Os Beatles já haviam encerrado a sua história; o casal
John & Yoko já tinha lançado três álbuns completamente experimentais, e que
haviam chocado a crítica, e até alguns fãs dos Beatles (talvez a maioria...), e
também já possuíam três álbuns, digamos convencionais, de sucesso nas paradas.
Todavia, ao tratar-se de John & Yoko, os três álbuns ditos “normais” do casal, não foram exatamente preocupados em agradar os fãs dos Beatles, tampouco atender as expectativas de mercado, apesar de que em um deles ("Imagine"), tenha sido produzido com a marca do cifrão em pessoa, na produção, caso de Phil Spector.
O LP "Live in Toronto’69", a seguir, na verdade foi uma colagem de
canções gravadas ao vivo, improvisadamente, através de uma gravação feita sobre a
participação do casal em um festival realizado em Toronto, Canadá, com poucas músicas, e
uma banda unida às pressas, e que segundo reza a lenda, ensaiou no avião, no
trajeto entre Londres e Toronto (Lennon; Yoko, Eric Clapton, Klaus Voorman e
Alan White).
E também não saiu na época como disco oficial, mas
bastante tempo depois, como um "bootleg" oficializado. Portanto, o primeiro álbum realmente oficial de Lennon,
como representante de sua carreira solo, foi considerado “Plastic Ono Band”, lançado em 1970, com as
cinzas dos Beatles ainda aquecidas sob o solo.
Aí sim, tratou-se de um álbum de estúdio, com músicas inéditas e absolutamente viscerais. Profundamente introspectivo e rude, chega a ser selvagem em alguns aspectos, no bom sentido do termo.
É sem dúvida, um dos meus discos prediletos da carreira
solo de Lennon, e tem muito da profunda influência que ele e Yoko estavam a receber das sessões psicanalíticas movidas pelo conceito da "Primal Scream Therapy", uma técnica usada em consultório pelo Dr. Arthur Janov. Nesse álbum, ele expressou através da sua música, a catarse, a jogar todos os seus traumas pessoais para fora, as contrariedades indevidamente engolidas, e certamente que
chocou alguns fãs desavisados que ainda pensavam nele como o artista que escrevera um dia: “Eu
quero pegar na sua mão”, a evocar o romantismo adolescente ingênuo.
Definitivamente, o tempo ingênuo da estética "Bubblegum" do Rock sessentista, observado ao início e meio de tal década, havia ficado para trás, e naquele instante posterior, de 1970, foi a hora para John dizer que não acreditava em ninguém, apenas nele mesmo, e em Yoko. “Imagine”, o álbum posterior, apesar da condução Pop da parte de Phil Spector, não foi o suficiente para domar o poeta absorto em sua amargura inconformada.
Apesar do libelo profundo de paz, digno do conceito do "Ahimsa" (propagado por um ativista do nível de Mahatma Gandhi), e expresso na música título do álbum, além de algumas docilidades por conta de declarações de amor, aqui e acolá, para Yoko Ono, a aspereza emocional permeou o grosso da obra, mas com uma beleza plástica inacreditável, certamente. Cada vez mais cônscio de seu papel como um artista adorado mundialmente, ele precisava usar a sua fama para produzir algo além do apelo comercial das canções, ou mesmo a fazer uso de seu poder para articular as palavras com o objetivo de expressar metáforas a ser absorvidas por poucas pessoas mais argutas. Portanto, ele foi muito mais direto no terceiro álbum de estúdio, dessa fase de sua carreira solo.
Definitivamente, o tempo ingênuo da estética "Bubblegum" do Rock sessentista, observado ao início e meio de tal década, havia ficado para trás, e naquele instante posterior, de 1970, foi a hora para John dizer que não acreditava em ninguém, apenas nele mesmo, e em Yoko. “Imagine”, o álbum posterior, apesar da condução Pop da parte de Phil Spector, não foi o suficiente para domar o poeta absorto em sua amargura inconformada.
Apesar do libelo profundo de paz, digno do conceito do "Ahimsa" (propagado por um ativista do nível de Mahatma Gandhi), e expresso na música título do álbum, além de algumas docilidades por conta de declarações de amor, aqui e acolá, para Yoko Ono, a aspereza emocional permeou o grosso da obra, mas com uma beleza plástica inacreditável, certamente. Cada vez mais cônscio de seu papel como um artista adorado mundialmente, ele precisava usar a sua fama para produzir algo além do apelo comercial das canções, ou mesmo a fazer uso de seu poder para articular as palavras com o objetivo de expressar metáforas a ser absorvidas por poucas pessoas mais argutas. Portanto, ele foi muito mais direto no terceiro álbum de estúdio, dessa fase de sua carreira solo.
Em “Some Time in New York City”, lançado em 1972, Lennon extrapolou a sua criação em termos de inconformismo com o modus operandi da sociedade, ao lado de sua esposa & musa, pois desferiu vários socos no estômago do sistema. Se desde 1971, estava a ser perseguido por Nixon, e sua tropa de choque, praticamente a ressuscitar os piores momentos do triste McCartismo cinquentista, em sua ação inquisitorial persecutória. Lennon, com esse novo álbum, buscou expressar-se abertamente, com eloquência e assim, praticamente dedicou cada faixa a uma ferida aberta da América conservadora e com respingos no Reino Unido, a sua pátria natal. Faixas como: “John Sinclair”; “Angela”, “Attica State”, Sunday Bloody Sunday”, “Born in a Prison”, “The Luck of the Irish”, Woman is the Nigger of the World”, entre outras, seriam arrasadoras pelas suas respectivas temáticas abordadas em letras, mas reunidas em um único álbum, fizeram de “Some Time in New York City”, uma bomba atômica, uma verdadeira provocação ao sistema, e justo em um momento de intensa perseguição pessoal que ele a Yoko, sofriam.
“John Sinclair” foi um poeta; ativista hippie, e empresário da banda de Rock oriunda de Detroit, o famoso "MC5'. Perseguido pelo sistema, foi preso por doar dois cigarros de maconha para um agente do FBI, infiltrado, ou seja, caíra em uma armadilha.Tal prisão premeditada com ardil, gerou revolta, e muitos artistas, intelectuais e militantes promoveram diversas manifestações em seu favor. Abbie Hoffman, o ativista político que junto a Jerry Rubin realizou várias reuniões com o casal Lennon & Yoko em 1971, para falar da dramática questão ocorrida sobre a rebelião na penitenciária de Attica, e também do caso de John Sinclair, chegou a se atirar do palco de um show do The Who, na ocasião, para protestar contra a prisão de Sinclair.
“Woman is the Nigger of the World” é uma faixa que ataca o sexismo, a discriminação da mulher na sociedade patriarcal e machista. A expressão que Lennon usou para dar nome à canção, foi duríssima, pois na América do Norte, principalmente, o termo “Nigger” é altamente ofensivo para tratar as pessoas negras, portanto, se a “mulher é o nigger do mundo”, Lennon quis expressar duplamente a sua indignação com duas questões aviltantes na sociedade, ao mesmo tempo, ou seja, o sexismo, e o preconceito racial.
“Attica State” fora uma outra ferida ocorrida recentemente no sistema. Em setembro de 1971, os detentos da penitenciária de Attica, localizada ao norte do estado de Nova York, rebelaram-se contra os maus-tratos, para fazer com que alguns agentes penitenciários fossem feitos reféns. Ao contrário do que geralmente vemos em prisões de países de terceiro mundo, o sistema penitenciário norte-americano é duro, mas jamais desumano. Portanto, se reivindicaram melhorias, foi por que a situação saíra do controle, mesmo. Após dois dias de impasse nas negociações, a polícia entrou com truculência, a metralhar todo mundo, para estabelecer um dos maiores massacres já registrados na história norte-americana, com um saldo macabro final em torno de quarenta mortos e mais de cem feridos, não obstante os relatos sobre torturas horrendas, ocorridas a posteriori, ao reviver-se o nazismo em plenos anos setenta, e na terra da liberdade. Existe, aliás, um filme sobre esse episódio (“Attica”, lançado em 1980), que eu recomendo assistir. Os gritos de: “Attica, Attica, é tudo ou nada”, ainda ecoam...
“Angela”, é uma canção dedicada à Angela Davis, uma militante em prol dos direitos civis, e membro dos Panteras Negras, um partido apócrifo e ativista negro, com simpatia aberta ao socialismo em linhas mais radicais. Envolvida indiretamente em um caso onde uma tentativa de sequestro de um réu de um tribunal, acabou em morte, a sua suposta ligação com o crime foi indevidamente atribuída pelo fato da arma usada pelo meliante estar registrada em seu nome. Perseguida pelo FBI, por conta da sua militância política, tais perseguidores apenas precisavam de um motivo para tirá-la de cena, e até explicar que fora vítima de mais uma armação, ela estaria perdida. Angela tentou fugir, mas após o implacável cerco policial, foi capturada enfim e foi colocada em julgamento bem manipulado. A mídia deu ampla cobertura e quase dezoito meses depois, finalmente a sua inocência foi provada, e ela retomou a sua liberdade. Além de Lennon com a sua canção “Angela”, os Rolling Stones também homenagearam-na com uma música, “Sweet Black Angel” (lançada no mesmo ano de 1972, no seu espetacular LP, “Exile on Main Street”).
Em “Sunday Bloody Sunday”, e “The Luck of the Ireland”, Lennon soltou farpas contra os seus compatriotas. A luta dos irlandeses do norte, de origem católica, contra os seus conterrâneos protestantes, não caracterizava-se somente por conta da diferença religiosa na interpretação do cristianismo. Simplesmente, os católicos alimentavam o anseio de separar-se do Reino Unido, para tornar a Irlanda do Norte inteiramente independente, assim como a Irlanda do Sul já havia conquistado tal primazia, e os protestantes, colocavam-se a favor da manutenção da anexação ao Reino Unido, com a Rainha da Inglaterra, através do seu primeiro ministro/parlamento a ditar as ordens. Em um protesto ocorrido em 1972, o exército britânico passou fogo, literalmente, na manifestação dos católicos, ao matar 13 pessoas, e assim tornou-se então, o famoso: "domingo sangrento". Anos mais tarde, a banda irlandesa "U2", comporia uma outra canção com o mesmo título e temática. Yoko contribuiu com três canções ao álbum: “Sister o Sister” (que trata sobre o feminismo); “Born in a Prison” (a criticar o sistema educacional), e “We’re all Water”, uma rara canção não exatamente focada em um protesto direto, nesse disco.
Além dessas canções, o álbum teve o acréscimo de algumas músicas gravadas ao vivo, capturadas em um show relâmpago do casal, realizado em Londres no ano de 1969 (acompanhados de Eric Clapton; Keith Moon e George Harrison, entre outras feras); além de algumas gravadas também ao vivo no famoso templo hippie /freak, o auditório Fillmore West, em San Francisco, no ano de 1971, quando ticeram uma participação especial durante um show realizado por Frank Zappa & The Mothers of Invention. E além disso, a observação de jam-sessions completamente malucas ao estilo dos "Acid Tests" sessentistas.
Todas as músicas de estúdio, foram gravadas com o apoio instrumental da banda norte-americana: “Elephant’s Memory”, uma das mais loucas bandas psicodélicas dos anos sessenta, sem dúvida. Com esses adendos de material ao vivo, o álbum teve que ser relançado como um LP duplo. A capa do disco, traz uma colagem de fotos e manchetes ao estilo do lay-out de um jornal.
Aliás, em uma das fotos, uma curiosa montagem ironiza a
visita de Nixon à China, com as figuras de Nixon e Mao Tsé Tung a dançar nus,
como autênticos hedonistas doidões, o que não deixa de ser engraçado. Ainda em 1972, Lennon & Yoko fizeram dois concertos
no Madison Square Garden, lotado, e que serviram para lançar o disco que teve a
cidade da grande maçã, como título da obra.
Tais concertos foram filmados e gravados, e muitos anos depois, lançados como disco e documentário, sob o nome de: “Live in New York City”. É um documento interessante por que tem a vibração do LP “Some Time in New York City”, inclusive com a banda de apoio ao vivo, tendo sido o Elephant’s Memory, formada por aquele bando de músicos freaks e completamente loucos.
No álbum posterior, “Mind Games”, Lennon continuou
a incomodar o sistema, contudo, de uma forma mais branda, a buscar as sutilezas. Mais centrado nos jogos mentais, pareceu estar menos
raivoso, e mais mental em 1973. “Some Time in New York City” culminou em ser mesmo, o disco
mais político de sua carreira solo.
Eu gosto bastante desse álbum, não apenas pelas posturas
adotadas no sentido anti-stablishment, mas também pela musicalidade que é muito boa, até
nas canções da Yoko, que tendiam a ser fracas, musicalmente a falar, contudo, ao
considerar-se os músicos que o casal arregimentou para a gravação, e o apoio de
Phil Spector como produtor, tudo soa muito bem.
Ao ouvir a faixa: “New York City”, Lennon faz a pergunta que não quer calar, em castellaño: “Que pasa, New York, que pasa, New York?”
Ouça esse petardo em duas etapas, abaixo.
Disco 1: https://www.youtube.com/watch?v=zDPzYGEVmCA&list=PL1A31AF7941CBC9C6
Disco 2: https://www.youtube.com/watch?v=N_wjOx4eamE
Ótimo!
ResponderExcluirQue legal que gostou, amigo Kim !!
ResponderExcluirGrato por ler e comentar !
Disco sensacional! Só é foda quando a Yoko resolve grasnar...
ResponderExcluirConcordo, amigo Tony !!
ExcluirAdoro esse disco pela música e contundência dos protestos em cada canção. E de fato, a Yoko tinha seu valor como artista plástica a meu ver e pelos posicionamentos avant-garde que muito influenciaram o John, positivamente também, na minha ótica, mas daí a fazer intervenções musicais sem talento algum e fazer valer a questão do experimentalismo para atuar, realmente foi lastimável.
Até para ser experimental tem que ter noção exata do que se faz, não dá para fazer grunhidos e ruídos esquisitos para justificar carreira artística, haja vista a sinceridade desconcertante de Tom Zé sobre esse assunto e toda a cena do Krautrock setentista para confirmar.
Honrado e feliz por ter o comentário de um dos maiores críticos musicais do Brasil no meu Blog !!
Abração, Tony !!