sábado, 22 de abril de 2023

Filme: Lennon Naked (Simplesmente Lennon) - Por Luiz Domingues

Entre tantos filmes já surgidos a enfocar a carreira dos Beatles, destaca-se uma notável proeminência de obras a buscar exclusivamente a biografia de John Lennon. Nenhuma delas pode ser considerada definitiva e veja bem, estou a desconsiderar a grande profusão de documentários, igualmente, e alguns inclusive, chancelados por Yoko Ono. A despeito dessa constatação, devo dizer que este telemovie britânico (filme feito para a TV e no caso por uma emissora do porte da BBC, a maior estatal do mundo no setor das comunicações), “Lennon Naked”, tem diferenciais em relação aos seus pares e posso afirmar, muito interessantes.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que o título tem uma conotação dupla, visto que faz alusão ao fato de que pretendeu expor a personalidade de John Lennon, daí a expressão “Lennon Nu”. Mas também é uma clara menção à polêmica capa de um disco experimental que ele lançou em dupla com Yoko Ono, quando ainda era oficialmente um componente dos Beatles, chamado: “Two Virgins” e cuja foto que se usou para ilustrar a capa e contracapa do álbum, chocou o mundo em 1969, ao gerar uma polêmica estrondosa sobre a legitimidade do Rock e da contracultura como um todo, e nessa questão a colocar em xeque a presença dos Rockers, que seriam influenciadores negativos aos jovens, na visão conservadora da sociedade, a evocar não só o paradigma dos ditos “bons costumes” no âmbito sociocultural e comportamental, mas sobretudo ao afrontar os valores religiosos sob a égide judaico-cristã.
Dentro desse assunto sobre o título do filme, cabe acrescentar que a versão brasileira foi mais uma vez infeliz ao fugir da tradução literal e optar por criar um nome alternativo, pois ao denominar a obra como: “Lennon Simplesmente”, eliminou completamente a possibilidade do público brasileiro ter contato com a sutileza que o título original sugeriu, em inglês. E o critério usado para tal adulteração infeliz, certamente foi por uma questão a envolver um puritanismo obtuso, a evitar a insinuação sobre a “nudez” literal.
Bem, sobre a obra em si, o primeiro aspecto a se destacar foi a opção do roteiro para retratar a vida de John Lennon em um período pouco explorado em outras cinebiografias sobre tal artista. O filme centra a sua exploração entre 1964 e 1971, ou seja, a começar com a figura de Lennon já completamente consagrado, inclusive em escala mundial, passar por momentos ricos da história dele com os Beatles, quando conheceu e envolveu-se com Yoko Ono, um pouco além do término das atividades dos Beatles e a encerrar bem no começo de sua carreira solo, em termos oficiais, digamos, pois na prática ele já havia lançado alguns discos solo, ainda que estes trabalhos fossem completamente experimentais e bem distantes de uma obra que pudesse ser considerada como música, propriamente dita.
E um outro ponto, e sem dúvida o mais interessante, pois como insinuou o seu título, mostrou Lennon desprovido de vestimentas no sentido metafórico, ao repercutir passagens de sua vida com bastante dramaticidade no aspecto humano. Por exemplo, logo no início, a opção do roteiro foi passar bem rapidamente pela questão de que em 1964, ele estava a viver a completa loucura proporcionada pela fama em meio à Beatlemania e foi direto em um ponto nevrálgico: um encontro promovido pelo empresário da banda, Brian Epstein (interpretado por Rory Kinnear), entre ele, John (interpretado por Christhopher Eccleston) e o seu pai, Freddie Lennon (Interpretado por Christopher Fairbank). 
De fato, na vida real, Freddie havia ignorado o filho e só havia aparecido certa vez durante a tenra infância de John e por um breve instante, para traumatizá-lo ainda mais. Agora, com o filho a mostrar-se um jovem a usufruir de um sucesso avassalador e naturalmente a revelar-se um milionário com tão pouca idade, pareceu ter motivado o seu velho a buscar uma aproximação e obviamente que Lennon trata o pai friamente nesse encontro. Pois é interessante como tal passagem do encontro em 1964, nunca fora mencionada em nenhum outro filme similar, ou seja, um ponto para esta produção, pela observação da sua busca por um tipo de abordagem inédita. 
Bem, o filme avança com uma aceleração estratégica sobre os anos de 1965 e 1966, para abordar doravante, Lennon (e os Beatles), em 1967. Vive-se a época em que o LP super premiado, “Sgtº Pepper’s Lonly Hearts Club Band” mal acabara de ser lançado e a notícia trágica sobre a morte de Brian Epstein abala profundamente os quatro componentes da banda. Nesse ínterim, Freddie Lennon reaparece e John resolve dar uma chance ao seu pai, que não está bem financeiramente e assim decide leva-lo para morar com ele em sua mansão. Ali, Freddie conhece a sua nora, Cynthia Lennon e o neto, Julian. 
O novo trabalho dos Beatles, a seguir, tratou-se de um filme feito para a TV e que motivou o lançamento de um LP com a sua respectiva trilha sonora, acrescido com alguns singles, chamado: “Magical Mystery Tour”. Pois este material no entanto, recebeu críticas negativas da imprensa e isso irritara Lennon, não pelos comentários ruins em si, mas pelo fato dele ter brigado com Paul McCartney, previamente por essa realização e este insistira na realização do filme, à revelia de Lennon que nunca apreciou tal ideia.
Como se não bastasse tudo isso, Lennon está às turras com a sua esposa, Cynthia e ainda mais com o pai, Freddie, hospedado em sua casa, portanto, o clima fica ruim. E piora ainda mais quando Freddie conta para John, que a sua namorada, que é uma moça jovem, com apenas dezenove anos de idade (chamada: Pauline e que não aparece no filme), está gravida. Foi a gota d’água para John expulsar o seu pai de casa.
O filme avança para 1968, e mostra os Beatles a fazer um retiro espiritual com o guru indiano, Maharishi Mahesh Yogi (que aliás motivou Lennon a escrever a belíssima canção, “Sexy Sadie” que entrou no disco seguinte dos Beatles, “White Album”, a conter duras críticas ao tal guru charlatão, que o desencantara), e nesse ponto, o roteiro induz uma licença poética, uma daquelas típicas que diretores e roteiristas de cinema costumam usar para supostamente adequar uma biografia ao padrão cinematográfico, a justificar falhas na cronologia dos fatos. Pois na realidade, John Lennon conhecera a artista plástica japonesa, Yoko Ono, em novembro de 1966 e não em 1968. Entretanto, foi nesse ponto do filme que tal encontro ocorre. 
A cena desse momento, a despeito deste filme ter muitos méritos, deixou a desejar, pois a dramatização foi feita com subterfúgios, como se não quisesse esclarecer tal fato a contento. Nesse específico ponto, um outro telemovie, chamado: “John and Yoko, a Love Story”, é bem mais completo ao abordar esse importante episódio na vida de Lennon, com mais propriedade. Aqui em “Lennon Naked”, além da rapidez, a abordagem saiu inteiramente pela tangente. 
Mostra-se Lennon a se aproximar da galeria de arte onde Yoko faria a sua famosa exposição, mas não retrata a importante cena da instalação a conter a escada, a lupa e a palavra “yes” escrita no teto, e que em tese, foi o que despertou em Lennon a vontade para conhecer Yoko. Exibe-se apenas a presença de Lennon na porta e no momento em que interage com Derek Taylor (que havia sido recém contratado pelos Beatles para assumir a assessoria de imprensa do grupo, como uma das primeiras medidas adotadas para estabelecer um novo gerenciamento do conjunto, após a morte do empresário, Brian Epstein). 
Lennon estava com um encontro marcado para conhecer a atriz francesa, Brigitte Bardot que o aguardava em um hotel de Londres. Brigitte houvera sido uma obsessão pessoal de Lennon desde a adolescência e de fato, ela ainda era considerada como uma das, senão a mais bela mulher do mundo, portanto não fora apenas o adolescente Lennon que sonhara com ela, solitariamente em seu quarto, nos anos cinquenta em Liverpool, mas milhões de garotos ao redor do mundo nutriram o mesmo pensamento. 
Bem, a seguir, o filme mostra Lennon já encantado por Yoko e a brigar feio com Cynthia. Na clássica abordagem da esposa traída a dar o ultimato, “ou eu ou ela”, Lennon usou o seu habitual sarcasmo para responder: -“fique com as piscinas da casa”. Houve mais tensão no ar, dentro do seu trabalho, pois o clima com os Beatles estava péssimo. E sucedem-se as cenas sobre John e Yoko a entrosar-se cada vez mais, inclusive a mostrar a sessão ou auto sessão de fotos (em uma época em que o conceito da “selfie”, nem existia), a compor a famosa e polêmica capa do LP “Two Virgins”, com o nu frontal do casal, sem nenhum pudor, ou seja, o literal: “Lennon Naked”, que o título do filme aludi. Vem a cena da invasão da residência do casal, onde a Scotland Yard foi bem truculenta e achou um punhado de maconha a gerar um espetaculoso processo e questão essa que render-lhe-ia um enorme aborrecimento no decorrer dos anos setenta. 
Yoko engravida e encena-se a passagem onde Lennon fez a gravação do coração do bebê no ventre de Yoko e que foi incluída em mais um LP experimental do casal, chamado: "Life With the Lions”, lançado em 1969, embora o posterior aborto desse feto tenha gerado uma grande tristeza ao casal. 
Rapidamente mostra-se o ato político que o casal promoveu em sua própria “Lua de Mel”, o famoso: “Bed-In”, a ação em devolver a comenda que recebera da Rainha da Inglaterra, em sinal de protesto ao apoio do Reino Unido à guerra do Vietnã, a ação da campanha: “War is Over” (!), que o casal patrocinou e a consequente reação de setores da mídia e do público conservador em geral, a ridicularizar o pacifismo.
Um ponto muito delicado que toda biografia dos Beatles e de seus membros individualmente tem que tomar muito cuidado ao retratar, é a questão do final das atividades da banda e isso é feito por diferentes pontos de vista, em várias películas. Por um lado, é bom que tenha havido o contraponto proporcionado por diferentes versões, mas é nocivo verificar, ao assistir tantos filmes, que não se trata apenas de diferentes visões do mesmo fato, mas infelizmente, verifica-se distorções de um filme para o outro. 
Neste caso em específico, mostra-se que Lennon pediu para sair da banda, mas McCartney o persuadiu a não anunciar isso por um determinado prazo e que no momento oportuno, seria feito um comunicado oficial para decretar o final das atividades da banda, e isso seria fundamental para os negócios, visto que a empresa por eles fundada, a “Apple” estava a ser muito mal administrada e seria prudente que o derradeiro filme produzido pelo grupo, um documentário chamado, “Let it Be”, fosse lançado e rendesse um montante para equilibrar as contas. 
No entanto, antes do prazo solicitado, McCartney anunciou a sua saída e o consequente lançamento de seu primeiro disco solo, simultaneamente, o que enfureceu Lennon, que lançara algumas músicas anteriormente, mas não fizera uma grande divulgação exatamente para cumprir a sua palavra. No filme, “The Linda McCartney Story”, tal passagem é contada pelo ponto de vista de Paul, a eximir-se da culpa pela quebra de palavra e a mostrar Lennon como um desequilibrado histérico, ao ponto de apedrejar a residência da família McCartney.
Uma importante passagem da vida de Lennon é mostrada quando ele conheceu o psicanalista norte-americano, Arthur Janov, que desenvolvera a partir de seus estudos da terapia Gestalt, uma nova técnica, denominada: “Primal Scream”, ou “Grito Primal”, sob uma tradução livre para o português. Bem, Lennon e Yoko encantaram-se com a técnica, ao ponto dessa terapia ter influenciado profundamente o lançamento do então primeiro álbum solo oficial de Lennon, “Plastic Ono Band”, em 1970. E o filme encerra-se ao início de 1971, quando o casal decide mudar-se para Nova York, nos Estados Unidos e a legenda do filme encerra a obra com uma frase realista, não obstante a mostrar-se tristonha, como uma constatação : “ele nunca mais voltou de Nova York”...
Portanto, no cômputo geral, este filme, “Lennon Naked” surpreendeu por trazer à tona certos aspectos geralmente não mostrados em outras cinebiografias sobre Lennon, individualmente ou com The Beatles e sobretudo a mostrar um período dos mais ricos de sua vida, como um artista a buscar desgarrar-se do estigma de ser considerado um Rock Star pelo viés do clichê que tal pecha carrega, a se embrenhar em arte experimental (graças à influência direta de Yoko, para o desespero dos fanáticos fãs dos Beatles que a odeiam com todas as forças), e pelo ativismo sociopolítico que ele adotou fortemente ao final dos anos sessenta e que foi a sua marca registrada na carreira solo demarcada no início, até a metade dos anos setenta.
Para reforçar tudo o que eu observei, devo salientar que o fato do ator, Christopher Eccleston, ter composto o personagem de John Lennon com muito brilhantismo, tornou a proposta do filme ainda mais incisiva. De fato, com um ator desse quilate, a intenção de se desnudar a personalidade de Lennon, adquiriu uma guarida técnica. E nem mesmo o fato do ator, na época a estar na casa dos quarenta anos de idade, para interpretar, Lennon, dos 24 aos 31 anos de idade, causou prejuízo para a composição do personagem. 
De resto, considere-se também que o fato de ter sido uma produção de “telemovie”, ou seja, sob baixo orçamento, enaltece o esforço dos seus responsáveis, pois trata-se de um filme bem acabado em linhas gerais.
A parte musical, sob responsabilidade de Dickon Hinchcliffe, é boa e a inserção de gravações originais de Lennon em carreira solo e dos Beatles, ainda que a conter parcos segundos, deu substância ao filme, mesmo com a ausência do material integral dos Beatles, sempre por conta do entrave burocrático com os direitos autorais e da edição, é salutar.
Ainda no elenco: Andrew Scott (como Paul McCartney), Craig Cheetham (como Ringo Starr), Jack Morgan (como George Harrison), Naoko Mori (como Yoko Ono), Michael Colgan (como Derek Taylor), Claudie Bakley (como Cynthia Lennon), Rory Kinnear (como Brian Epstein), Allan Corduner (como Arthur Janov) e Charlie Coulthard (como Julian Lennon), entre outros. 

Escrito por Robert Jones e dirigido por Edward Coulthard. Foi lançado em 2010, pela BBC de Londres e paulatinamente em outros países. Recebeu boas críticas, e foi exibido com certa assiduidade em canais da TV a cabo. Existe para a venda em DVD e no YouTube é difícil para encontrar-se uma versão integral. É encontrado no entanto, no portal Dailymotion. 

Esta resenha foi escrita par compor o livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", através do seu volume 2 e está disponível para a leitura a partir da página 280

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