Após o sucesso do programa "Sábado Som", e mesmo
que fosse exibido através de uma emissora arredia para como Rock, normalmente, pela sua orientação
conservadora por natureza, a Rede Globo emitiu sinais que mesmo possivelmente a contragosto, não
podia ignorá-lo, mesmo por que, foi uma época na qual a MPB mais atuante, mostra-se quase
que orientada pela mesma matriz.
Não se pode deixar de mencionar que
desde que entrou no ar em agosto de 1973, a revista dominical denominada, “Fantástico”, mantinha como
quadros fixos (até pelos menos 1978), a exibição de clips produzidos
exclusivamente por/para ela própria, a criar o paradigma de veicular um artista internacional, geralmente a se tratar de promos ou trechos
de shows ao vivo, e no caso dos artistas nacionais, inúmeras bandas de Rock
brasileiras se valeram dessa abertura, tais como: O Terço, Mutantes, Made in Brazil,
Secos & Molhados, Casa das Máquinas, Raul Seixas, Erasmo Carlos etc.
Outro fator importante a ser destacado, muitas trilhas de seus
programas jornalísticos usavam trechos de obras oriundas de bandas de Rock, notadamente
artistas versados pela orientação dentro do Rock Progressivo, ou pelo viés do Jazz-Rock, uma
outra tendência inevitável para o início/meio da década de setenta.
Nesses termos, a emissora arquitetara em sigilo um
novo programa a ser lançado em 1977, mais ou menos nos moldes do "Sábado Som" de
1974, mas remodelado, e que viria a ser o "Rock Concert".
A base seria a mesma, ou seja, pautado pela exibição
de shows ou performances em estúdio de TV, de bandas internacionais em voga,
ao valer-se do acervo de programas norte-americanos e europeus, do tipo: “Don
Kirshner’s Rock Concert, Midnight Special, Beat Club, Sights & Sounds da BBC de Londres, Rockpalast,
Musicladen e ZDV da Alemanha, Ratatata da França, além do acervo das TV’s Granada da
Inglaterra e Rai, da Itália, sempre abertas e generosas ao Rock.
O diferencial em relação ao velho
"Sábado Som", seria uma locução em "off", a discorrer sobre os artistas enfocados, mas com
informações mais enxutas, ao contrário das intervenções mais robustas da parte
do crítico musical, Nelson Motta como um âncora tradicional, e nesse aspecto, seria uma pena não contar
com a sapiência de tal jornalista cultural, experiente e antenado.
Todavia, esta matéria não é para dissecar o
"Rock Concert" em si (falarei sobre isso em outra matéria, naturalmente), mas
para falar de seu “balão de ensaio”, que a Globo soltou de uma forma muito
inusitada.
Para quem vive os dias atuais e se
acostumou com os especiais de Reveillon que tal emissora coloca no ar,
recheados por artistas popularescos, é difícil crer que lá
no longínquo Reveillon de 1976, a anunciar a entrada de 1977, um especial de
Rock foi colocado no ar, para ilustrar tal celebração.
Chamado como: “Rock Concert”, a partir da
passagem do Natal de 1976, foi divulgado na grade da emissora como a atração a
ser exibida durante a noite de 31 de dezembro de 1976, com ênfase, eu diria, e claro
que os Rockers agitaram-se com tal perspectiva.
Nós, telespectadores comuns, não
sabíamos, mas foi um teste que a emissora estabeleceu, talvez por julgar ser um dia em
que as pessoas em geral estariam preocupadas com as suas comemorações familiares e
mediante a suposta pouca audiência gerada para essa noite, portanto, ao considerar ser uma oportunidade para testar o
novo produto que planejavam colocar na grade, algum tempo depois.
Estratégias de marketing à parte, para
nós, Rockers, não importavam os objetivos desses executivos da emissora, mas o
conteúdo que seria disponibilizado. E assim, com uma locução em off, bem
discreta e a fornecer apenas os dados generalizados de cada artista que ali foram exibidos, um
especial de uma hora de duração ocorreu na meia noite de 31 de dezembro de
1976, ao nos fornecer um Feliz Ano Novo com teor Rocker e foi memorável.
Foi na verdade algo inacreditável estar sintonizado
em uma emissora de TV nesse dia e nessa hora e constatar as performances de bandas
absolutamente incríveis e fora de qualquer esquadro popular que justificasse
tal exibição, no entanto, isso de fato aconteceu...
E assim, Johnny Winter desfilou o seu
Blues-Rock ensandecido, com a sua guitarra
infernal a mandar uma verdadeira rajada de riffs e solos com o devido sabor texano, pelo tubo das
pesadonas TV’s analógicas, mas sim, “em cores”, o grande valor agregado ao imaginário popular
pós-1972.
O Hard-Rock Pop e sensacional do "Bad Company", uma banda formada por ex-membros
de bandas importantes da cena britânica, e que era apadrinhada pelo Led Zeppelin
e empresariado pelo mesmo manager da banda de Page, Plant & Cia., Peter
Grant, também animou a festa do Reveillon Rocker de 1976 na Globo.
Absolutamente incrível a festa dos
italianos da Premiata Forneria Marconi, o popular “PFM” entre seus fãs (me incluo
nesse rol, grazie a Dio!), em uma rara exibição dessa grande banda de Rock
Progressivo da maravilhosa Itália, aqui no Brasil.
Para ir além, como imaginar assistir na TV, em uma
noite de Reveillon, uma performance do Gentle Giant, um dos nomes mais
sensacionais do Rock Progressivo britânico?
Banda marcada pelo trabalho hermético, difícil
até para fãs do próprio gênero progressivo, dada a sua técnica e o caráter
cerebral de sua obra e arranjos sofisticadíssimos, foi inacreditável vê-la ali
em uma data incomum dessas, a tocar peças como “In a Glass House”, com forte
tendência experimental, uma peça musical nada “Pop”, portanto.
Uma outra participação muito especial e rara na TV brasileira, foi a de Todd
Rundgren's Utopia, uma banda liderada pelo louquíssimo guitarrista, Todd
Rundgren, que não era muito conhecido dos Rockers brasileiros, a não ser pelo fato
desse guitarrista ter sido produtor de alguns álbuns do Grand Funk Railroad.
Além dessas cinco atrações, sensacionais
por si só, ainda houve um pouco de Soft-Rock, da parte de Cat Stevens, um
artista igualmente muito bom, e bastante querido pelos Rockers em geral, penso
assim, também.
Bem, como eu já disse, muitos anos depois
o Reveillon da Globo ficou no comando do comunicador popular, Faustão Silva, e já de uns anos para cá,
mesmo sem a presença de tal comunicador mais na apresentação, tem sido especiais recheados com artistas
popularescos de ocasião, destes descartáveis que os marketeiros inventam e jogam goela
abaixo do povo, o tempo todo.
Mas houve um Reveillon na Rede Globo,
em que o Rock de alto padrão foi a atração em seu momento de clímax, à meia
noite... e foi em 1976.
Assista acima um pouco da música complexa do Gentle Giant, um tipo de grupo inimaginável para ser exibido na grade das TV's abertas dos tempos em que vivemos e a nos provar que avançamos muito tecnologicamente, ao falar em relação aos anos setenta do século passado, mas no âmbito cultural propriamente dito, não temos a mesma equivalência.
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie em 2016
Incrível esse post, meu caro Luiz, nada mais surreal do que Gentle Giant na programação da Globo, especialmente em datas especiais como essa... Meus neurônios não confirmam, mas certamente assisti a isso. E “In a Glass House” (originalmente lançado apenas na Holanda) é o melhor progressivo que já ouvi, ponto alto no gênero que, por sua vez, deixou de ser minha praia há muito tempo...
ResponderExcluirAbraço
Tony Babalu
Mas que maravilha receber a sua visita em meu Blog, e ter sua opinião expressa aqui com direito a comentário, grande Tony Babalu.
ExcluirDe fato, inacreditável que um especial de Rock de alto padrão tenha sido exibido numa noite de Reveillon, numa emissora popular como a Rede Globo, mas aconteceu...
Outros tempos, naturalmente, com a mentalidade de seus dirigentes não inteiramente comprometida com a opção pelo popularesco e o lucro fácil a todo custo.
Legal, mestre !
Feliz por sua visita e manifestação !!
Grande abraço !!