um suposto
programa de reeducação, ou seja, os jovens adotam postura nazifascista detestável e portanto, nada a ver com o movimento Hippie.
O delírio da
história não para aí. Ao misturar conceitos contidos no livros de autores tais
como : Ray Bradbury; Isaac Asimov; Arthur C. Clarke e certamente com ideias de
George Orwell e Aldous Huxley como pitadas pontuais, tal receita maluca chega
ao ponto em que a revolução liderada por Max Frost e seus seguidores não
limitou-se aos Estados Unidos, mas acontecera em todas as partes do mundo, com
outros núcleos jovens no comando. Max destituiu o exército e monta uma polícia jovem,
cuja única preocupação é deter os mais velhos e conduzi-los aos campos de “reciclagem”.
Segundo palavras usadas no próprio filme, Max torna-se o "líder mais hedonista do mundo", ao revelar a intenção da produção de demolir os ideais contraculturais, com a devida
ressalva de que tais conceitos mostraram-se completamente distorcidos, ou seja,
uma ataque infundado ao considerar-se que essas pessoas não estavam a entender
nada, em realidade.
Para manter
o conceito e subliminarmente reforçar o seu posicionamento, eis que o desfecho
da história chega a ser engraçado pela sua desfaçatez. Ocorre que Max,
enlouquecido pelo poder, ao portar-se como um imperador tresloucado, maltrata um
animal de estimação de uma criança (um caranguejo, ou seja, teria sido algo
simbólico no filme, por tal crustáceo “andar para trás?”), e isso gera uma revolta
entre as demais crianças, ao ponto de uma delas, corajosamente dizer-lhe: -“você
é velho”. Ora, Max está agora com vinte e quatro anos de idade neste ponto. E
assim, ao repetir um ciclo em torno de um mesmo raciocínio, uma outra criança
rapidamente profere uma frase de efeito a dar conta de que a geração que ostenta
até dez anos de idade, deve assumir o poder, doravante.
Em resumo, a
ideia do poder jovem é devidamente ridicularizada, para desnudar a real preocupação
velada de quem elaborou tal história e devidamente endossada pela produção do
filme.
A despeito
dessa consideração, o filme é um documento interessante de época, a demonstrar
o quanto os jovens em geral, a contracultura, o movimento Hippie, o Rock (e
outras vertentes também, pois a Black Music e o Folk-Rock, também incomodaram
os setores tradicionais da sociedade), e sobretudo a rebelião jovem em torno dos costumes
e quebra de diversos tabus, gerou apreensão na sociedade e sobretudo na
inteligência governamental.
Coloquei-o
aqui como um exemplo de “Rock Movie”, pois mesmo que indiretamente, o cenário por
trás do personagem, Max Frost, é o do mundo do Rock. Ele é o cantor de uma banda
de Rock e veladamente lembra um pouco a figura de Mick Jagger, pelo seu carisma
e glamour, digamos assim. A atuação da banda fica mais pela encenação do que
preocupada em demonstrar veracidade, no entanto o som é agradável, com aquela
sonoridade Pop sessentista, ao estilo “Bubblegum”, todavia a conter elementos psicodélicos.
Outro mérito do filme dá-se com a presença do elenco, a conter bons atores,
inclusive alguns veteranos famosos e experientes. Casos de Hal Holbrook (o
senador, Fergus), Shelley Winters (como a mãe interesseira e histriônica de
Max, a senhora Flatow) e Ed Begley (sensacional ao fazer o personagem do
senador reacionário, Allbright, desesperado contra o ataque dos jovens), e Bert
Libed (como o pai de Max, senhor Flatow).
Destaque também para Diane Varsi
como Sally LeRoy; Larry Bishop como “Hook”; Richard Pryor, este ainda bem longe
de ser um comediante super popular na América, como “Stanley X”. Também vale
destacar a presença de Millie Perkins, como a esposa do senador Fergus e que ao
longo da revolução jovem, passa apuros com tal tomada de poder, Michael
Margotta, como filho do senador Fergus, que apoia os jovens e May Ishihara como,
Fujy Elly.
Foi lançado
em maio de 1968 e de imediato não alcançou um grande resultado tanto de
público, quanto, crítica. Todavia, mesmo assim ganhou uma indicação ao Oscar em
1969, por melhor edição, um prêmio técnico, é bem verdade e mesmo assim, não
foi vencedor.
Uma
curiosidade interessante, a primeira opção para o papel de Max Frost fora
oferecida para o cantor, Phil Ochs, mas este recusou o convite ao não concordar
com o roteiro, que segundo ele, depunha contra a contracultura. Convenhamos, a
sua avaliação foi certeira. Bem, a visão estereotipada da real intenção jovem, versada pela contracultura nos anos sessenta, é o mote deste filme, mas mesmo assim, acho válido assistir ao menos uma vez, nem que seja por mera curiosidade.
Dirigido por Barry Shearm o filme foi
lançado em formato VHS ainda nos anos oitenta e modernizado posteriormente para
a plataforma, “DVD”, nos anos 2000. A música “Shape of Things to Come” que o
grupo fictício Max Frost and The Troopers apresenta no filme, entrou para a
parada de sucessos e obteve um razoável resultado à época, Tal canção fora
composta por Barry Mann e Cynthia Weil.
Esse filme sumiu da grade dos canais de TV a cabo
e na aberta, nem pensar, certamente. Entretanto, é achado facilmente no You Tube,
sem maiores restrições.
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n Roll" e está disponível para a leitura através de seu volume II, a partir da página 158