Na década de sessenta, não havia artista mais famoso no mundo do que o grupo britânico, The Beatles. O quarteto de Liverpool fora a referência máxima no Rock e ultrapassava em muitos os seus limites, por ter tornado-se um mito da música mundial. A partir de 1966, ao estabelecer uma guinada histórica na carreira, os seus componentes abriram-se à todo tipo de experimentalismo em sua música, ao deixar para trás o estilo simples da primeira fase da carreira, em que tocavam Rock'n Roll; R'n'B; Blues e baladas Pop, e assim, eis que passaram a engrandecer com arranjos suntuosos, as suas músicas, dali em diante. Não só pela grandiosidade, mas pela loucura explícita em incluir instrumentos étnicos, os mais inusitados.
Profundamente impressionado com a cultura indiana, Harrison tratou por estudar cítara com o mestre, Ravi Shankar, e claro, com o peso de sua fama, tornou o mestre indiano das ragas, uma celebridade Pop no âmbito mundial, com a possibilidade inusitada dele, Shankar, apresentar-se em festivais de Rock no ocidente (Monterey Pop de 1967; Woodstock em 1969 e Concert for Bangladesh, em 1971, só para citar os maiores), fora turnês individuais que realizou para maravilhar um público jovem e hippie, que passou a idolatrá-lo. E dentro da obra dos Beatles, Harrison tratou em contribuir com algumas canções a conter uma roupagem tipicamente indiana, ao tocar cítara e trazer músicos indianos como convidados, para executar instrumentos tais como a Tabla;Tamboura e outros típicos dessa cultura milenar.
A primeira inserção de uma canção de estilo indiano nos discos dos Beatles, foi com a canção : "Norwegian Wood", do LP "Rubber Soul", lançado em 1966 (segunda faixa do lado "A", no antigo disco de vinil), todavia, ainda a mesclar o padrão de uma canção Pop, com o acréscimo de uma cítara, em meio aos instrumentos tradicionais do ocidente. "Love You To", terceira faixa do LP "Revolver", de 1966, também, mas essa segunda foi no entanto, a primeira inteiramente concebida na estética e sonoridade da cultura indiana. Já a mergulhar na fase psicodélica da banda, "Love You To" trazia a sonoridade da Índia, in natura. No LP seguinte, "Sgt° Peppers Lonely Hearts Club Band", Harrison contribuiu com "Within' You, Without You", ainda mais radical e belíssima. Outras bandas britânicas embarcaram na tendência.
Brian Jones, o saudoso e genial guitarrista dos Rolling Stones, tratou por familiarizar-se também com a cítara e na faixa : "Paint in Black", faz lindos fraseados na cítara durante o transcorrer dessa música, por exemplo. Quando saiu o próximo trabalho dos Beatles, "White Album", o LP duplo de 1968, Harrison, não incluiu nenhuma composição sua ao estilo indiano, mas um pouco adiante, saiu uma música nova como "single" (compacto), chamada "The Inner Light". Foi mais um exemplo de canção ao estilo indiano, com a letra a discorrer sobre espiritualidade, como sugere o seu título ("A Luz Interna"). Enquanto isso, no Brasil, um comunicador muito perspicaz e conhecido por ser um tremendo marqueteiro, muito tempo antes desse tipo de ação ser valorizada, teve uma ideia insólita.
Tratou-se de Carlos Imperial, o sujeito em questão. Radialista; apresentador de TV; simulacro de ator e compositor sazonal, nessa época, 1968, Imperial mantinha no ar o programa : "Os Brotos no 13", da TV Rio, quando soltou uma notícia bombástica : a música "Blackbird", contida no então último LP dos Beatles (O disco duplo, "White Album"), tinha influência do baião, e o quarteto de Liverpool estaria interessado em regravar o clássico do cancioneiro popular brasileiro : "Asa Branca" !
Claro, a notícia espalhou-se rapidamente e Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, os autores da famosa canção, foram procurados para expressar as suas opiniões a respeito. O grande, Luiz Gonzaga, atravessava uma fase de baixa na carreira e resmungava contra os "cabeludos" na música, ao deixar sempre farpas em tom de ressentimento com o fato da juventude da ocasião estar sob uma outra faixa de interesse, e assim, a sua sanfona não estar a fazer mais parte desse rol de interesse popular.
Mas quando o boato criado por Carlos Imperial espalhou-se, e a imprensa o procurou para repercutir a notícia, Gonzaga, que sempre foi muito inteligente, aproveitou o momento para dar sobrevida à carreira e afinal de contas, não fora ele o autor da mentira... e assim, disse nas páginas da Revista "Veja", que achava que os cabeludos ingleses tinham tudo para gravar bem a música, ao dar-lhe uma roupagem moderna etc.
E o boato não parou de crescer em proporção viral. Dizia-se que ele, Gonzaga, ganharia um adiantamento na faixa de cinquenta mil dólares, uma verdadeira fortuna para os padrões daquela época, além dos direitos autorais devidamente recolhidos, que resultaria em mais uma soma mastodôntica em termos de repercussão, se fosse difundido através da fama e chancela dos Beatles. Da parte dos Beatles, seja em seu escritório de representação ou na gravadora EMI, da qual eram contratados, ninguém sabia de absolutamente nada. Paul McCartney, certa vez declarou que havia uma certa influência da Bossa Nova brasileira na música : "The Fool on the Hill", único elemento que conhecia, ainda que bem vagamente a respeito da música brasileira. Muita gente no Brasil, defendia a ideia de que o Rock internacional e o baião eram parecidos. Carlos Imperial, o autor intelectual dessa mentira sobre os Beatles regravarem, "Asa Branca", foi um dos que bateu nessa tecla a respeito da semelhança estilística. Objeto de estudos dos musicólogos, sem dúvida que há um fundo de verdade nessa afirmativa.
Sob um esforço de síntese, digo que se somos latinos e colonizados pelos portugueses, é óbvio que a cultura ibérica (Portugal e Espanha), sofreu uma brutal influência da cultura moura, afinal de contas, os árabes dominaram a península ibérica por séculos. Na Espanha os árabes permaneceram ainda mais, contudo, mesmo que o Infante Dom Henrique os tenha expulso de Portugal, bem antes, a influência estava amalgamada, igualmente.
Portanto, quando o Brasil foi colonizado, a música portuguesa e o seu folclore que aqui chegou, naturalmente como parte do esforço civilizatório da parte dos portugueses, tal cancioneiro popular da terrinha continha muito da cultura do Oriente Médio. Este, por sua vez, também era influenciado pela cultura da Ásia mais extrema. E nesse caso, quando ouve-se a música do Oriente Médio, é nítida a influência indiana, também.
Portanto, não é de para admirar-se que muito da musicalidade do baião; xote; xaxado e outros ritmos do nordeste brasileiro, possam ter semelhanças com o Rock internacional, visto que este é influenciado por diversas correntes do Folk europeu e daí, ter rigorosamente as raízes semelhantes, por um conjunto de coincidências.
De volta à mentira marqueteira inventada por Carlos Imperial, o desfecho foi confessado pelo "velho Lua", em uma entrevista ao jornal "Pasquim", em 1971, quando Gonzaga afirmou que graças ao boato, gravou muitos programas de TV; concedeu entrevistas e vendeu muitos shows motivados por tal factoide. Ao ir além, disse também que além de tudo isso, essa história costumava render muitas risadas, sempre que encontrava-se com Carlos Imperial.
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie e posteriormente republicada no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2013.
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