domingo, 29 de novembro de 2020

Filme: Jimi: All Is By My Side (Jimi: Tudo ao Meu Favor) - Por Luiz Domingues


Bem, eis que após muitos anos decorridos do lançamento do filme, “Hendrix”, de 2000, uma nova produção foi anunciada como mais uma tentativa para retratar a trajetória de vida e obra do guitarrista, Jimi Hendrix. Ao considerar-se que o filme anterior fracassara em muitos aspectos, ao resultar em uma amostragem pífia enquanto cinebiografia de um astro da magnitude de Jimi Hendrix, portanto, uma nova produção deveria redimir a tentativa anterior, frustrada, no mínimo, mas, será que alcançou tal intento?

Eis que em 2014, chegou às telas de cinema a película: “Jimi, All Is By My Side” (Jimi: Tudo ao Meu Favor), a gerar expectativa entre os fãs do guitarrista, um ícone do Rock sessentista, monstruoso no imaginário e na história, de fato. Entretanto, a boa expectativa gerada foi fortemente minada quando as pessoas sentaram-se em suas respectivas poltronas nas salas de cinema e o projetor começou a rodar o celuloide, pois mais uma vez uma produção falhou em retratar a sua biografia, e as falhas a suscitar queixas, foram muitas.

Bem, não inteiramente, mas muita informação para a elaboração do roteiro desse filme, foi baseado nos relatos de Curtis Knight, líder do grupo Curtis Knight and The Squires, que lançou dois livros sobre Hendrix, um em 1974 (Jimi: An Intimate Biography of Jimi Hendrix) e o outro em meados dos anos noventa, chamado : “Starchild”) e pelo fato de Jimi Hendrix ter sido membro, bem antes da sua fama como artista solo, logicamente que o seu status, que suplantou e muito a tímida carreira desse grupo liderado por Curtis, logicamente fez com que ele capitalizasse a fama alheia, com tais biografias. Ocorre, que tal relato é bastante contestado por outras pessoas que conviveram com Hendrix na mesma época, como por exemplo, Kate Etchingham, que foi namorada de Hendrix na ocasião e esteve com ele durante a boa fase de sua curta carreira, e só não esteve ao seu lado, em seus últimos momentos, pois o casal havia separado-se, em 1969, portanto algum tempo antes desse desfecho trágico, ocorrido em 1970. Pois Kate ficou aborrecida, pois no livro de Curtis e por conseguinte no filme, Hendrix foi retratado como um homem cruel que a agredira muitas vezes e ela negou isso. Pois então, antes a produção do filme tivesse usado como referência o próprio livro de Kate, que ela publicou em 1999, “Throught Gipsy Eyes”.

Sobre o filme, a ação cobre o período entre 1966 e 1967, ou seja, quando sem maiores perspectivas e a tocar em obscuras casas noturnas de Nova York, Jimi Hendrix (interpretado por André Benjamim ou André 3000, seu nome artístico como “rapper”), foi notado pelo empresário dos Rolling Stones, Andrew Loog Oldham (interpretado por Robbie Jarvis) e daí, uma conexão fora estabelecida com ex-baixista da banda, “The Animals, Chas Chandler" (interpretado por Andrew Buckley), que estava a iniciar uma carreira como empresário e este o convidou a tentar a sorte em Londres. 

De fato, a capital britânica era a maior meca do Rock mundial na ocasião e tal aventura aparentemente incerta foi a melhor resolução possível para que Hendrix fosse catapultado da condição de um obscuro guitarrista side man a serviço de artistas medianos ou astros em momento de decadência, para o mega estrelato em âmbito mundial. Daí, já em Londres, é passada a informação dentro da cronologia, a dar conta do deslumbramento inicial do norte-americano em relação à cena da Swingin’ London que explodia nas ruas e tudo permeado por suas visitas aos clubes da moda onde despertou a desconfiança inicial e também os ciúmes de músicos ingleses que já estavam a usufruir da fama, e aí existe mais uma controvérsia.
  

Isso por que a famosa participação que ele teve em uma apresentação do Cream, uma super banda na ocasião, em 1966, é tratada de uma forma bem diferente como fora retratada no filme, “Hendrix”, de 2000. Naquela produção, Eric Clapton mostra-se reticente em princípio, mas depois aceita que ele suba ao palco e a jam transcorre retratada com ambos a demonstrar tranquilidade e até felicidade pela oportunidade e sonoridade que produzem, mas neste filme, de 2014, Eric Clapton mostra-se furioso com a presença de Jimi Hendrix e abandona o palco. Qual foi a verdade na vida real, afinal de contas?

Um episódio emblemático que faltou no filme anterior e neste foi mencionado, deu-se em relação à cena em que Hendrix e a sua namorada, Kate, andam pelas ruas de Londres e são interpelados por policiais que irritaram-se pelo fato dele, Hendrix, estar a usar um casaco antigo do exército britânico, e de fato, os hippies britânicos haviam incorporado o uso de tais casacos militares pesados e muito antigos, dos séculos XVIII e XIX, em meio aos outros trajes multicoloridos e adereços a compor um visual multicolorido e também funcional para o inverno europeu. Não apenas do exército britânico, mas de várias nações europeias e tais peças eram facilmente encontradas na feira hippie de Portobello Road e outros tantos pontos da cidade. O problema, foi que os policiais não gostaram de ver tal peça a ser usada por um rapaz negro e a namorar uma garota branca e daí, veio o constrangimento em tom de abuso policial. Tal fato ocorreu na vida real, pontuou uma questão racial, mas também o preconceito contra hippies etc e tal. Isso por que a polícia britânica tem a fama de ser bem profissional e raramente cometer abusos em abordagens, que são em via de regra, respeitosas pelo protocolo civilizado, pois se fosse em outro país não tão observador de tais normas...


Bem, vem a formação do Experience com Noel Redding e Mitch Mitchell, o começo da fama; a gravação do primeiro álbum; as primeiras críticas boas e também as ruins (por cantar mal e ser “rabugento” no palco, aliás, ambas bem relativas). Vem o início da pressão de grupos negros ativistas a cobrar-lhe um posicionamento por ser um artista negro em ascensão, mas convenhamos, creio que se tal conversa existiu em 1967, foi bem menos contundente de quando ele foi abordado, na vida real, a partir de 1968 e no decorrer de 1969, portanto, pode ter sido um erro de avaliação cronológico ou simplesmente uma licença poética para poder citar o caso, visto que a proposta do filme foi a de retratar os anos de 1966 e 1967, em princípio.

É citada também a loucura desmedida, os abusos com drogas, bebidas e as groupies em profusão a culminar também com brigas com a namorada, Kate. E esse foi um ponto nevrálgico do filme, como eu já afirmei no início do texto, visto que Kate Etchingham, abominou o filme e desmentiu que fosse agredida da forma que foi retratada através da atriz, Hayley Atwell, que a interpretou. Inclusive a cena forte da agressão mediante um aparelho de telefone, foi considerada por ela, como um completo absurdo.


Outro fato real ocorrido em 1967, de fato, Jimi Hendrix teve acesso à uma cópia do LP Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, antes mesmo dele ser lançado oficialmente e surpreendeu à todos, incluso os próprios componentes do Fab Four, ao tocar ao vivo e com uma tremenda energia a canção título do álbum deles e ao causar estupefação geral.

E o filme encerra-se com a apresentação dele no Festival Monterey Pop em 1967, quando de fato, mais que uma volta triunfal à América, a sua terra natal, a sua carreira teve o impulso definitivo para que alcançasse o mega estrelato.

Sobre a completa ausência de material composto por Jimi Hendrix em mais uma cinebiografia sua, tratou-se na verdade do mesmo caso, ou melhor, empecilho ocorrido no filme, “Hendrix”, de 2000, ou seja, a negativa da editora que controlava o seu material e já há muitos anos controlada pelos familiares, o pai dele, e a sua irmã temporã, que mal o conhecera em vida, visto ter sido muito pequena quando ele morreu. Então, os números musicais são covers de outros artistas que Hendrix de fato regravou, e constavam de seu repertório, no entanto, isso fica insuficiente para compor o material musical de uma cinebiografia, sem dúvida alguma. Como suportar um filme sobre Jimi Hendrix em que nenhuma música sequer que ele compôs, é executada, nem mesmo como música incidental, background e que tais?

Outro aspecto, a composição dos personagens beira o caricato e isso também ocorrera com o filme “Hendrix”. Espero que um dia, produza-se uma cinebiografia de Jimi Hendrix e mesmo de qualquer artista sessentista dessa mesma magnitude e que evite-se o caricato, pois a composição das personagens ainda carece de um maior apuro histórico. Enquanto os produtores achar que astros do Rock sessentista (e também os setentistas) precisam expressar-se como o personagem, “Lingote”, do Chico Anysio, teremos uma idealização bastante equivocada e foi o que ocorreu. 

No caso do ator que interpretou, Jimi Hendrix, André Benjamim, isso agravou-se talvez pelo fato do rapaz ter sido um rapper na vida real e daí, a confusão gerada a considerar que a sua experiência pessoal nesse caso, em torno da cultura Hip Hop em que poder-se-ia ser aproveitada como um elemento positivo, certamente que foi um erro de avaliação. No entanto, essa observação é uma mera impressão de minha parte, deixo a ressalva de que posso ter errado na minha avaliação.

Sobre a direção de arte; figurino e ambientação, é razoável, talvez um pouco melhor que a do filme, “Hendrix”, no entanto, o ator principal daquela produção parece ter adaptado-se melhor ao personagem.

Burn Gorman interpretou o empresário, Michael Jeffery e aqui, este personagem não foi tão demonizado quanto em “Hendrix”. Oliver Bennett interpretou o baixista, Noel Redding e Tom Dunlea, interpretou o baterista Mitch Mitchell. Ashley Charles interpretou o guitarrista dos Rolling Stones, Keith Richards e isso foi curioso na medida em que na vida de Hendrix, Richards foi próximo, sem dúvida, mas nem de longe a caracterizar uma amizade mais profícua, pois ficou patente que Brian Jones, o outro guitarrista dos Rolling Stones, foi uma pessoa muito mais próxima e de fato, um dos principais responsáveis para que Jimi participasse do festival de Monterey em 1967, assim como Paul McCartney.

Escrito e dirigido por John Ridley, estreou na Inglaterra em agosto de 2014, ao chamar a atenção de fãs e Rockers em geral, mas logo veio a decepção a confirmar uma expectativa que ainda não acertou-se a mão para retratar com melhor propriedade a vida e obra desse grande astro do Rock. Hendrix merece mais, e assim torcemos para que surja uma produção à altura do seu quilate artístico e sobretudo a fazer jus à brutal importância que ele exerceu, muito além da música em si.

Bem, o filme passou bastante nos canais da TV a cabo, depois que deixou as telas, foi lançado em versão DVD/Blue Ray e é encontrado com facilidade no YouTube. Ver ou não ver, eis a questão? Então, creio que o meu conselho é assistir, por ser melhor que nada, no entanto, a observar muitas ressalvas, pois não é uma obra definitiva sobre a biografia de Jimi Hendrix.

Esta resenha faz parte do filme: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll". Está disponível para a leitura através de seu volume II, a partir da página 81.
 

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