sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Luiz Carlos Maciel, o Filósofo que Entendeu a Profundidade da Contracultura - Por Luiz Domingues



A contracultura incomodou bastante, talvez mais ainda do que se fosse uma força opositora declarada ao sistema. Sim, por que quando se tem um inimigo declarado, fica mais fácil entender as motivações que levam-no a discordar e por conseguinte, previsíveis as suas tentativas de promover ações em contrário. O objetivo de derrubar um sistema para impor-se outro, é o modus operandi de qualquer tipo de ideia que desenha-se revolucionária, ao ponto de candidatar-se a usufruir o poder, e assim destituir quem o comanda naquele instante.

Tecnicamente a falar, a contracultura é uma forma de pensar criticamente sobre os valores da cultura oficial aceita pelo sistema com a qual a sociedade (e entenda-se isso muito mais baseado na sociedade tradicional ocidental, visto que em termos orientais isso não faz muito sentido), ordena-se. Sob uma amálgama grande de correntes de pensamentos e manifestações culturais as mais diversas, a contracultura, tratada assim como um “todo”, foi um dos pilares do movimento Hippie.

Em essência, a ideia do “Drop Out” Hippie, não deveria preocupar as autoridades constituídas das nações ocidentais, exatamente por não representar uma corrente política com objetivos revolucionários, em tese. Nem voz de comando existia, para que as autoridades constituídas se preocupassem com os cabeludos, essa é que é a verdade. Exatamente por uma questão simples, que soa prosaica para qualquer “scholar” que estuda socio-antropologia, mas que foi sincera, espontânea e portanto, conteve o seu valor muito grande: os Hippies, contraculturais por natureza, não aspiravam derrubar governos, tampouco qualquer sistema político ideológico, mas apenas ter o direito a viver à margem da sociedade (no melhor sentido do termo, não estou a falar de crimes e criminosos), a observar o usufruto da natureza ao máximo que isso fosse possível e assim, manifestar todo o seu apreço aos seus valores artísticos e culturais. Somente isso. 
Tornou-se “perigosa” a contracultura e por conseguinte o movimento Hippie, quando os artífices do sistema notaram que se não interviessem, a euforia gerada espontaneamente ao final da década de sessenta, apontava para um contingente em franca expansão de adeptos de tal filosofia de liberdade, e assim, diante da desobediência civil em massa, viram-se diante de um opositor  não declarado e não bélico (pelo contrário, eram pacifistas de corpo e alma, tal como Gandhi), e que sequer colocava-se como inimigo, mas dentro de sua avaliação paranoica em termos de controle total da famigerada geopolítica, perigosíssimo.  
Luiz Carlos Maciel é um filósofo brasileiro que enxergou os muitos méritos naturais da contracultura e do movimento Hippie, por extensão. Em linhas gerais, salvo honrosos pares, Maciel é o maior estudioso e defensor de tais fenômenos socioculturais, do Brasil. Gaúcho de Porto Alegre, formou-se em filosofia no ano de 1958 pela UFRS. Com nova graduação em Teatro pela Universidade da Bahia, conheceu em Salvador jovens artistas intelectualizados como ele, como Glauber Rocha, José Ubaldo Ribeiro, Caetano Veloso e outros. Envolvido com teatro e cinema, foi aos Estados Unidos para estudar direção de teatro e de lá voltou arrebatado pela efervescência que já borbulhava no início da década de sessenta.

Com o teatro de Samuel Beckett na ponta da língua, muita música (leia-se Jazz, a sua grande paixão), e contato direto com as ideias do movimento literário da Beat Generation, Maciel fisgou rapidamente os primeiros sinais da contracultura a moldar os ideais Hippies, e mais do que isso, entusiasmou-se com essa nova forma para encarar a vida.

De volta ao Brasil, ele mergulhou de cabeça no jornalismo cultural multifacetado. Primeiramente ao trabalhar em órgãos tradicionais, como a revista "Fatos & Fotos" e jornais de grande porte como o Jornal do Brasil e Última Hora, do Rio de Janeiro. Ao final da década de sessenta, foi um dos fundadores do polêmico tablóide: “Pasquim”.
Nessa publicação alternativa, Maciel manteve por um bom tempo uma coluna chamada: “Underground”, onde abordava com muita propriedade, a contracultura no Brasil e no mundo. Por um bom tempo, tal espaço jornalístico foi um verdadeiro oásis em meio ao deserto tupiniquim e o seu previsível e inerente atraso. Coloca-se igualmente nessa conta do Pasquim, o fato da ditadura militar estar a adentrar no seu auge de vigor autoritário, portanto, manter uma coluna para falar sobre Hippies cabeludos; shows de Rock; literatura; cinema & teatro engajados nesses valores, além de citar autores & pensadores tais como: Carlos Castañeda; Ken Kesey; Timothy Leary, Herbert Marcuse entre outros tantos e as experiências de “Open Mind” com drogas alucinógenas, foi no mínimo, de uma ousadia sem precedentes na imprensa brasileira de 1969.

Maciel editou depois disso, um pequeno fanzine chamado: “Flor do Mal”, antes de resolver fazer parte da edição brasileira da Revista Rolling Stone, bem no início dos anos setenta. Quando chegou na metade daquela década, foi persona importante na equipe de redação da Revista, “Rock, a História e A Glória”, onde aliás eu o conheci e passei a admirar os seus artigos, notadamente a discorrer sobre a contracultura.

Concomitante à sua atuação em jornais e revistas, como colunista, Maciel lançou muitos livros e também trabalhou anos na Rede Globo, e posteriormente na Rede Record, ao cuidar da elaboração de programas e a escrever roteiros. Entre os seus livros, cito: “Samuel Beckett e a Solidão Humana”; “Sartre, Vida e Obra”; “Nova Consciência”; “Anos 1960”; “Gravação em Transe, Memórias do Tempo do Tropicalismo”; “As Quatro Estações”; ”O Sol da Liberdade” etc.
Chamado por muitos como, o “Guru da Contracultura”, Maciel faz menção em não gostar da pecha e eu o entendo, por que rótulos tendem a ter carga pejorativa. A intenção é de deboche, eu imagino, portanto, ao exercer a triste intenção explícita de menosprezá-lo enquanto pensador e notadamente as ideias que defende. Nesse aspecto, fecho com ele e repudio a tentativa de escárnio da parte de seus detratores. Recentemente, Maciel mostrou-se ativo nas Redes Sociais. Não faz muito tempo, um primo meu que sabe do meu, que é filósofo por formação e conhece bem o meu apreço pela Contracultura/Movimento Hippie, mostrou-me um pensamento de Maciel, do qual eu apreciei muito. 
Maciel prepara um livro novo. Desta feita fará uma explanação sobre como o filósofo, Heidegger embasa o movimento Hippie através de seu raciocínio. Cáspite... Heidegger? Por anos acostumamo-nos com a ideia de que Herbert Marcuse fora o scholar/filósofo mais simpático aos ideais do movimento Hippie. Quais seriam os argumentos de Maciel sobre outro pensador ter essa proximidade com os ideais aquarianos?
Segundo Maciel, Heidegger cita o equívoco aristotélico do conceito do “ratio”, ou seja, a razão a reger nosso desenvolvimento enquanto sociedade. Ratificado na Idade Média a ferro e fogo pela opressão da Igreja, tal conceito perpetuou-se. Concomitante a isso, o conceito do “logos” desenvolveu a ideia da “Techné”, nascido na Grécia também. A obsessão do homem ocidental pela tecnologia o desviou do sentido do “ser” e o mergulhou na sanha pelo “ter”. Portanto, segundo Heidegger, o homem desviou-se da visão holística da vida e não é para se admirar que vemos nos dias atuais, os brinquedinhos tecnológicos, cada dia mais, a dominar os seres humanos. 
Por décadas, desdenhou-se dos hippies sessentistas e da sua proposta de vida frugal ao ponto de muitas pessoas terem formatado conceito de repulsa ao movimento e mais que isso, a tender a repetir o escárnio que ouviram da boca de seus pais e avós sobre os Hippies e seus ideais, e assim sedimentar-se como paradigma. De fato, os Hippies eram/são em essência, rurais, cultuadores da vida em natureza, da prática in natura sob todos os aspectos e Heidegger criticou a sociedade embasada pelos valores da ciência pura e simplesmente.

O que faremos então? Uma volta às cavernas, então? Retrocesso, contradição civilizatória?

Por essa via, Maciel defende a tese de que a sociedade vista pelo padrão tecnológico não dá a resposta definitiva sobre como devamos conduzir a nossa existência. Nada disso... pelo contrário, a ideia é mostrar que a simbiose entre a vida mais natural e a tecnologia, possam conviver pacificamente. Mesmo por que, os Hippies gostavam de vida natural ao máximo, mas cultuavam a eletricidade dos shows de Rock, isso é um fato, por exemplo e não representa uma contradição propriamente dita. Portanto, tomar banho de cachoeira e ver o guitarrista do Grateful Dead, Jerry Garcia, a ligar a sua guitarra no amplificador, sem conflitos de identidade sobre ser um ou outro, ato natural ou artificial, não os incomodou nunca... 

Aguardemos a obra do mestre Maciel, portanto, que deve estar a chegar às livrarias, onde novas luzes nos chegarão sobre a verdade a respeito dos ideais hippies.  
Matéria publicada anteriormente no Blog Limonada Hippie, em 2016

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