sábado, 29 de dezembro de 2012

Filme : São Paulo S/A - Por Luiz Domingues



"Cinquenta anos em cinco", foi o que o presidente, Juscelino Kubitschek costumava afirmar ao referir-se sobre o seu mandato, ao estabelecer uma alusão ao impulso desenvolvimentista que o Brasil ganharia com a introdução da indústria automobilística no Brasil. Sem dúvida que essa iniciativa trouxe progresso em muitos aspectos, mas trouxe a reboque, diversos malefícios também, fora o fato de que, sim, o Brasil cresceu, mas muito aquém do exagerado slogan de seu governo.

            São Paulo S/A : assista a versão integral do filme 

E foi dentro dessa perspectiva socioeconômica, que o jovem cineasta paulistano, Luiz Sérgio Person construiu o seu primeiro longa-metragem, denominado : "São Paulo S/A". Logo na primeira cena, Person já arrebata-nos. Do lado de fora de um prédio ao estilo da classe média, localizado no centro de São Paulo, vemos um casal a discutir dentro de um apartamento residencial.
Não ouvimos o diálogo, apenas observamos a briga e no ápice, o rapaz quebra objetos e sai de casa transtornado, para deixar a moça em prantos. Essa perspectiva silenciosa inicial, sucinta inúmeros questionamentos. Seria um casal ? Por quê brigaram ? Onde isso vai levar na trama do filme ?
Ecos Hitchcockianos óbvios logo de início, embora na biografia de Person, isso não seja citado com ênfase. Ele era um entusiasta do cinema italiano, principalmente, e talvez o mestre do suspense, não tivesse influenciado-lhe fortemente, mas convenhamos, essa primeira cena evoca tal suspeita. O sujeito transtornado é Carlos, interpretado por Walmor Chagas, sob um de seus melhores (senão o melhor), papéis no cinema.
A sua jovem esposa é Luciana, interpretada por Eva Wilma e a briga era mais uma entre tantas que o casal travava, pela insatisfação dela perante o comportamento de seu marido, que insistia em fugir ao padrão tradicional da família classe média daquele período.
Carlos tem amantes, mas não é nem pela vida dupla (no caso tripla), que leva, mas pelo fato de que não trata-se de um hedonista pura e simplesmente. O personagem vive sob pressão o tempo todo e nem o prazer carnal, dividido com várias mulheres, o satisfaz. A sua inquietude é profunda e reflete o massacre da sociedade que deixa o homem mediano acuado, sem perspectivas e pior que tudo, derrotado diante dessa engrenagem.
Carlos é recém formado em desenho industrial e acaba de ser admitido na Volkswagen, uma empresa sólida, gigante no mercado. Ele casou-se com Luciana (Eva Wilma), apenas para cumprir o roteiro esperado de um jovem típico da classe média que forma-se na faculdade e constituiu uma família.
E ela, idem (apesar de "trabalhar fora", algo incomum para a época, como professora de inglês), ao seguir o padrão da típica "menina de família", mas a sua frustração é diferente em relação ao Carlos, pois não apresenta a mesma inquietude que atormenta o rapaz em relação à sua crise existencial.
Isso intensifica-se, com as cenas onde aparecem as amantes de Carlos (Ana, interpretada por Darlene Glória e Hilda , vivida por Ana Esmeralda). No caso de Carlos, se nem o prazer sexual o supre inteiramente, a sensação de vazio o consome.
Ele conhece então o empresário italiano, Arturo (interpretado por Otello Zeloni), que prospera vertiginosamente no ramo de autopeças, sinal de que a indústria automobilística girava a economia paulista naquele momento marcado pela grande euforia do desenvolvimento industrial. Carlos larga o emprego na Volkswagen e vai trabalhar como gerente de Arturo, na loja de autopeças. Só que Arturo é um tremendo sonegador de impostos e muito da sua prosperidade acintosa vem dessa falcatrua contábil...
Luciana é ambiciosa e ingênua ao mesmo tempo. Acha Arturo um exemplo de homem bem sucedido a quem Carlos deveria imitar, o que o deixa ainda mais deprimido. Carlos entra em uma crise e nada mais dá-lhe esperanças. O massacre da grande cidade, via sociedade de consumo desenfreado, atormenta-o.
São incríveis as cenas dele a caminhar de forma atordoada por ruas do centro de São Paulo, para extravasar essa angústia indissolúvel.
Person estudou cinema na Itália (Centro Sperimentale de Cinematografia de Roma), e é claro que absorveu muito do neo-realismo italiano e do estilo introspectivo de cineastas do pós-realismo. Visconti; Antonioni e Zurlini, sem dúvida, impressionaram-lhe.
Em São Paulo S/A, Person soube trabalhar essas influências múltiplas de uma forma muito convincente. A dor existencial do personagem, Carlos, reflete-se em seu estômago, para consumi-lo. A força motriz do filme baseou-se nessa emoção angustiante e convenhamos, Walmor Chagas contribuiu muito com o sucesso do filme, através de sua interpretação, que é notável.
Considero o filme, São Paulo S/A, uma obra extraordinária, por todos esses elementos que descrevi, no campo da estética cinematográfica, mas é também um filme a conter virtudes técnicas. A fotografia PB é muito bonita (assinada por Ricardo Aronovitch); com trilha sonora muito boa de Cláudio Petráglia e edição de Glauco Mirko Laurelli.
Uma curiosidade anacrônica merece ser mencionada : há uma cena onde o casal, Carlos e Luciana vai ao cinema e vê-se um poster do filme : "Seven Days in May", do diretor norte-americano, John Frankenheimer. Ora, se o filme de Person dizia estar situado nos "anos JK", entre 1957 e 1961, como poderiam estar indo ver um filme que só seria lançado em 1964 ? Certamente a moça da continuidade distraiu-se e esqueceu de anotar esse "pequeno detalhe", no seu caderninho de anotações...
Mencionei isso apenas como um fato curioso, quiçá, engraçado, sem a menor intenção em desabonar a obra, deixo bem claro. Mesmo porque, eu o recomendo, sem reservas. Se não o viu, procure assisti-lo; se já o viu, cabe revê-lo !
Para a nossa sorte, Luiz Sérgio Person não parou por aí e realizou mais filmes com grande qualidade. Todavia, para o nosso azar, Person faleceu por conta de um acidente automobilístico nos anos setenta, com apenas quarenta anos de idade e para deixar a certeza de que brindar-nos-ia com muitos outros filmes dotados de muita intensidade, como São Paulo S/A. C'est La Vie, como diria o Greg Lake...

8 comentários:

  1. Muito interessante seu texto, abordando uma figura pouco conhecida das gerações mais recentes! Na verdade a primeira vez que eu ouvi falar sobre o Person, foi através da Marina Person, filha dele e na época VJ da MTV. Lendo a descrição do filme fiquei com muita vontade de ver, deve ser muito bom mesmo!

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    1. Fernanda :

      De fato é uma pena que um artista como Person seja obscuro por parte da nova geração. E acredito que a tendência seria ainda a de ser muito mais, se não tivessem suas filhas, Marina e Domingas Person, ficado famosas no mundo do jornalismo cultural, sempre envolvidas com produções de TV, audiovisuais etc.

      Assista o filme, pois vale muito a pena. Na postagem da matéria, tem o trecho inicial que está disponibilizado no You Tube, mas acredito que seja fácil localizá-lo inteiro.

      Obrigado por ler e comentar !!

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  2. Não assisti esse filme. Mas pelo seu comentário Luiz, vou assisti-lo. Infelizmente perdemos muito cedo, pessoas que de certa forma, fizeram muita falta para o nosso país! E creio que Person continuaria sim, fazendo ótimos filmes e quem sabe ja teríamos ganhado muito "Oscar"!

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    1. Bete :

      Recomendo que o veja, pois é um filme muito bem realizado e de estória forte.

      O Person morreu numa fatalidade,em 1976, quando seu carro foi atingido na rodovia Regis Bittencourt, perto de Itapecerica da Serra. Suas filhas ainda eram pequenas, infelizmente.

      De fato, se estivesse entre nós, acredito que teria feito pelo menos mais dez filmes de grande qualidade.

      Obrigado por ler e comentar !!

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  3. Luiz, realmente se não tomarmos muito cuidado, somos tragados pela "engrenagem".
    Como na música do Pink Floyd - Welcome to machine.
    grande abraço!

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    1. Nelson :

      É bem por aí...

      E não precisa muita coisa para sermos engolidos pelo sistema. A força dessa engrenagem, é descomunal.

      E bem lembrado !! Essa música do Pink Floyd fala exatamente sobre essa questão, com grande veemência !

      Valeu por ler e comentar !!

      Abraço !!

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  4. Marina Person, filha dele e na época VJ da MTV...hoje ela esta no Canal Brasil , fazendo entrevistas com grandes Personas do meio Cinematografico .Muito legal a Historia do Filme .Qdo tiver oportunidade verei esse filme .Ver essas fotos em preto e branco da grande Metropole que é Sampa , tipo Vale do Anhangabau (qudo vim para SP no inicio de jan/1970...poxa ja faz uma vida mesmo, tinha 15 anos ) e comecei a trabalhar nocentro na rua conselheiro crispiniano,317 em frente a antiga Loja Peter....pegava o o onibus ''velho'' da CMTC ali no Vale para ir para a regiao do campo grande em Santo Amaro ....entao ver isso aqui achei muito lindo e legal recordar um pouco......valeu mesmo grande Luiz Domingos dos Baixos das Pedras.....abs

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    1. Muito bacana o seu comentário, Oscar Gomes !

      Sim, de fato, a Marina Person é filha dele, e fêz ha algum tempo, um bonito documentário sobre a vida e obra de seu pai.

      Quanto à São Paulo S/A, trata-se de um filme que eu recomendo sem reservas. É um dos melhores documentos sobre o período da introdução da indústria automobilística em São Paulo.

      E quanto às suas lembranças pessoais, que sensacional ! De fato, ver essas fotos nos faz recordar desses tempos bons. Loja da Peter no centro...que saudade, hein ?

      Obrigado por ler e comentar !!

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