Quando surgiu, a televisão foi
alardeada como um agente cultural tão importante quanto o rádio e com o poder
de levar o cinema para a sala de estar das famílias. De fato, entre as normas reguladoras que
deram suporte legal para existir, houve a contrapartida de ser um agente
cultural, de utilidade pública, portanto. Assim, nas suas primeiras décadas de
existência no Brasil, tal ditame foi cumprido e com muitos méritos. Todavia, sinais de deterioração
começaram a lhe sorver paulatinamente as forças, para ser bem ameno, e a grade
pôs-se a ficar cada vez mais longe de observar objetivos educacionais e/ou
culturais, a descambar para o circo de horrores com o qual deparamo-nos nos
dias atuais.
Poderia haver retrocesso na difusão cultural ? Ninguém apostaria nessa hipótese décadas atrás, mas infelizmente, assistimos com pesar tal decadência, hoje em dia. Um bom exemplo entre tantos, de que já houve vida inteligente na TV aberta de outrora, foi um programa exibido na TV Cultura de São Paulo, nos anos setenta (durou entre 1976 e 1980), chamado : “Última Sessão de Cinema”.
A ideia foi ousada, e genial para quem gostava da sétima arte, ao buscar maior profundidade no assunto. Tal programa era apresentado diariamente, de segunda a sexta, com a exibição de um filme por semana, a ser repetido a cada noite, como se estivesse em cartaz em uma sala de cinema. Com isso, a oportunidade de assisti-lo várias vezes como objeto de estudo, ficava assegurada, fora a comodidade para quem simplesmente não podia ver todos os dias, e ao menos garantia a chance de vê-lo ao menos uma vez.
Crítico de cinema e mediador do programa "Última Sessão de Cinema" entre 1976 e 1980, Luciano Ramos
Tirante a exibição diária do filme em exibição, um excelente debate era promovido, na noite de sexta-feira, a anteceder a última exibição da semana. Sob mediação do ótimo crítico de cinema, Luciano Ramos, e convidados especiais, alguns fixos e outros sazonais, que participavam. Tais convidados eram críticos de cinema; gente do meio teatral, da literatura e vários especialistas de outras áreas, mesmo fora do âmbito cultural, mas de diversos setores, a depender da temática abordada pelo filme.
Tirante a exibição diária do filme em exibição, um excelente debate era promovido, na noite de sexta-feira, a anteceder a última exibição da semana. Sob mediação do ótimo crítico de cinema, Luciano Ramos, e convidados especiais, alguns fixos e outros sazonais, que participavam. Tais convidados eram críticos de cinema; gente do meio teatral, da literatura e vários especialistas de outras áreas, mesmo fora do âmbito cultural, mas de diversos setores, a depender da temática abordada pelo filme.
Portanto, a tratar-se de especialistas em assuntos
policiais / forenses a juristas; professores de história; cientistas políticos;
sociólogos e antropólogos, doutores da área médica e da engenharia etc.
Com isso, cada filme era dissecado sob
o ponto de vista cinematográfico, de forma muita intensa, além de pontuais
intervenções da parte de especialistas oriundos de diversas áreas, a depender da
temática de cada obra.
Assim, na sessão derradeira, na
sexta-feira, mediante um debate robusto, era o
momento de aprofundamento da análise. Portanto, quando o filme passava pela quinta vez, e após tantas
informações ricas, era com outra percepção que o telespectador assistia-o novamente.
O produtor do programa "Última Sessão de Cinma", Fernando Faro, também foi responsável por outros programas de sucesso, com destaque para "Ensaio", na mesma TV Cultura de São Paulo
Praticamente uma aula de cinema, tal programa foi uma ideia do produtor cultural, Fernando Faro (recentemente falecido e que além desse, teve inúmeros trabalhos relevantes na TV, como o programa “Ensaio”, um marco histórico para a MPB, dentro da própria TV Cultura), além de Walter George Durst, dramaturgo e homem de TV, igualmente de importância histórica para a cultura nacional. Em tese, lembrava os debates de mesa redonda com comentaristas de futebol, sendo realizado ao vivo, mas com a peculiaridade óbvia de não ser acalorado e polêmico, mas muito didático e estimulante para quem fosse cinéfilo.
Praticamente uma aula de cinema, tal programa foi uma ideia do produtor cultural, Fernando Faro (recentemente falecido e que além desse, teve inúmeros trabalhos relevantes na TV, como o programa “Ensaio”, um marco histórico para a MPB, dentro da própria TV Cultura), além de Walter George Durst, dramaturgo e homem de TV, igualmente de importância histórica para a cultura nacional. Em tese, lembrava os debates de mesa redonda com comentaristas de futebol, sendo realizado ao vivo, mas com a peculiaridade óbvia de não ser acalorado e polêmico, mas muito didático e estimulante para quem fosse cinéfilo.
O objeto cinematográfico em si eram produções clássicas do cinema norte-americano; europeu e brasileiro, predominantemente. Eu pude assistir inúmeros filmes, e talvez tenha perdidos alguns poucos debates nesses quatro anos em que existiu e adorava a chance de ver o filme tantas vezes, e absorver as considerações dos especialistas, no quinto dia de exibições, quando inclusive, a quinta visão sob o impacto do que fora discutido no debate, tendia a ser muito enriquecedor para enxergar nuances anteriormente não percebidas no filme em questão.
Lembro-me bem que as informações eram requintadas, todavia observadas sob um modo de explanação coloquial, portanto acessíveis ao público comum, e assim a fugir da erudição acadêmica.
Um exemplo, aliás, foi que recorreram a um professor de artes plásticas para explicar o ponto de vista da fotografia em tom pastel do filme, “Blood & Sand” (“Sangue e Areia”, de Rouben Mamoulian, lançado em 1941), cuja motivação explícita em termos de imagens, foram as obras de pintores como Velásquez e El Greco.
Consegue o cinéfilo imaginar nos dias atuais algum
programa de TV aberta com tal tipo de abordagem, amigo leitor ? Sim, antes que
corrija-me, sei que a TV Cultura se esforça para manter esse padrão, mas nem
ela consegue ser como outrora atualmente, uma pena. Só lembro-me de um tipo de abordagem
semelhante nos anos noventa, através de uma
emissora da TV fechada com vocação educacional, no caso o Canal Futura. No
programa “Cine Conhecimento”, recorria-se aos clássicos do cinema para dar aulas de
história, com pontuais informações a ser acrescidas antes e depois da exibição da película, e com uma pequena
intervenção na metade, como intervalo.
No caso do “Última Sessão de Cinema”, não tenho essa informação oficial, mas deduzo que tal título fosse uma referência ao filme : “A Última Sessão de Cinema”(“The Last Picture Show”), de Peter Bogdanovich, lançado em 1971, e que também servi-ra em duplo sentido a designar o mote do programa, com o fato de ser o último filme da grade da TV Cultura no horário noturno, e nas sextas, conter o debate e a derradeira sessão para encerrar o assunto.
O renomado crítico de cinema, Rubens Ewald Filho trabalhava como comentarista da Rede Globo na época, mas era participante da produção da TV Cultura, igualmente
Além da grande condução de Luciano Ramos, críticos do calibre de Rubem Biáfora; Rubens Ewald Filho; Alfredo Sternheim; Orlando Fassoni e A. C. Carvalho, participavam costumeiramente.
Além da grande condução de Luciano Ramos, críticos do calibre de Rubem Biáfora; Rubens Ewald Filho; Alfredo Sternheim; Orlando Fassoni e A. C. Carvalho, participavam costumeiramente.
Entre os convidados para falar sobre outros temas além do cinema, o maestro Diogo Pacheco para falar de música (que interessante as explanações sobre Frederic Chopin, quando foi analisado o filme : “A Song to Remember” /“À Noite Sonhamos”, cinebiografia desse compositor/pianista polonês, e assinado pelo diretor Charles Vidor, lançado em 1945); Percival de Souza a falar sobre assuntos policiais em muitos filmes ao estilo "noir" da década de quarenta; o psicólogo Paulo Gaudêncio a analisar filmes com tal mote, e muitos outros.
“Última Sessão de Cinema” marcou época na TV Cultura dos anos setenta e quando recordo-me de um programa desse quilate e observo a grade atual, recheada por atrações nem um pouco comprometidas com a difusão cultural, penso que o papel da TV deveria ser repensado e os seus respectivos dirigentes, devidamente convidados a reler a carta de intenções com a qual as concessões para o seu funcionamento, baseia-se.
Matéria publicada inicialmente na Revista Eletrônica Cinema Paradiso, em 2016
O PROGRAMA ULTIMA SESSÃO DE CINEMA ERA PRODUZIDO POR MIM: EDGARD RIBEIRO DE AMORIM OU EDGARD DE AMORIM, SEGUNDO O LETREIRO FINAL E NÃO PELO PRODUTOR FERNANDO FARO QUE SÓ PRODUZIU PROGRAMA MUSICAL. REGISTRE-SE O ENGANO.
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