sábado, 14 de novembro de 2020

Filme: Bread - Por Luiz Domingues


Bread, não é um filme sobre o universo dos pães, padarias & padeiros, tampouco sobre a banda Soft Rock norte-americana e homônima, mas na realidade, trata-se de um obscuro, porém interessante filme britânico, lançado em 1971, e a narrar uma curiosa história protagonizada por hippies. Mesmo que seja apresentada em tom de comédia, praticamente, não é uma película assumidamente humorística, no entanto, pelo desenrolar do seu roteiro, as situações geradas levaram o filme para esse lado, embora haja um espaço para algumas nuances mais profundas, certamente.

A história é bem simples no cômputo geral, ao ter como protagonistas, cinco hippies que foram assistir o Festival da Ilha de Wight (agosto de 1970), e de lá, empolgados com a realização do festival, acalentam o sonho em produzir um festival nos mesmos moldes. Nesses termos, algumas imagens do documentário sobre o festival real da Ilha de Wight, mostra aquele momento de tensão que de fato ocorreu, quando houve um impasse sobre cobrar ou não cobrar ingressos e essa é a parte da reflexão que este filme traz, como eu alertei e ao final, tal conflito é novamente posto em xeque. 

Bem, sobre o imbróglio real ocorrido na Ilha de Wight, o documentário oficial insistiu na abordagem de tal assunto para buscar a contradição do ideal Hippie, em torno do total compartilhamento fraternal de tudo para todos, em detrimento da monetização de um show de Rock. Nesses termos, explorou-se bem os tumultos perpetrados por Hippies e a forçar a entrada gratuita no festival e permeados por depoimentos inflamados sobre a hipocrisia dos organizadores em cobrar ingressos. Como se não bastasse tais insinuações, houve a velada culpabilidade em torno dos artistas, que também seriam “hipócritas” por defender o ideal hippie em sua música, entretanto, sob uma suposta contradição, não subiriam ao palco sem o cachet devidamente alojado em seus respectivos bolsos etc.


De volta a analisar os personagens (Anthony Nigel, como Mick; Peter Marinker, como Jeff; Dick Daydon, como Trev; Noelle Rimmington, como Cathy e Liz White, como Marty), há por observar-se que não obstante o fato de que sonhar é um ato legítimo de qualquer Ser Humano, no caso deles em si, e ao abranger a vida real em termos do que os hippies em geral viveram naqueles anos entre o final dos anos sessenta até a metade dos anos setenta, o sonho foi o ponto de partida para toda a ação que empreendeu-se em qualquer campo onde eles transitaram, portanto, pouco importou se eram cinco hippies completamente sem recursos financeiros e a viver como nômades errantes, pois a capacidade que tinham em não preocupar-se com as consequências de seus atos e somado à completa tranquilidade em achar que a providência natural haveria por realizar os seus sonhos, bastara-lhes como substância em termos filosóficos, e subsistência, na vida prática em seu cotidiano.

Quando saem do festival, vão à esmo pelas estradas, a cruzar cidades e propriedades rurais pelo interior da Inglaterra, até resolver montar as suas barracas para dormir em uma bela casa de campo, que mostra-se vazia naquele momento. Contudo, o proprietário aparece acompanhado de uma mulher (ele, Rafe Bates, interpretado por Mike McStay e a mulher, Terry, interpretada por Yokki Rhodes), e apesar de chocado com a presença de hippies a dormir no jardim da residência, não os expulsa e pelo contrário, nota que são realmente pacíficos. 

É bem verdade que antes de notar o ar pacífico da rapaziada, o que impressionara-o mesmo foi ver as garotas nuas na barraca. Além do mais, naquele quinteto, composto por três rapazes e duas moças, o dono da casa logo percebe ser conveniente a mentalidade da trupe em torno de cultivar o amor livre e assim, interessa-se pelas duas moças, que são jovens; muito atraentes e por serem hippies, logicamente bem liberais. E na contrapartida, a mulher que acompanhara o senhor em questão, também mostrou-se interessada pelos rapazes. Bem, nesse contexto insinuado, há cenas de sexo, ao estilo “soft” que lembram muito as pornochanchadas brasileiras, coincidentemente contemporâneas dessa película, exatamente pela abordagem ingênua da sensualidade e logicamente a reforçar o estereótipo dos hippies em relação ao amor livre etc.

O proprietário mora em Londres, na realidade, e usa tal casa de campo, sazonalmente. E por não morar lá, resolve contratar os hippies para promover pequenas reformas na residência e também em relação à sua decoração interna. Eles aceitam, é claro e enquanto o dono ausenta-se, eles trabalham e resolvem utilizar os recursos que encontram na residência, para tentar rodar um filme pornográfico, a utilizar as meninas da trupe, como atrizes improvisadas, mas sem noção alguma, percebem que nem conseguiriam produzir algo classe “Z” e desistem dessa iniciativa para tentar ganhar um dinheiro rápido.

É então que ressurge a ideia em produzir um festival e percebem que a propriedade que estão a usar, poderia tranquilamente ser o local ideal, por ser rural e assim dispor de uma boa área livre para tal iniciativa. Daí em diante, tem a parte mais humorística do filme, pois as trapalhadas que aprontam para prover o tal festival, desperta risadas do espectador, certamente, todavia, há o lado lúdico, igualmente, visto que ingenuidade atroz a parte, é interessante notar a euforia típica da época, impregnada no celuloide, a fazer acreditar que aquela geração sonhou fortemente com a construção de um mundo melhor.

Os rapazes acham um calhambeque na garagem da propriedade, aparentemente em desuso, mas dão um jeito no bólido e usam-no para viajar à Londres quando pretendem tomar as providências para a concretização do festival. Tudo é travado sem muito compromisso com a realidade, logicamente, sob licença poética bem grande, mas o fato é que conseguem contratar profissionais, incluso três bandas de Rock da vida real: Juicy Lucy, Crazy Mabel e Web. Fora isso, as cenas a mostrar como conseguiram material para construir o palco (a fazer uso de métodos não recomendáveis, inclusive), intercala-se com a montagem propriamente dita, a denotar o espírito da solidariedade, visto que nessa altura, diversos outros hippies aparecerem para ajudar. Tem a cena hilária do roubo do caminhão da Coca-Cola, para abastecer a cantina do festival ou seja, a esquentar novamente a discussão sobre o capitalismo selvagem via monetização de tudo, versus shows de Rock & Contracultura.

Eis que o festival vai começar e uma cena muito engraçada (certamente a ironizar a questão levantada no documentário sobre o festival da Ilha de Wight), vem à tona, com uma enorme quantidade de Hippies a pular um ridículo portão, para não pagar o ingresso. Enquanto isso, na portaria “oficial”, um dois organizadores vê com desânimo a entrada de poucos que dispõe-se a pagar e em dado instante, simplesmente libera todos os que alegam verbalmente não ter dinheiro ou simplesmente a mostrar-lhe carteiras e bolsos de calças, vazios. Hilário por satirizar a questão, definitivamente.


Eis que ocorrem as apresentações de Juicy Lucy, Crazy Mabel e Web, três bandas que ficaram um tanto quanto obscuras ao longo da história, mas que na verdade tem o seu valor artístico, portanto, conter números musicais de tais artistas, é um luxo para esse filme, sem dúvida alguma.

Em suma, trata-se de um curioso, raro e interessante filme a retratar a ambientação contracultural na Inglaterra à época, 1971, com uma boa dose de humor e certamente a conter um aspecto lúdico em torno dos ideais vividos por essa geração. E sem deixar de mencionar a boa música de bandas que não ficaram mega famosas, mas que foram boas em sua trajetória artística.

Mais alguns atores não mencionados anteriormente: Mike McStay (como Refe Bates) e Ben Howard (como Gerry), e outros não creditados.

Sinceramente, eu nunca soube da exibição desse filme em canais de TV a cabo e muito menos na TV aberta brasileira, mas possivelmente ele tenha alcançado esse circuito principalmente no Reino Unido.

Escrito por Suzanne Mercer e Stanley A. Long. Foi dirigido por Stanley A. Long, que foi um diretor especializado em filmes com baixo orçamento e também com teor erótico. Lançado em maio de 1971. E entre os atores principais, nota-se que quase todos construíram carreiras significativas no teatro (incluso o nobre gênero, "Shakespereano"); no cinema e na TV britânica, basta analisar o currículo de cada um deles.  


Disponível em DVD, mas apenas na versão em inglês, eu nunca tomei conhecimento de uma exibição em canais a cabo no Brasil, e certamente muito menos em emissoras abertas, todavia, no YouTube é encontrado com facilidade. 

Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll". Está disponível para a leitura através do seu volume II, a partir da página 76

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