sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Filme: The Stoned Age (Dois Loucos na Noite) - Por Luiz Domingues

Existe uma boa quantidade de comédias a envolver o Rock, diretamente, entre as quais, algumas são excelentes e já foram objeto de minha análise. Há uma segunda categoria, a usar o Rock como mote, mas sob outros aspectos, mais indiretos, digamos e também se arrola algumas que são boas. Igualmente existe uma quantidade de filmes, a caracterizar uma terceira via, em tom de comédia a usar o Rock apenas como um pano de fundo e a despeito desse tipo de peça poder ser considerada menor no universo dos Rock Movies, algumas merecem uma menção, nem que seja pelo fato da boa trilha sonora utilizada como apoio ou por conter algumas menções interessantes, e é justamente o caso deste filme, “The Stoned Age”, que em português recebeu o nome: “Dois Loucos na Noite”. 
 
Aliás, tal título em português, apesar de haver colocado-se totalmente fora do contexto da intenção original da produção norte-americana, por incrível que pareça foi muito mais condizente com o seu teor, e ao longo da resenha o leitor vai entender bem qual foi a razão que eu fiz uso para defender tal tese, visto que a tradução livre a designar algo como: “A Era dos Drogados”, soaria pesado em demasia perante a nossa compreensão cultural luso-brasileira. 

Neste caso, os pontos que precisam ser salientados como positivos, na realidade são poucos. Em linha geral, trata-se de uma comédia popularesca, com forte conotação sexista e mostra-se reducionista, se levar-se em consideração que o machismo apresentado, apesar de supostamente retratar a mentalidade de uma época mais remota e a justificar-se como uma marca de um outro estrato cultural e ultrapassado em tese, é abominável, na prática. 
 
E reduz igualmente o conceito sobre o que representa realmente ser um Rocker, visto que a exemplificação aqui é superficial, no sentido em mostrar um bando de garotos incautos e imaturos que não são Rockers verdadeiramente, mas que seguramente apenas seguiram um modismo de ocasião, ao adotar o Rock como uma predileção musical por osmose e por conseguinte, usar longas cabeleiras e figurino condizente com o padrão setentista, mas sem nenhum ideal a justificar tal identidade, verdadeiramente.
Ora, se a comédia é fraca e os clichês abundam-na, por quê eu perdi o meu tempo em escrever uma resenha para esta peça cinematográfica que mostra-se seguramente subalterna dentro do universo dos Rock Movies?Justamente por que existe algo interessante a ser ressaltado, mesmo que tal fatores positivos estejam representados por apenas alguns detalhes ínfimos. 
 
Antes de comentar sobre a história retratada neste filme, eu preciso mencionar que a produção é bastante falha. Ao tratar-se de uma produção norte-americana e mesmo que tenha sido sob um padrão mediante baixo orçamento, é bastante precária a direção de arte (a fotografia também é muito ruim), algo surpreendente, aliás, pois o cinema norte-americano nunca deixa de caprichar, mesmo que a verba seja curta, nesse específico detalhe. Costuma ser impecável a retratação em um filme de época, um ponto de honra para o cinema estadunidense, no entanto, se a proposta deste filme foi ambientá-lo nos anos setenta, acredito que deixou muito a desejar, pois um espectador desavisado vai assistir e acreditar piamente tratar-se de um filme dos anos noventa, aliás, a data real quando ele foi realizado. 
Nesses termos, abundam pequenos detalhes, inclusive tecnológicos a denunciar objetos e outras questões ali mostradas que simplesmente nem existiam nos anos setenta. A começar pelo figurino, onde vê-se jovens, inclusive um dos protagonistas, a usar uma indumentária bem típica dos seguidores da moda “Grunge”, tipicamente noventista e talvez os responsáveis pelo figurino aprovaram tal indumentária, ao imaginar que lembrava a vestimenta usual de um Rocker setentista, no entanto, isso é algo tão gritantemente anacrônico, que decididamente depõe contra a obra. 
 
É o tal negócio: o ator encena “Cyrano de Bergerac” no teatro, no período noturno e resolve aproveitar a mesma peruca para gravar as cenas de um filme ambientado entre os anos sessenta e setenta do século vinte, a interpretar um hippie, no dia seguinte pela manhã, ao imaginar que basta aparentar usar um cabelo longo para caracterizar bem tais épocas culturais tão distintas entre si, mas simplesmente não é assim que funciona. Por isso o departamento de arte, figurinos e cenários, tem que estabelecer um trabalho de pesquisa a mostrar-se minuciosamente estudado para fazer-se um filme de época, pois não é pela observação superficial que consegue-se o resultado ideal. E falhas assim, extraem a credibilidade do texto, mesmo que ele seja bom, pois fica a impressão amadorística a obscurecer o bojo da obra. Imagine então tal demérito em uma comédia rasa, sem substância no texto.
Bem, se esta comédia é fraca, contém falhas estruturais no tocante à sua produção e traz uma tonelada de clichês, alguns desagradáveis, inclusive, o que realmente salva-se nesta obra a justificar esta resenha? São dois pontos, e o primeiro deles é sobre a questão da trilha sonora. Ao ambientar a ação nos anos setenta, ao menos houve a preocupação em escolher canções de artistas dessa ocasião. Mesmo assim, ainda a ressaltar as falhas, há lapsos, pois houve por exemplo o caso de uma canção que somente fora lançada no início dos anos oitenta, mesmo que fosse pertencente a uma banda setentista (Blue Öyster Cult). 
 
Não sei nem o que dizer, pois o baixo orçamento disponibilizado não pode justificar a falta de uma pesquisa básica. Tirante esse erro lastimável, a trilha sonora é muito boa ao contar com músicas de artistas do calibre de: Deep Purple, Montrose, T.Rex, Black Sabbath, Foghat, Ted Nugent, Focus e outros, além de artistas da seara da Soul Music/Funk & Disco Music, casos do KC and The Sunshine Band, The Trammps e  B.T. Express entre outras.
E o segundo ponto positivo na película, é algo inusitado eu diria, pois parece muito pouco para justificar ser destacado, todavia, é uma menção curiosa. Trata-se da participação da atriz, China Kantner, como uma das protagonistas. O que tem demais essa moça, além de ser muito bonita (e à época dessa produção, bem nova), e por contar com o seu exótico nome, “China”, que é o seu nome de batismo de fato e não um apelido? Pois tal notoriedade não reside tampouco no fato dela ser uma norte-americana caucasiana e não oriental (e nem mesmo descendente de chineses), mas simplesmente por ser filha dos famosos, Paul Kantner & Grace Slick, respectivamente guitarrista e vocalista do grupo de Rock, Jefferson Airplane (e posteriormente da banda dissidente, Jefferson Starship), um dos mais famosos da cena psicodélica de San Francisco, nos anos sessenta. 
 
Se há algo verdadeiramente Rocker nesse filme, certamente que é a presença de China Kantner, embora o papel que ela tenha interpretado não tenha sido o de uma Rock Star ou coisa que o valha, mas ao contrário, a designá-la como a uma moça comum, e Rocker por conveniência, tal qual todas as outras personagens dessa trama.
Sobre a história, creio que não valha a pena narrar-se com um maior detalhamento, como eu costumo proceder em uma resenha de filme, pois realmente a sua trama é muito fraca, mas sobretudo, por considerar que descrever esse roteiro não acrescenta nada. Traçarei um resumo breve e destacarei algumas piadas um pouco mais sutis, algo raro em um filme que optou pelo humor mais rústico.
Muito bem, dois jovens adolescentes, Joe Connoly (interpretado por Michael Kopelow) e Michael Hubs (interpretado por Bradford Tatum), são hedonistas despreocupados com outras ocupações a não ser a busca incessante por noitadas regadas a bebedeiras e consumo de drogas, diversão barata mediante interesses em comum com outros garotos de sua idade, e sobretudo, a procurar pela companhia feminina em busca do sexo livre. Eles andam com um carro todo decorado mediante o uso de decalques auto adesivos a exibir logotipo de bandas de Rock setentistas e dirigem a ouvir cartuchos a conter os discos de seus grupos prediletos. Eis que eles são informados que haverá uma festa em algum lugar da cidade (Torrance, Califórnia) e que duas garotas muito bonitas, participarão. 
Nesse ínterim, a informação é vazada e outros rapazes também interessam-se em participar. A ideia inicial é invadir uma residência desocupada, algo bem trivial na cultura jovem norte-americana e neste caso, para reforçar a piada, a casa em questão pertence ao ator e cantor, Frankie Avalon, que fora muito famoso nos anos sessenta, na vida real, ao protagonizar inúmeros filmes juvenis ambientados na praia, ao ponto em ter sido adjetivado como um membro da “turma da praia”, na ocasião. Bem, confusões ocorrem entre os adolescentes, com brigas concretizadas pelas vias de fato e a polícia a acionada, com mais confusão a ser gerada.
Eis que as garotas em questão entram em cena. Lanie (interpretada por Renee Griffin) e Jill (interpretada por China Kantner), são duas meninas dotadas de uma beleza estonteante e as rapazes ficam desnorteados. O sexismo e o machismo inseridos no mote desse filme, reverbera em torno das expectativas geradas portanto entre os dois casais, visto que na mentalidade juvenil dos meninos, as garotas são meros objetos sexuais. Eles as consideram como: “chicks”, uma gíria tipicamente norte-americana que tem uma conotação mais pesada do que pensamos, pois denota exatamente a expectativa masculina padrão em torno da mulher objeto. 
 
A contrapartida é que as meninas também nutrem uma mentalidade semelhante, mas não em termos de submissão ou resignação em assumir um papel de inferioridade nas relações humanas, mas por usar tal predisposição machista como um ardil para obter o que desejam. A trocar em miúdos, é a atitude daquele tipo de garota que usa a sedução para manipular os rapazes e obter o que deseja deles, nem que seja o simples prazer em torturá-los psicologicamente, ao excitá-los com o uso da sensualidade insinuada e não a satisfazê-los a posteriori. Bem, não deixa de ser um tipo de machismo, igualmente.
Uma confusão ocorre e os rapazes caem em uma armadilha com outros oponentes a expulsá-los e prender as meninas, mas eis que eles conseguem fugir e resgatar as meninas, a pular muros pela vizinhança e até a usar a piscina alheia em algum momento. 
Uma vez na residência de Jill, eles ficam bem alterados e uma alucinação de Joe remete a uma visão do show do grupo, “Blue Öyster Cult e também visões com o “Eye Ball”, um ícone psicodélico em termos gráficos. 
 
Eis que Hubs & Lanie sobem ao quarto e Joe & Jill ficam embaixo a conversar. Joe, apesar de esforçar-se em ser desinibido, na verdade é tímido e demora muito para tomar uma atitude em relação à Jill e quando Joe desce, este diz que encerrara o sexo com Lanie e que esta aguardava por Joe no quarto, para praticar sexo com ele, igualmente. Ele vai ao quarto, mas quando chega ao recinto, a vê adormecida. Quando desce e bem desapontado por conta disso, flagra o amigo Hubs com Jill no sofá a beijar-se, ou seja, o amigo lograra um êxito duplo com as meninas e ele, Joe, não ficara com ninguém. 
Eis que o pai de Jill chega repentinamente em casa e sozinho, dá cabo dos adolescentes, inclusive dos demais que rondavam a residência, talvez na cena mais engraçada do filme, pelo inusitado em ver um homem de meia idade e sozinho, a abater muitos garotos fortes com menos da metade da sua idade e sem ser portador de nenhum super poder ou a carregar armas letais, no entanto imbuído apenas do seu poder braçal e humano, mesmo. 
Joe e Hubs conseguem fugir, a polícia enquadra os demais adolescentes bagunceiros e o filme encerra-se com a dupla a ouvir o som do Blue Öyster Cult no cartucho do carro, ao dar a entender que a rotina será mantida por mais um bom tempo por ambos, a cada nova noite em busca da diversão em meio aos anos setenta. E para o consolo de Joe, Jill deixara-lhe um bilhete, para que ele a procurasse em outro endereço, mais tarde. Destaca-se uma cena extra, onde os rapazes protagonistas aparecem com camisetas dessa banda e ao descobrir que são pirateadas e não oficiais, as recusam das mãos de Eric Bloom e Donald “Buck Dharma” Roeser, dois membros verdadeiros de tal banda citada, que aparecem como cambistas de seu próprio show. E o ator, Frankie Avalon, em pessoa, aparece para uma cena rápida a interpretar a si mesmo, como o dono da residência invadida.
Nos registros sobre a história desse filme, consta que a intenção inicial de seus realizadores, fora utilizar muitas músicas do Led Zeppelin como parâmetro para sedimentar a narrativa. No entanto, como é bem sabido, obter a permissão a usar os direitos autorais dos fonogramas e edição de uma banda desse porte, é muito difícil, para não dizer impossível, mesmo caso dos Beatles e dos Rolling Stones, portanto, optou-se por uma outra safra de artistas a compor a trilha e nesse quesito, como já informei, muitos sons ótimos são escutados.
Uma pena por outro lado, visto que pelo que eu entendi, a intenção da produção seria modificar significativamente o roteiro, ao utilizar as músicas do Led Zeppelin como um parâmetro ao estilo de um libreto de ópera, portanto, nesse caso o filme ganharia um outro verniz mais sofisticado, eu acredito.
 
A acrescentar outros atores que participaram, cito: Clifton Collins Jr. (como Taks), Kevin Kilner (como o policial Dean), o comediante Taylor Negron (como Clerk), David Groh (como o pai lutador de Jill), Michael Wiseman (como o irmão de Crump), Art Chudabala (como Mike Dick), Daniel Collins (como Crump), e outros.
Escrito por James Melkonian e Rich Wilks, foi dirigido por James Melkonian. Lançado em 1994, é tratado como uma produção barata e consequentemente como uma atração menor, feita para ser exibida no máximo na sessão da tarde, para ser assistida sob soslaio enquanto cochila-se no sofá, após o almoço, mas pelo teor sexual e a envolver cenas com drogas e bebidas, além do linguajar chulo, ao pensar bem, acredito que seja mais adequado em assistir-se em meio a uma eventual sessão coruja, no avançar da madrugada e com a certeza que os pais estejam a dormir, caso o espectador seja um adolescente, tal qual os atores protagonistas deste filme. 
 

Brincadeiras à parte, esse filme realmente transitou em exibições desse teor, sem maior destaque. Ainda assim, foi lançado em formato VHS na época e posteriormente ganhou versão em DVD. Está disponível no YouTube, na versão integral e gratuita, na época em que escrevi a resenha (2019).

Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll, em seu volume III, com a leitura disponível a partir da página 254.

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