segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Filme: Little Richard (2000) - Por Luiz Domingues

Este filme foi lançado em 2000, finalmente a honrar a história de um grande nome do Rock em seus primórdios, nos anos cinquenta, e que influenciou uma infinidade de artistas nas décadas posteriores. Falo sobre Little Richard, uma pianista/cantor e compositor, sensacional, e no seu caso, demorou bastante para enfim surgir uma cinebiografia sobre tal astro e o seu legado artístico, visto que outros pares contemporâneos seus, já haviam sido agraciados anteriormente, casos de Buddy Holly, Ritchie Valens e Jerry Lee Lewis, sem contar a existência de documentários, ao menos, para retratar outros astros cinquentistas da mesma estatura, como por exemplo, com Chuck Berry.
No entanto, uma tentativa de produzir-se um filme, fora tentada muito antes para abordar a carreira de Little Richard. Ocorrera em 1980 e tal tentativa  foi batizada como: “The Little Richard Story”. O próprio artista participou desse projeto inicialmente, mas ao desapontar-se com o rumo em que o desenvolvimento dessa produção transcorreu, retirou-se do trabalho, muito contrariado. O filme na verdade foi finalizado e hoje em dia é considerado um documentário, muito mais que um filme de fato e também contém uma pecha satírica, dado a maneira pela qual foi construído. 
Ao intercalar cenas reais de Little Richard, principalmente em apresentações na TV nos anos cinquenta e sessenta, e também com as sessões de testes para recrutar-se um ator para a própria produção, tornou-se risível por apresentar a bizarra aparição de diversos aspirantes ao papel, mais a parecer um programa de calouros da TV, porém daqueles bem popularescos, ao estilo da “Buzina do Chacrinha”, e dessa forma, provoca muitas risadas ao espectador. No entanto, Little Richard, pela sua grandeza artística, merecia algo mais substancial, digamos, e assim, quando surgiu a produção, “Little Richard” (em 2000), essa lacuna foi parcialmente preenchida.
 
Por que, “parcialmente?” Isso deveu-se ao fato de que a produção revela-se apenas mediana, embora esforçada, devo reconhecer. Pois eis que a obra foi roteirizada sobre um padrão bem tradicional, em torno da ideia de resumir a vida do artista, a seguir a sua biografia. Nesses termos, para realçar os seus dramas pessoais e estabelecer o devido contraponto para justificar ou mesmo fazer com o espectador entenda a personalidade do artista como ela foi moldada e perdoe os seus possíveis equívocos.
 
O filme inicia-se com Little Richard já muito famoso a apresentar-se ao vivo e ao ar livre. Ele vê uma estrela cadente e fica transtornado. O flashback imediato leva a narrativa para a infância de Richard Wayne Penniman e dessa forma, mostra-se a como Richard viveu a sua infância pobre na cidade de Macon, Georgia, e sobretudo como já demonstrara desde a tenra idade, a sua homossexualidade. Esse fator, em contraponto com a austeridade do seu pai e tudo isso devidamente amalgamado pelo puritanismo professado pela família em torno da religião cristã sob o viés protestante. 
Por conta dessa identificação, vem aí o primeiro sinal subliminar para a compreensão de uma persona, pois se o pai de Richard o maltratava e humilhava (a cena dele, pai, a flagrar o pequeno Richard vestido como menina e maquiado e daí tomar a drástica atitude em levá-lo pela rua, assim travestido, para obrigá-lo a lutar em um ringue de boxe e cobrar-lhe uma postura masculina, por exemplo). Mesmo quando supostamente a situação familiar serenou-se, anos depois e o já então adolescente, Richard cantava na igreja, os trejeitos efeminados do rapaz ainda envergonhavam bastante o seu pai. 
Bem, sem ambiente, Richard abandonou o Lar e foi aventurar-se sem apoio na capital do estado e já ao final dos anos quarenta, estava a sobreviver com dignidade, a realizar trabalhos como assistente de cozinha em restaurante, por exemplo. Todavia manteve-se sempre à espreita das oportunidades no ramo musical.
 
Eis que aos poucos, entre apresentações amadorísticas e festivais, ele recebe o convite para gravar e a vida pôs-se a mudar, doravante. Claro, cinebiografia adocicada e bem clichê de um artista musical, eis que essa oportunidade surgiu espontaneamente, através da abordagem da parte de um maioral do “show business”, a procurá-lo. Então não foi assim que ocorreu? Foi em termos, como no caso da maioria dos artistas que alcançaram tal patamar, pois nos filmes tudo parece ser muito fácil, como em um conto de fadas.
Daí em diante, mostra-se a ascensão da carreira e destaca-se algumas cenas interessantes a mostrar facetas da personalidade de Little Richard, como a maneira pela qual o seu trejeito homossexual o ajudou a compor o seu personagem como artista, e a maneira engraçada pela qual flertou com a sua futura namorada, Lucille (cujo nome inspirou-lhe a compor um clássico de seu repertório). Então ele não era (é) homossexual, mas bissexual, pois namorou essa moça? Bem, não quero e nem vou entrar nesse mérito, mas o fato é que ele namorou, Lucille e mais adiante, ao abandonar a carreira por cinco anos, entre 1957 e 1962, tornou-se um pastor protestante, quando supostamente portou-se de uma maneira mais comedida em relação ao sexo.
 
Outra cena muito interessante, foi a dramatização em torno de como teria ocorrido a criação da canção: “Tutti-Frutti”, talvez o seu maior sucesso ao lado de “Lucille”, “Good Golly Miss Molly”, Slippin’ and Slidin”, What Lotta Shake Goin’ On”, “Keep a Knockin’, “Long Tall Sally” e tantas outras. Da maneira como foi retratado tal episódio, simulou-se ter ocorrido o ato de criação sob uma completa casualidade e em tom de brincadeira, pois quando o produtor musical que assistira a cena, propôs a gravação daquele incipiente tema recém criado e ainda não inteiramente fechado, Richard ficou surpreendido e chegou a perguntar-lhe se este não estaria a brincar, pois aquela letra fora improvisada e mostrava-se totalmente “idiota”. 
No entanto, a onomatopaica expressão: “A whop bop-a-lula a whop bam boo”, ganhou o mundo ao enlouquecer a juventude cinquentista e outras gerações que advieram. 
 
Outra interessante abordagem deu-se quando Richard descobriu que a sua canção, “Tutti-Frutti”, fora gravada por um cantor branco, no caso, Pat Boone. Este foi um bom artista Pop em sua época e teve uma carreira significativa, não resta dúvida, no entanto, a sua linha de interpretação para tudo o que gravava, tendeu para a atenuação do Rock; do Blues e do R’n’B que costumava regravar do repertório de artistas negros, como Richards. 
 
No próprio filme, esse argumento é até usado diretamente para o próprio Richards, que mostrou-se revoltado com a situação, ao que denotara em sua percepção, uma usurpação indevida da parte de Pat Boone, porém, um produtor disse-lhe que essa atuação de Boone, ajudava-o nos negócios, ao fazer com que as suas músicas alcançassem o público branco, pois Richard e todos os artistas negros de então, não tinham as suas músicas executadas em emissoras de rádio dirigidas ao público branco. Época ainda fortemente marcada pelo segregacionismo, isso foi um fato histórico.
Nesses termos, é engraçada uma cena onde vê-se, Boone e Richards a gravar uma mesma canção, em cena intercalada (a visceral, “Long Tall Sally”), a realçar o detalhe sobre o tipo de interpretação muito diferente dos dois, para a mesma canção. A engessada forma de cantar de um cantor Pop branco, com a voz impostada e a esticar as notas aos finais das frases, um recurso estilístico bastante antiquado e oriundo da tradição da música popular branca oriunda das décadas anteriores aos anos cinquenta, versus a extrema intensidade da vocalização negra, mediante a raiz dos Blues e a gerar o Gospel, R’n’B e a Soul Music.
Ainda a falar sobre os fatos de sua vida pessoal, houve o drama do assassinato de seu pai, algo que a produção julgou impossível de ser suprimido, no entanto, parece que exagerou ao dramatizar a cena ao mostrar subliminarmente que mesmo contrariado com o seu filho, o pai, secretamente apreciava o seu sucesso, ao retratá-lo a ouvir uma canção do seu filho através da “jukebox” de um bar que administrava e em seguida, o crime a ocorrer, motivado por conta de uma briga com um cliente inconveniente que molestara uma mulher e por vingança estúpida, este descarregou o seu revolver em cima do pai do Richard, portanto, um crime bárbaro por motivação banal.
Fora disso, vem a riqueza material que Richards conquistou a reboque de sua fama e o seu deslumbramento quase inevitável e compreensível (quando por exemplo comprou uma mansão arquitetonicamente muito exagerada para a sua mãe). Há também a crise afetiva com a namorada, Lucille e uma descompostura que ele passa em um músico de sua banda, quando este, dentro do ônibus da turnê, faz uma piada homofóbica a chamar Richard como: “Sissy”, uma gíria pejorativa para designar travestis.
Bem, volta-se à primeira cena onde em meio a um show ao ar livre, Richard abandona o palco profundamente impressionado com a visão de uma estrela cadente que observara no céu e que despertou-lhe a ideia em ter sido um sinal divino a despertá-lo para uma tomada de posição radical em sua vida. Foi a maneira romantizada para demonstrar como subitamente ele resolveu jogar a carreira fora e tornar-se um pastor humilde em uma cidade do interior. Daí, bem depois de 1957, em algum momento perto de 1962, o filme mostra uma pregação dominical do pastor Richard em sua congregação e a cantar bem como sempre, ao fazer uso de seu típico falsete, intercalado com a voz rouca (um recurso típico, marcante e sensacional do artista, sem dúvida), quando mais uma vez o dramalhão é evocado ao mostrar a entrada de um homem muito humilde na Igreja, que abraça-o e pede-lhe perdão aos prantos, ao afirmar ter sido o assassino de seu pai. Bem, se isso ocorreu na vida real, foi um fato notável para ambos, pois o perdão é louvável, mas se foi apenas uma dramatização em torno de uma licença poética, tal apelação somente depõe contra a obra enquanto a significar um adendo piegas.
 
Logo a seguir, aparece um produtor musical e conta-lhe um fato novo que talvez Richard, então afastado do mundo artístico e do ambiente cultural em geral, não tivesse conhecimento, mas o fato do dia em 1962, dava conta que garotos europeus brancos, ingleses sobretudo, estavam a idolatrar os artistas norteamericanos negros, egressos da raiz do Blues em geral e os astros pioneiros do Rock’n Roll estavam na crista da onda entre eles, mesmo em uma outra década. Dessa maneira, tal produtor estava a organizar uma organizar uma turnê do grande cantor de Soul / R’n’B, Sam Cooke, e queria levar Little Richard para estabelecer uma carga dupla. 
Richard, convicto de sua nova atribuição religiosa, perguntou-lhe se poderia cantar cações “gospel” nesses shows, mais adequadas à sua nova condição como um pastor tão devotado e o produtor respondeu-lhe que sim. Talvez Richard não tenha visto uma estrela cadente novamente, mas o sinal fora estabelecido fortemente e desta feita a chamar-lhe de volta ao Rock’n' Roll.
 
Uma vez na Inglaterra, a cena do show inaugural da turnê mostra um trecho do show de Sam Cooke e quando Richard entra em cena, posteriormente, este mostra-se muito comedido em seus trajes, ou seja, devidamente coadunado com a sua nova consciência religiosa, mas assim que canta um pequeno número devocional sob teor Gospel, simula um desmaio e levanta-se rapidamente, arranca as vestimentas discretas para revelar uma roupa espalhafatosa por baixo, e de imediato atira-se ao piano como nos velhos tempos... pronto, Little Richard voltou para o Rock e assim permaneceu para sempre, mesmo a envelhecer e ser ativo até pelo menos os primeiros anos do novo milênio de 2000. 
 
Ele ainda está vivo neste instante em que escrevi esta resenha, 2019, porém recolhido pela idade avançada.*
Em suma, o filme não é nenhum primor, mas mostrou a aspectos da vida pessoal de Richard Wayne Penniman, o popular: “Little Richard” (que na tradição da cultura luso-brasileira, poderia ser chamado como: “pequeno Ricardo” ou mais provavelmente, como: “Ricardinho”); a formatação da sua carreira e sucesso parados por uma questão de foro íntimo ao abraçar a vida religiosa e a sua volta triunfal à vida artística. 
 
De fato, o filme teve uma certa razão em encerrar-se aí nesse ponto da volta dele aos palcos em 1962, pois dali em diante, ele praticamente não teve mais picos em termos de criatividade com lançamentos e apesar em ter mantido-se na ativa por décadas, isso foi apenas observado no âmbito dos shows ao vivo, praticamente, porém longe dos holofotes principais da mídia, a não ser quando o seu nome foi ventilado por conta do filme / documentário lançado em 1980 e por ocasião desta cinebiografia de 2000. Digno de nota, embora isso não tenha sido um feito de Little Richard, propriamente dito, entre 1964 e 1965, um guitarrista canhoto que foi componente de sua banda de apoio, ficou mundialmente famoso, após deixar o grupo. Tratou-se de um rapaz conhecido como: Jimi Hendrix...
 
Bem, para encerrar, creio que é um filme razoável, que pode ser assistido se o espectador não for deveras exigente no tocante à fidedignidade à história de tal artista cinebiografado; não importar-se muito com a simplicidade da recriação das cenas com shows ao vivo e similares, e também, se não ficar incomodado com as inevitáveis licenças poéticas a justificar deturpações em prol da sustentabilidade dramática do filme, um recurso que os cineastas mais ortodoxos usam, e em alguns casos, abusam. 
 
Entre os atores principais, destacam-se : Leon Preston Robinson (a interpretar, Little Richard); Jenifer Lewis (como Leva Mae, a mãe de Little Richard); Carl Lumbly (como o pai austero e preconceituoso de Richard, o senhor, Charles “Bud” Penniman); Tamala Jones (a namorada de Richard, Lucille); Garrett Morris (o reverendo, Carl Reiney); Mel Jackson (como o produtor musical, Robert “Blumps” Blackwell), e mais outros atores de apoio.
 
Desta feita, Little Richard em pessoa, colaborou como assessor da produção. Foi escrito por Bill Kerby e Daniel Taplitz e dirigido por Robert Townsend. Lançado em fevereiro de 2000, teve indicações para algumas premiações, sendo o famoso “Emmy” com a principal, mas não logrou êxito em nenhum concurso. A repercussão da imprensa especializada foi bastante morna, infelizmente. Também não despertou um grande interesse do público, ao manter-se obscuro, em linhas gerais.
O filme foi exibido com bastante insistência nos canais de TV a cabo, nos primeiros anos do novo milênio de 2000; possui cópia em formato DVD e é encontrado com facilidade no You Tube.
 
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume II e encontra-se disponível para a leitura a partir da página 187

domingo, 15 de dezembro de 2024

Filme: Dazed and Confused ("Jovens; Loucos & Rebeldes") - Por Luiz Domingues

Mais um filme a usar o Rock de uma forma indireta e sob o tom de comédia, “Dazed and Confused” (“Jovens; Loucos & Rebeldes”), tornou-se muito cultuado nos anos noventa, e até tratado por alguns (a opinião do famoso diretor, Quentin Tarantino, por exemplo), como uma das melhores comédias dessa citada década. Tirante o exagero da parte dos que idolatram esse filme, tal obra contém méritos e sim, há um interesse Rocker, ainda que seja algo implícito. 
Bem, é preciso deixar bem clara a ideia de que não trata-se de um Rock Movie na acepção do termo, entretanto, dada a sua trilha sonora fortíssima, tal filme de fato ganhou uma aura especial, mesmo que na prática seja uma comédia juvenil e amparada por um roteiro bastante trivial, em tese. Outro fato que fez com que essa obra ganhasse uma distinção em meio a outras comédias juvenis típicas das décadas de oitenta e noventa, foi a coincidência por ter tido a sorte de reunir um elenco de atores jovens e até então desconhecidos que ganharam notoriedade bem grande a posteriori, então, esse fator aleatório também tratou por agregar valor à obra.
Sobre o que mais chama a atenção nessa produção, a sua ótima trilha sonora, antes de mais nada, é preciso esclarecer que a música: “Dazed and Confused”, do Led Zeppelin, não consta de sua trilha, e nem mesmo outra canção dessa banda. Contar com tal canção, foi uma intenção, certamente da produção do filme, mas infelizmente houve um veto da parte de um membro remanescente dessa banda (Robert Plant), e assim, o filme ficou desfalcado do material dessa genial banda. A despeito dessa lacuna, a trilha ainda chama a atenção por ter reunido um grande contingente de pares do Led Zeppelin, artistas contemporâneos da década de setenta (alguns sessentistas, também), e sem dúvida alguma, é o seu maior trunfo, para o espectador Rocker em primeira instância.
Sobre o roteiro, ao tratar-se de um filme ambientado na década de setenta e muito bem embalado por uma ótima trilha, inevitavelmente abriu caminho para algumas referências Rockers, mesmo que sejam bem sutis, pois repito, este filme não é um Rock Movie propriamente dito, portanto, não há nenhum compromisso direto com o Rock e a contracultura por contingência, e se há uma relação com tal universo, ela apresenta-se de uma forma mais secundária, em termos de cultura Pop. 
Nesses termos, há uma ou outra personagem mais ligada na cultura Rocker e ali, na metade dos anos setenta, ainda prevalecia o modismo generalizado na sociedade em geral, entre a maioria dos jovens e muitos adultos e até pessoas na meia idade, dentro do universo masculino, em prol do uso de cabelos longos, portanto, nem todo cabeludo era necessariamente um Rocker ou no mínimo, um simpatizante da contracultura/movimento Hippie. É o que ocorre então neste filme, com a maioria dos rapazes a ostentar cabeleiras bem avantajadas, sem no entanto haver nenhum comprometimento com tais ideais.
Sobre a trama em si, não há uma grande história, longe disso, aliás. E nesses termos, o que ocorre é uma ação centrada em um dia na “high school”, notadamente no último dia do ano letivo (28 de maio de 1976, e ao leitor brasileiro fica a explicação que o calendário escolar norte-americano e europeu é fragmentado entre um ano e outro, a obedecer as estações climáticas e não a observação do “ano cheio” como é feito no Brasil). Sendo assim, toda a história é baseada na percepção de diferentes alunos da escola em meio à euforia pelo último dia de aulas, sob diversas matizes, inclusive em questões abomináveis tais como a prática do bullying e em meio às arruaças gratuitas, com direto à destruição do patrimônio público e privado. 
Se há uma trama mais profunda a ser abordada na história, isso ocorre com a história de um desses jovens, Randall “Pink” Floyd (interpretado por Jason London), que por ser um esportista, comprometera-se a passar um ano sem consumir nenhum tipo de droga ilícita, como um gesto a indicar um esforço de sua parte em prol de poder atingir uma futura carreira profissional como atleta. Ao longo do filme, essa promessa que se tornara difícil de se cumprir, atormenta-o ante as inúmeras situações que o levam a enfrentar a tentação de acompanhar os seus amigos em tais empreitadas hedonistas e assim, tal mote gera alguma reflexão e um certo teor dramático um pouco mais aprofundado. Porém, que não espere o espectador do filme, que seja algo significativo ao ponto de ser uma história paralela notável, pois na verdade, revela-se uma questão abordada de uma forma rasa e destaca-se apenas por estar um grau acima da mediocridade absoluta da história, sob o ponto de vista dramatúrgico. Tanto é assim, que nem mesmo pode ser considerado como o eixo central da história, mas apenas um item paralelo.
Portanto, a construção do roteiro mostra a história a explorar diversos núcleos que interagem simultaneamente uns com os outros, apenas em sentido aleatório, pelo fato das diversas personagens que encontram-se em ambientes externos e internos, pelo mero acaso. O que prevalece, dessa forma, são as muitas sketches a exibir o humor juvenil em uma primeira instância, com a exploração total das questões que permeavam/permeiam essa fase da adolescência impulsionadas pela explosão hormonal inevitável. É claro, a insinuação da liberdade tem a ver com o Rock, via preceitos oriundos dos ideais libertários que vieram no bojo do movimento Beat, movimento Hippie, contracultura de uma forma geral e a incluir a visão mais politizada da parte dos Yippies. 
Por outro lado, neste filme, não há ninguém engajado em meio às personagens, portanto, o retrato proposto é mesmo entre esse grupo formado por jovens alienados. É bom lembrar que tal tipo de comportamento ocorre com frequência na vida real, e na verdade, dentro desse fenômeno são absorvidos por osmose, mesmo que involuntariamente e certamente sem a menor consciência do processo. Portanto, mesmo entre os incautos, a repercussão de certas ideias, prospera, ainda que de uma forma superficial e subliminar. O lado ruim, é que devida à falta de consciência, discernimento ou até por uma questão de má formação do caráter, muitas pessoas confundem liberdade com libertinagem e o ônus desse desvio de conduta é a propaganda ruim a generalizar tais ideais em torno da liberdade de pensamento, como algo nocivo à sociedade. Sociologia a parte, neste filme, o hedonismo adotado pela maioria das personagens é apenas um reflexo dessa análise.
Dessa forma, o que se vê em profusão na ação desse filme, é um conjunto de traquinagens, algumas abomináveis, como a garantir o humor, a tensão dramática e uma boa dose de energia sexual juvenil. Tudo muito previsível, é bem verdade, mas para os fãs de comédias ambientadas em escolas & afins, tais piadas sempre surtem o mesmo efeito, mesmo que sejam clichês usados ad nauseam. Por exemplo, a clássica abordagem do bullying/trote, da parte de veteranos em relação aos novatos. 
No filme, um dos baluartes da ação, centra-se em um grupo de veteranos que persegue implacavelmente alguns garotos novatos. A disparidade física entre os dois grupos distintos é enorme, com aqueles brutamontes sádicos e completamente imbecilizados, munidos com tacos de remo para espancar e humilhar garotos recém ingressos na adolescência. Claro que muitas situações são criadas para humilhar os praticantes do trote e assim gerar o humor em torno da brutal diferença entre força física & estupidez versus debilidade física & robustez intelectual. E o mesmo caso ocorre em relação às meninas, pois as veteranas não economizam em sua sanha para humilhar as meninas novatas, com trotes humilhantes e nojentos em profusão, além de muitas vezes fazer questão de expor as mais novas à malícia masculina, o que não deixa de ser uma forma de machismo subserviente. Fora desse aspecto, muitas ações a envolver vandalismo, são mostradas como uma forma de diversão barata, o que é detestável, certamente.
Confusões com os pais a retratar situações sexuais dos adolescentes e também em relação ao consumo de drogas, ocorrem e geram risadas, embora sejam piadas triviais, com certeza. E as clássicas cenas com jovens a dirigir automóveis perigosamente, sob alta velocidade e a cantar em plenos pulmões o som que ouvem através de fitas K7 no toca-fitas dos carros, para ilustrar bem o tipo de recurso de áudio usado na época pelos apreciadores do Rock.  
Sobre as referências Rockers, eis que bonecos em tamanho natural dos membros do Kiss são mostrados em uma determinada cena; um dos personagens é apelidado como “Pink”, por conta do Pink Floyd; jovens a usar camisetas com a estampa de logotipo de bandas de Rock e outras sutis referências ocorrem, mais para compor uma ambientação a lembrar que a ação está centrada em maio de 1976, porém sem nenhuma grande preocupação em demarcar algo mais significativo.
O grande trunfo é certamente a ótima trilha sonora que está presente com destaque em quase todas as cenas. Com um elenco espetacular, ouve-se o som do Sweet, Deep Purple, Rick Derringer, Black Oak Arkansas, ZZ Top, Foghat, Alice Cooper, Nazareth, Ted Nugent, The Runaways, War, Bob Dylan, Lynyrd Skynyrd, Black Sabbath, Kiss, Edgar Winter Group, The Steve Miller Band, Head East, Dr. John, Seals and Crofts e Peter Frampton. Em suma, uma turma irrepreensível sob o ponto de vista musical.
O final da história marca um momento de sermão para o aspirante a jogador de futebol norte-americano, “Pink”, pois ele é duramente repreendido pelo treinador sobre estar a desperdiçar a sua chance de pleitear a profissionalização dentro do esporte citado, por conta em estar sob o jugo das famosas “más influências”, e o rapaz adota um discurso híbrido ao não escolher um caminho ou outro, a dar a entender que não considera nocivo sair com os amigos e fazer uso de bebidas & drogas, portanto, não abriria mão da sua rotina com os amigos em detrimento dos seus esforços dentro do esporte. Isso seria possível? 
Bem, não serei eu a tecer um julgamento moralista aqui, pois não vem ao caso. Como desfecho dramatúrgico no entanto, mostra-se como algo até surpreendente, pela obviedade em torno da moral dentro da cultura norte-americana. E nesse ínterim, ao som de Foghat, os seus amigos vão comprar ingressos para um concerto que o Aerosmith cumpriria. Ou seja, algo muito a ver com o espírito de 1976, não o do bicentenário da independência norte-americana, mas sobretudo a coadunar-se com a vibração viva desse ano, mesmo.
Sobre os atores, além de Jason Long, que interpretou “Pink”, arrolo: Jeremy Fox (como Hirschfelder), Matthew McConaughey (como David Woodersey), Marissa Ribisi (como Cynthia Dunn), Adam Goldferb (como Mike Newhouse), Ben Affleck (como Fred O’Bannion), Willey Wiggins (como Mitch Kramer), Sasha Dawson (como Don Dawson), Michelle Burke (como Jodi Kramer), Milla Jovovich (como Michelle Burroughs), Parker Posey (como Darla Marks), Renée Zellweger (como Nesi White), e outros. Em suma, uma turma de jovens atores que posteriormente subiu bastante na carreira, e em alguns casos, logo a seguir desse filme, ainda jovens, no decorrer dos anos noventa.  
Não posso deixar de observar que a direção de arte não foi primorosa, ou seja, algo muito incomum aos padrões do cinema norte-americano que geralmente é rigoroso na observação dos detalhes ao produzir um filme de época. Pois eis que alguns personagens aparecem em cena vestidos muito mais à moda noventista e se os figurinistas acharam semelhanças entre a indumentária jovem dos anos setenta e noventa, creio que houve um ledo engano em seu trabalho de pesquisa prévia.
A crítica foi favorável em linhas gerais, ao elogiar a peça no tocante ao humor, trilha sonora, certamente, e também sobre a atuação de jovens atores, que como eu já disse, confirmou o seu talento a posteriori. Um determinado crítico chegou a exagerar, ao dizer que a abordagem do diretor, Linklater, teve a perspicácia de usar a antropologia, pois explicou com humor a cultura norte-americana forjada no campo da competitividade total.   
O filme foi escrito e dirigido por Richard Linklater e foi lançado em setembro de 1993. Poucos meses depois, foi lançado em versão Disc-Laser, antes mesmo do formato VHS, que era mais tradicional, em uma clara intenção de buscar o caminho mais moderno primeiramente, mas por azar, tal formato revelou-se um fracasso tecnológico e caiu em desuso rapidamente, para desaparecer completamente do mercado. Nos anos 2000, o filme foi lançado em formato DVD. Tal filme foi exibido com bastante frequência em canais da TV a cabo, mas é difícil de se encontrar gratuitamente em portais da Internet. Muitos fragmentos estão disponíveis, no entanto, no YouTube.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III, com a leitura disponibilizada a partir da página 296.