Lançado em
1979, o filme britânico, “Radio On”, não é propriamente um Rock Movie e na
verdade, trata-se muito mais de um Roadie Movie, misturado com elementos
típicos do cinema alternativo alemão, sob uma primeira análise. No entanto,
apresenta em seu bojo uma característica forte (praticamente como um suporte ao
roteiro), que o aproxima muito do Rock propriamente dito e ao avançar mais
ainda, tem muito a ver com a atmosfera sombria que assolou a Inglaterra e a
Europa inteira por extensão, ao final dos anos setenta. Portanto, tal película contribuiu
por conseguinte, ao designar como seria a década de oitenta, por antecipação.
O fato, é
que o personagem principal do filme, Robert (interpretado por David Beames), é
um DJ que faz a programação de uma emissora de rádio e que atua dentro de
fabricas, para entreter os operários durante o expediente. De fato, esse modelo
de emissora alternativa existiu na Inglaterra e aqui é óbvia a referência à
United Biscuits Network, que operou dessa forma, nos anos setenta (entre 1970 e
1979). Ocorre que por conta desse personagem ser um DJ de rádio, o filme
transcorre o tempo todo a conter música, seja nas cenas iniciais dentro de uma
fábrica, seja no trânsito, enquanto o personagem dirige pelas ruas de Londres e
igualmente em sua residência, quando ouve discos de vinil ou simplesmente liga
o rádio.
A história
avança com o suicídio do irmão de Robert e este, fica obcecado em descobrir a
motivação que levara o seu irmão a tomar tal atitude drástica. Nesses termos, Robert
entra em seu carro e inicia a sua jornada ao viajar de Londres a Bristol,
sempre a ouvir música no rádio do seu carro e a conhecer pessoas pelo caminho,
e que são figuras estranhas, mas não acintosamente exóticas e/ou perigosas, mas
pelo contrário, apenas esquisitas e um tanto quanto apáticas.
Todas as
paisagens são duras, quase não há nada bucólico nessa peregrinação e pelo
contrário, o filme investe em paisagens sombrias a mostrar viadutos e vias em
geral, pouco agradáveis visualmente a falar, do subúrbio de Londres. Existem
momentos em que lembra até a desolação do famigerado “minhocão” de São Paulo,
com prédios de apartamentos a circundar vias dessa mesma característica.
É por
conta disso também, que a trilha sonora baseada na produção versada pela estética
do Pós-Punk, emoldura um filme melancólico, com forte sentido existencialista,
a denotar falta de perspectiva, vazio e desilusão com o mundo. E por outro aspecto,
tal passeio do personagem tem muito do cinema alemão alternativo, por uma razão
óbvia, ou seja, o cineasta germânico, Win Wenders, não o dirigiu, mas esteve
nesta produção como um assistente de câmera. E mais que a contribuição de Win
Wenders, muitos profissionais alemães somaram-se aos britânicos, inclusive com
a presença de atores dos dois países, e como resultado, muitas cenas chegam a
confundir o espectador, sobre ser uma ambientação inglesa ou alemã.
Dessa forma,
o som de David Bowie, bem dessa fase de sua carreira, que é conhecida como a
fase Berlinense, quando o artista morou em Berlim e gravou três álbuns de
estúdio com forte carga a apontar para o som Techno com teor futurista (e a
apontar em direção futurista sobre o que o Pós-Punk seria nos anos oitenta),
toca em vários trechos do filme, assim como o emblemático grupo alemão, Kraftwerk,
este um egresso da cena do Krautrock setentista e a trabalhar fortemente com um
som robótico a insinuar ruídos produzidos por máquinas industriais e que tais,
além de outros artistas a apontar na mesma direção, praticamente. E mesmo
quando ouve-se algo quase próximo de um Rock clássico tradicional, ainda assim
já escuta-se uma sonoridade deveras embrutecida, isto é, os anos oitenta já estavam
a chegar, infelizmente.
Escuta-se portanto, o som do Devo (a abominável releitura
de “Satisfaction”, dos Rolling Stones); The Rumour; Lene Lovitch; Eric Goulden;
Ian Dury and the Blockheads e um som da carreira solo do genial guitarrista, Robert
Fripp, que estava a buscar caminhos modernos após ter encerrado as atividades
do seu grande, King Crimson e de certa forma, a antecipar o que seria a reformulação
sonora que a banda teria, assim que voltou à ativa nos anos 1980.
Sting, o baixista
do The Police, e que estava a ingressar em fase sob grande popularidade com tal
banda na vida real, participa do filme como ator e a sua cena, a interpretar um
frentista de posto de gasolina remoto na estrada (o personagem, Eddie), mostra-o
a cantar uma canção de Gene Vincent, mediante uma guitarra desligada. Ele está
a cantar dentro de um furgão abandonado, para em seguida travar um diálogo improvável
com Robert e continuar a cantar, com Robert a cantarolar junto.
É talvez o
único número musical não comprometido com a aspereza Pós-Punk, pois ao tocar e cantar
tão informalmente a canção :“Three Steps From Heaven”, de Eddie Cochran, trouxe
a doçura de uma balada com forte apelo cinquentista, para amenizar toda aquela
desolação Pós-Punk. É preciso deixar a ressalva de que David Bowie, mesmo
quando soou a utilizar tal estética robótica dessa escola, ainda sim
compensou-nos pela extrema beleza de suas melodias compostas, portanto, é uma
atenuante.
Preciso
acrescentar ainda, que algumas cenas mostram-se curiosas. Um exemplo, dá-se quando
o personagem Robert, dá carona para um rapaz que mostra-se muito prolixo e
deprimido e quando este mostra-se posteriormente agressivo e pede para que Robert
pare o carro no meio da estrada para que esse impertinente fosse urinar no
mato, sem vacilar, Robert o abandona, apenas a observar a reação raivosa do
abandonado, pelo retrovisor do carro. É interessante quando Robert, em outra
cena, procura e acha no porta-luvas do carro, várias fitas K7 a conter os
álbuns do Kraftwerk e as suas respectivas capas são exibidas sem parcimônia. Em
outro momento, o personagem protagonista ouve através do rádio do automóvel, os
resultados da rodada do campeonato inglês de futebol e para quem acompanha tal
esporte, é interessante ouvir a locução com aquele forte sotaque britânico a
citar vários clubes tradicionais daquele país.
Várias cenas
noturnas são inseridas, inclusive com a presença de chuva, e o personagem a
dirigir sob tais circunstâncias, torna o filme ainda mais soturno. Em dado
momento, ele conhece duas garotas alemãs e estabelece um relacionamento com uma
delas, Por falar em referência alemã, quando Robert passa pela Westway para
sair de Londres, uma tomada acompanha com calma um grafite pintado em uma
parede como os dizeres: “Free Astrid Prool” (liberdade para Astrid Prool).
Essa mulher citada, Astrid Prool, fora componente do grupo terrorista alemão,
Baader Meinhof, que foi responsável por diversos atentados na Alemanha. Uma menção
sutil a reforçar o laço germânico dessa coprodução com a Inglaterra. Outra cena
curiosa, é quando ele visita uma tia sua, acompanhada da namorada alemã e uma
hostilidade é sentida, com uma certo sentido xenófobo da parte da idosa.
Mais adiante, Robert vai
sozinho visitar um Pub de quinta categoria e envolve-se em uma confusão
completamente gratuita. Ao esbarrar em uma mulher que jogava bilhar, ele atrapalha
a sua jogada. A mulher mostra-se bem agressiva e o adverte com truculência, mas
passados alguns segundos, ele novamente a atrapalha em sua tacada e aí ao pedir
desculpas e justificar laconicamente que aquilo teria sido “um acidente apenas”,
a mulher, por sua vez, revida com um chute violento na base do banco em que ele
estava sentado e ao vê-lo a espatifar-se no chão, responde com sarcasmo que : -“fora
um acidente, apenas’.
Quase ao
final, Robert chega em um lugar esmo, que lembra uma pedreira abandonada. Sob
tal ambientação inóspita, ele dá algumas voltas e ao evadir-se do local,
estaciona o carro na beirada do precipício e em princípio, sugere-se que a
jornada vai culminar em um suicídio. Entretanto, ele apenas desce do carro e em
uma segunda impressão, parece que vai apenas deixar o carro cair, visto que o
aproximou ainda mais da beirada e soltou o freio de mão. No entanto, ele tira
uma fita K7 do porta luvas e sob o som do Kraftwerk, mais uma vez, deixa o
automóvel ali naquela situação periclitante, com as portas abertas e o som a
reverberar muito alto, a produzir um eco natural. Bem simbólico, naturalmente,
mostra a máquina da sociedade industrial a vencer o homem, em via de regra. Robert
caminha até uma estação ferroviária remota e entra no trem, supostamente de
volta à Londres. Aparentemente derrotado pelo sistema, não teve outra alternativa
a não ser retomar a sua rotina na capital britânica.
Particularmente
eu não gosto desse final de anos setenta e menos ainda da década de oitenta,
por uma série de fatores e muitos dos quais tem a ver com a estética do Punk e
do Pós Punk, sob muitos aspectos, e não apenas pela sonoridade adotada por tais
artistas que seguiram tal modelo. No entanto, no caso deste filme, apesar da
rudeza em estar inserido subliminarmente em tais ideias, ele apresenta o seu
valor como documento de época, certamente. Creio já ter elencado tais aspectos
positivos, mas vale acrescentar que há uma valor agregado a mais, no tocante à
presença das suas locações externas. Para quem conhece bem as cidades de Londres
e Bristol, é interessante, certamente, pela visão de uma paisagem urbana familiar
e a conter inclusive, estabelecimentos que nem existem mais ou que passaram por
profundas modificações urbanas, nos anos posteriores a 1979, casos do Camden
Plaza Cinema e o Bristol Hippodrome, por exemplo.
Além dos já
citados atores, destaque também para: Andrew Bryatt (“Deserter”), Sue Jones
Davis (“Girl”), Lisa Kreuzer (Ingrid), Sabina Michael (“Aunt”) e outros.
Em termos de repercussão, tanto pelo resultado nas bilheterias, quanto sobre a opinião gerada pela impressão da imprensa, esse filme mostrou-se muito obscurecido. É geralmente tratado como uma peça relegada a uma posição subalterna, em todos os quesitos
Foi
escrito e produzido por Christopher Petit e lançado em 1979. Desconheço se exista
a cópia em formato DVD, mas é facilmente encontrado no YouTube, para ser
assistido, quando o leitor desejar.
Esta resenha está publicada no livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", através do seu volume II, disponível para a leitura a partir da página 181
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