quinta-feira, 15 de junho de 2023

Filme: The Young Ones - Por Luiz Domingues

Esse foi o terceiro filme em que o cantor Pop britânico, Cliff Richard, participou como ator protagonista, a reforçar a ideia que Cliff fora mesmo uma aposta velada dos britânicos, em relação ao que Elvis Presley representou para os norte-americanos. E veja bem, não estou a insinuar uma comparação direta entre os dois, tanto no desempenho musical, quanto na performance cinematográfica, como atores. 
 
Mesmo por que, Cliff pode não ter tido a mesmo performance nos dois quesitos e muito menos ter amealhado nem a metade da fama que Elvis angariou, no entanto, tornou-se um artista bastante valoroso, como cantor, em uma carreira sólida e muito longeva, visto que em 2019, ano em que escrevi esta resenha, ele ainda mantinha a sua carreira em atividade, mesmo sendo na prática, um homem idoso, nos dias atuais. E na sua atuação como ator, se não foi brilhante, certamente que não desapontou, pois fez vários filmes com uma performance bastante aceitável.
Sobre este filme, “The Young Ones”, a história foi abertamente inspirada em musical norte-americano lançado em 1939, chamado: “Babes in Arms” (com a presença dos atores, Mickey Rooney e Judy Garland, nos principais papéis). Mas não se trata de um remake assumido. Por ter sido inspirado no musical norte-americano citado, creio que uma americanização foi sutilmente sugerida nessa produção, principalmente na condução do musical em si e em torno das coreografias, além de certos maneirismos típicos do cinema norte-americano, notados em alguns clichês na condução da direção e também sobre a montagem do filme. Todavia, não em cem por cento, visto que certos ícones britânicos sobressaem, a começar com a óbvia presença do sotaque expresso através dos diálogos dos atores, logicamente, além de cenas a conter externas, com as ruas de Londres como cenário.
O mote é singelo e a condução do roteiro mantém essa simplicidade ingênua em torno de conceitos que soam tolos, certamente, nos dias atuais, no entanto, passados quase sessenta anos (1961-2019), é óbvio que tudo é relevado e o filme ganha o registro como um item devidamente histórico e a tolerância para se compreender o contexto de um padrão sociocultural inteiramente diferente ao que vivemos nos dias atuais.
Bem, a história é a seguinte: existe um clube localizado no West Ends, na cidade de Londres, onde um grupo de jovens reúne-se com assiduidade para dançar e apreciar performances de cantores e bandas de Rock (“Simpkins Youth Club”). Um rapaz que é membro dessa confraria, é também um cantor e costuma apresentar-se no palco desse salão rústico. Trata-se de Nicky (interpretado por Cliff Richard), que não deixa transparecer aos seus amigos, que na verdade ele é o herdeiro de um empresário poderoso do ramo da construção civil.
Para tornar dramática a sua situação, o seu pai (Hamilton Black, interpretado por Robert Morley), planeja derrubar justamente o pequeno clube no qual o seu filho costuma encontrar-se com os amigos e logicamente, além de gerar uma revolta generalizada entre os jovens frequentadores, coloca o rapaz, Nicky, sob uma situação muito desconfortável perante os seus colegas. Ele não é nenhum rebelde a confrontar o seu pai e nem mesmo há sinal de um conflito mínimo que seja, pois para todos os efeitos, Nicholas Black, é um bom menino e que está a ser preparado para assumir a empresa e aliás, já possui um elegante gabinete instalado no seu edifício sede.
 
A mesma situação que Nicky vive com os seus amigos, ocorre igualmente com o seu pai, pois o seu progenitor nem imagina que o bom rapaz burguês tem pretensões a tornar-se um artista musical e claro que essa situação denota uma situação explosiva que vai fornecer a devida dose dramática à história.
Surge a ideia então de se organizar um show com vistas a se arrecadar dinheiro para tentar salvar o imóvel onde funciona o clube, “Simpkins Youth Club”. Eles precisam juntar a quantia de mil e quinhentas libras, que era uma soma alta no câmbio da ocasião, para salvar o seu espaço e não vai ser nada fácil conseguir tal montante. Nesse ínterim, muitos números musicais são apresentados e mais que isso (e aí entre a clara "americanização" da obra), pois não são apenas apresentações de artistas com plateia a assistir, mas também a ação de diálogos cantados pelos atores e coreografados fartamente, a caracterizar um típico musical a moda antiga. 
Então, se há o lado mais Rock’n’ Roll principalmente nas apresentações de Nicky/Cliff Richard, acompanhado da espetacular banda, “The Shadows”, nas partes mais dramatúrgicas e cantadas, a linha musical é bem tradicional em torno de canções sob uma roupagem instrumental orquestrada. 
Trata-se de uma maneira geral de um cancioneiro bem comedido e antiquado, mas de forma alguma poderia ser considerado ruim. Muito pelo contrário, são boas canções e em alguns casos, até ótimas. E a coreografia que é bastante caprichada, é bem parecida com o filme norte-americano, “West Side Story”, curiosamente lançado na mesma época, portanto a denotar que os produtores de “The Young Ones”, buscaram a orientação "yankee" mais moderna para compor um filme nos mesmos moldes e praticamente de uma forma simultânea.
Uma estrela é sugerida para fazer alguns números como par romântico de Nicky, nesse show que os jovens pretendem organizar. Inicialmente, a sua namorada, Toni (interpretada por Carole Gray), cumpriria tal função. 
Então, eis que surge cheia de soberba, a figura de Dorinda Morell (interpretada por Sonya Cordeau). A cena em que ela faz um ensaio com Nicky e a namorada do galã, Toni, assiste ao fundo do salão, denota bem o grau de ingenuidade antiga que não existe mais neste mundo, visto que o olhar dela, Toni, para o seu namorado abraçado com a cantora profissional, denota uma forma romântica do sentimento de ciúmes e ainda chega ao ponto de culminar com uma lágrima furtiva (como se dizia no mundo da ópera), a escorrer vagarosamente pelo seu rosto. E dá margem para que ela saia do salão e cante uma canção melancólica, sentada na calçada enquanto lastima a situação que lhe gerou um infortúnio amoroso.
Más notícias chegam via telegrama (outra marca indelével da época), e os jovens desanimam, pois a demolição do seu espaço cultural é iminente. No entanto, alguém surge com uma ideia aparentemente vaga, mas que rapidamente é aceita pela coletividade jovem. Dessa forma, eis que procuram um espaço alternativo para o tal show poder se realizar. Sob uma investigação que empreendem em campo, encontram um velho teatro que está abandonado. 
 
Eles o invadem e constatam que está muito sujo, com equipamentos em mal estado de conservação. No entanto, enquanto exploram as dependências do velho teatro, verificam que o sistema de iluminação está a funcionar. Portanto, mediante uma boa limpeza e alguns consertos pontuais, o teatro poderia ser usado novamente. 
 
Todavia, não dá tempo para mostrar tal mutirão de arrumação e limpeza, visto que no mesmo instante, ao melhor estilo de um musical tradicional, simplesmente muitos números são encenados pelos jovens, sob uma tremenda licença poética, visto que são várias sketchs apresentadas, com intensa troca de figurino e com o palco bem iluminado, como se o teatro estivesse impecável. Neste momento do filme, o elemento musical fica ainda mais acentuado, pois nesse pout-pourri, a coreografia tem também um forte apoio do elemento do humor, a configurar um clássico espetáculo ao estilo “vaudeville”.
Mais adiante, como se fosse um recuo na narrativa, são mostradas cenas de aulas de dança para os jovens que formaram tal trupe, além de outras cenas a mostrar o mutirão de fato para preparar o teatro. Conclusão: as cenas musicais anteriores foram inseridas como uma epifania. Tudo bem, em uma narrativa em formato musical, cabe qualquer quebra da estrutura lógica dentro da cronologia da história e mais que isso, o aspecto lúdico abre campo para qualquer inserção fora da realidade.
E por falar em loucura absoluta, os jovens tem uma ideia, ainda mais inusitada, para divulgar o espetáculo: Nicky grava uma canção romântica, acompanhado do grupo, The Shadows (que por muitos anos, de fato o acompanhou na vida real embora tivesse também uma sólida carreira como grupo instrumental, inclusive muito celebrada na história do Rock), de uma forma super precária, mas o suficiente para dar vazão ao plano arquitetado pelos jovens. Então, de uma forma engraçada, porém totalmente inverossímil, preparam uma espécie de rádio amador que é infiltrado em uma falsa barraca simplória, a vender frutas, tomates & afins, que é posicionada estrategicamente em um ponto de uma feira livre de rua. Mediante tal geringonça, o sinal da TV estatal, BBC, a Rede de TV e rádio mais poderosa do mundo, é invadido (pasmem...), e a música gravada por Nicky, atinge milhares de lares na capital britânica. 
O delírio segue, pois não obstante uma rádio pirata arcaica empreender tal proeza nada crível, a reação do público a encantar-se com a canção e o cantor, de uma forma arrebatadora, é ainda mais inacreditável. Até o pai de Nicky escuta e mostra-se encantado com a balada cantada pelo seu filho. Bem, a seguir, mostra-se outro fato inacreditável, com a canção de Nicky a ganhar as manchetes dos principais jornais de Londres, no dia seguinte e daí gerar-se uma enorme expectativa para o show. 
 
A parte mais humorística do filme dá-se com a barraca de frutas camuflada, pois pessoas comuns, donas de casa em predomínio, param para fazer as suas compras e os jovens não sabem nem o valor dos produtos, pois a sua intenção era outra ali. Até um policial interessa-se em comprar um cacho de bananas e por ignorar o preço a ser cobrado, um dos rapazes simplesmente entrega o produto gratuitamente, para o “officer”. 
A confusão está gerada, pois o pai de Nicky espanta-se ao saber que a gravação dessa canção possivelmente acarretará em um lucro colossal, com a perspectiva de um milhão de cópias do disco a ser vendidas. No entanto, a BBC não gostou nem um pouco da invasão, ao colocar a Scotland Yard no encalço dos responsáveis por tal ato. O pai de Nicky encontra-se com a cantora, Dorinda Morell e encanta-se com ela, ao gerar mais confusão ainda, certamente.
Concomitantemente, alguns dos jovens do grupo, articulam um plano em paralelo para sequestrar, Hamilton Black, o pai de Nicky.
O show começa e um espetacular número com o The Shadows é visto. Música instrumental de primeira qualidade, que fez a fama dessa banda, é um dos melhores momentos do filme, sem dúvida. No entanto, a plateia, que lotou inteiramente o teatro, quer mesmo é assistir a performance do cantor, Nicky. Impaciente com a demora, pressiona os apresentadores, inclusive ao chegar em um grau de insatisfação grande, para arremessar objetos no palco a atingir o apresentador. O plano dos outros rapazes para sequestrar Hamilton está em ação e o Rolls Royce imponente do magnata é interceptado no trânsito, para que o senhor Hamilton Black, seja sequestrado. 
Ninguém deseja machucá-lo, apenas tramam para que ele não vá ao teatro, acompanhado de agentes da Scotland Yard, com o intuito de cancelar o show, como temiam. No entanto, Nicky, que está no encalço, acode o seu pai e ambos brigam com os demais rapazes, em uma cena a lembrar as lutas coreografadas do antigo “telecatch” da TV. 
 
O pai muda de posição e chega com o seu filho ao teatro. Nicky entra em cena rapidamente e acompanhado do The Shadows, canta enfim a balada, “Living Doll”, para gerar suspiros entre os seus fãs, aliás, predominantemente formada por garotas bem jovens, a antecipar a gritaria da Beatlemania. Hamilton chega ao clube que desejava demolir e o seu filho assume ser Nicky, o cantor: -“from now on, I’m Nicky”...
Hilário, sob outro número bem coreografado, Nicky, em meio a muitos bailarinos e a sua namorada, Toni, traz o seu pai para entrar em cena juntamente. Sem jeito algum para enfrentar uma plateia, ele logicamente reluta na coxia do teatro, no entanto, eis que resolve atender aos apelos de seu filho e adentra o palco, para cantar e até apresentar uma coreografia leve, condizente com o seu corpanzil nada atlético, mas o suficiente para angariar a simpatia da plateia. O coração capitalista do senhor empreendedor, amolece e a casa de shows não será mais demolida, segundo anuncia. Final mais do que feliz, portanto.
Em suma, uma história bem simples; municiada por boa música, e a conter coreografias muito caprichadas. Existe até efeitos bem avançados para a época, vide a cena em que Nicky e a sua namorada cantam pelas ruas desertas de Londres, em plena madrugada e a simular uma inspiração no filme norte-americano, “Singing in the Rain”, quando em um dado momento, voam, literalmente, a usar um sistema de cordas invisíveis, efeito não usual para a época e hoje em dia largamente difundido em filmes de ação, notadamente em produções a envolver super-heróis da Marvel. E também na coreografia em si, percebe-se muitas ideias bem modernas para a época, portanto, um ponto positivo.
E claro, na porção mais Rock’n‘ Roll do filme, os números são muito bons, com Cliff Richard, muito jovem e a dar conta do recado, sem deixar de mencionar o suporte instrumental de uma banda histórica como foi o The Shadows. Aliás, conta-se que a ideia inicial da produção foi incluir os músicos dessa banda, como atores a defender personagens e interagir com diálogos na trama, mas detectou-se a falta de traquejo dos rapazes para a atuação dramática e assim escalou-se atores profissionais para cumprir a tarefa. Convenhamos, foi melhor assim.
 
Por falar em atores, eis alguns não citados anteriormente: Teddy Green (como Chris), Richard O’Sullivan (como Ernest), Annette Robertson (como Barbara), Melvyn Hayes (como Jimmy), Sean Sullivan (como Eddie), Harold Scott (como Dench), Gerald Harpper (como Watts), Robertson Hare (chauffeur) e Rita Web (a senhora, dona de casa na cena da feira livre).
 
Carole Gray, quando canta, na verdade só filmou a dublar, pois os seus dotes vocais não eram bons o suficiente para tal função. A verdadeira voz que foi emprestada para ela cantar, foi gravada por Grazina Frame, que aliás, também era atriz e emprestou a sua voz para outra atriz (Lauri Peters), em outro filme de Cliff Richard, chamado: “Summer Holiday”, lançado em 1963. 
 
As cenas realizadas no teatro, que no filme foi chamado como “Countess Theatre”, na verdade, tal locação foi efetuada no: “Finsbury Park Empire Theatre”. 
 
Nos anos 1980, esse filme inspirou um seriado na TV britânica, com o mesmo título e mais recentemente, em 2007, e com remontagem em 2013, tal musical foi encenado no teatro. Outra curiosidade, nos Estados Unidos, o filme foi lançado com outro nome: “Wonderful to Be Young“, em 1962.

Foi escrito por Richard Myers e Ronald Cass. Coreografia por Herbert Ross. A maioria das canções foi composta por Stanley Black e Ronald Cass, mas outros compositores contribuíram, igualmente. Dirigido por Sidney J. Furie. Foi lançado em dezembro de 1961, com muito sucesso na bilheteria das salas de cinema no Reino Unido e também em outros países. Passou bastante na TV aberta, com muitas reprises nos anos sessenta e até a metade dos setenta, pelo menos. Está disponível com cópia em DVD (ao menos em 2019, quando escrevi esta resenha), mas por outro lado, é bem difícil para ser achado em portais de filmes na Internet. 

Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", em seu volume III e está disponível para a leitura através da página 87.

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