sábado, 15 de julho de 2023

Filme: Rock of Ages (Rock of Ages, o Filme) - Por Luiz Domingues

É sempre um caminho perigoso a ser percorrido, quando se sugere a linha de um musical como condução de uma produção cinematográfica. E agrava-se muito mais quando a experiência é montada em torno do Rock, pois o público Rocker é geralmente muito mais exigente que o formado por uma plateia comum, que não cria maiores expectativas em torno de um filme qualquer, além da questão do seu entretenimento puro e simples. Nesses termos, ou a produção assume a preocupação em buscar uma substância mais avantajada para satisfazer uma audiência especialista no assunto, ou pelo contrário, decide praticar um pastiche a mostrar uma visão estereotipada do que realmente representa o Rock.
No caso de “Rock of Ages” (“Rock of Ages, o Filme”), a opção escolhida foi pela simplificação do formato, sem dúvida alguma, no entanto, apesar do caráter popularesco observado pela sua produção, o filme não é um completo desastre ao ponto de ser considerado um pastiche e pasmem, contém até certos atrativos. 
Primeiramente, é preciso destacar que a produção é muito caprichada em praticamente todos os quesitos técnicos imagináveis e nesses termos, com um aparato desses em mãos, mesmo um filme fraco, fica tão encorpado visualmente a falar, que tende a encobrir a sua falta do que expressar em termos de texto. 
Segundo ponto e ainda a reforçar a ideia da boa produção, é a questão do bom elenco disponibilizado para o diretor trabalhar. Com atores tarimbados mesclados a jovens valores, o filme também subiu o seu nível. E veja bem, possuir um grande elenco à disposição, nem sempre garante um bom resultado artístico e há exemplos de filmes produzidos com elencos recheados por astros e que naufragaram tanto na avaliação dos críticos, quanto na recepção do grande público. 
E mais um aspecto, ao tratar-se de um musical, é óbvio que a produção se certifica de contratar atores que tenham experiência específica nesse gênero, ou seja, que não apenas interpretem, mas que também cantem e dancem a contento. E de preferência, que também detenham experiência com musicais no teatro. Não foi o caso de alguns atores famosos que atuaram neste filme, que comprovadamente são bons atores e consagrados por executar diversos estilos de papeis, no entanto, com pouca experiência no gênero musical. E a despeito do grande risco assumido, neste caso, o resultado final surpreendeu positivamente.
O terceiro ponto foi a escolha do tema, que mostrou-se fechado em um estilo musical e também especificamente em uma época. Portanto, tirante os fãs do Hard-Rock californiano e oitentista, a chance para que este filme pudesse atingir um público mais abrangente, reduziu-se drasticamente. Dessa maneira, foi um risco muito grande assumido pela produção. 
Não teria sido surpreendente que ao chegar à tela do cinema, a opção por uma modificação drástica fosse adotada, para evitar-se o estigma anacrônico, para que dessa forma a obra fosse diluída, entretanto, o que se observou foi a manutenção do mote original, visto que este musical fora criado nesses moldes para o teatro, em 2005 (escrito por Chris D’Arienzo). 
Pois muito bem, se o espectador deste filme foi adolescente nos anos oitenta, é grande a chance de gostar muito desta obra; de sua abordagem e sobretudo pelo material musical proposto através das canções executadas ao longo da história; além da sua trilha sonora, música incidental e também nas várias menções feitas em prol de tal espectro do Hard-Rock, do Pop-Rock e do Aor-Rock norte-americano produzido nessa década, sobretudo na Califórnia.
Postas tais observações preliminares, a história em si é simples e certamente já bem explorada em outros tantos filmes, ou seja, a história de uma garota de um estado mais afastado dos grandes centros culturais norte-americanos e que sonha em buscar a oportunidade em alçar um voo rumo à construção de uma carreira artística. Daí, é inevitável  fazer com que o espectador a enxergue ao criar coragem; deixar a sua cidade pequena e agrícola e partir para a meca do momento, como uma tática certeira de se angariar a empatia com a personagem. 
No caso, a sua meta é chegar em Los Angeles, onde tal vertente do Rock mais pesado, porém bem Pop, estava a explodir naquela década. É nessa prerrogativa que a sonhadora, Sherrie Christian (interpretada por Julianne Hough), sai do estado do Kansas rumo à Los Angeles na Califórnia, para batalhar por uma carreira como atriz e cantora. Já nas primeiras cenas, é possível delinear isso muito bem, visto que dentro do ônibus de linha em que segue viagem, ela abre uma mala e suspira ao examinar diversas capas de discos de bandas de Rock desse período e isso já mostra o cartão de visitas do que será exibido nesse filme, com capas de discos de bandas famosas dessa década, a transitar entre o Hard-Rock, Pop-Rock e o AOR-Rock oitentista. 
E também já deixa claro o aspecto de vir a ser um musical clássico, com a cantoria a acontecer dentro do ônibus, inclusive com a interação de pessoas comuns, portanto a confirmar a abordagem clássica desse gênero cinematográfico, onde espera-se que as pessoas comuns cantem em qualquer instante e circunstância e acredite, não é todo espectador que aprecia esse tipo de abordagem, portanto, a depender da situação, é grande a chance de haver uma debandada instantânea dos insatisfeitos, a evadirem-se da sala de cinema.
O filme segue, com a garota a chegar em Los Angeles e o inevitável choque com a realidade ocorre, mal ela tenha descido do ônibus, ao tornar-se alvo fácil para todo tipo de gatunos, golpistas & cafajestes de plantão pelas esquinas. Mesmo a passar pelo perigo inevitável, ela vê um garoto a carregar o lixo para uma caçamba, perto de uma casa noturna e eles simpatizam um com o outro. 
Tal rapaz também é um aspirante a artista (Diego Boneta, como Drew Boley), que atua em uma obscura banda chamada: “Wolfang Von Colt”. Ele trabalha como funcionário na casa de shows, “Bourbon Room” e a convida a entrar. Lá, bandas de Rock apresentam-se regularmente, com aquele clima oitentista bem expresso na sonoridade e sobretudo nos figurinos. Enquanto dentro da casa o delírio do público é geral, os seus dois gerentes, esboçam que trabalham bastante, mas sob uma indisfarçável pusilanimidade. 
Trata-se da dupla formada por Lonny Barnett (interpretado por Russell Brand) e Dennis Dupree (interpretado por Alec Baldwin). Logo no início, não, mas ao longo do filme, eles insinuam tendências homossexuais e de fato, assumem um romance, inclusive marcado por um número que cantam em duo.
O contraponto dá-se com a presença da personagem, Patricia Whitmore (interpretada por Catherine Zeta-Jones), que e a esposa do prefeito, Mike Whitmore (interpretado por Bryan Cranston), e que lidera uma cruzada em prol da “moral e dos bons costumes” e assim, mediante outras simpatizantes, organiza protestos na porta da referida casa, mediante o objetivo de articular-se para banir o Rock da cidade. Bem, na vida real, em Sunset Strip, as autoridades de Los Angeles tentam acabar com o Rock desde 1966, isso não é uma novidade naquela cidade.
Sherrie aceita o trabalho, certamente, e engata um namoro com Drew. Ambos são aspirantes à vida artística e enquanto não surge alguma boa oportunidade, sobrevivem com postos subalternos dentro do Bourbon Room. Cenas com diversas menções ao Rock oitentista, sucedem-se e com direito até a uma cantoria ocorrida dentro de uma unidade da famosa, “Tower Records”, uma rede de lojas de discos que fez história no comércio norte-americano, por décadas e claro, com total ênfase a retratar a década de oitenta. Aliás, a ação do filme desenrola-se no ano de 1987, segundo consta na narrativa da história.
Outra cena bem clichê, ocorre quando o personagem, Stacee Jaxx, confronta e debocha bastante da senhora primeira dama, defensora da moral. Stacee é um Rock Star extremamente temperamental, arrogante e muito fora da realidade, ao exibir trejeitos de um monarca absolutista, por tratar a todos como subalternos ou melhor a dizer, vassalos. Interpretado por Tom Cruise, um ator versátil que já compôs personagens os mais variados, ei-lo aqui a interpretar um Rock Star decadente e histriônico, e diga-se que no qual ele o conduziu muito bem. É inevitável, o personagem a parecer-se com muitos tipos da esfera do Hard-Rock dos anos oitenta. Não é o meu caso, pois este gênero desagrada-me pessoalmente, no entanto, aos mais versados por tal estilo, será inevitável estabelecer diversas comparações, de Vince Neil a Dee Snider e muitos outros contemporâneos de ambos. 
De resto, vê-se Stacee em camarins faraônicos, envolto em orgias; drogas e muitas mulheres seminuas, a reforçar o estereótipo do Rock Star  a revelar-se catatônico em seu próprio hedonismo. Claro que muitos assim comportam-se na vida real, porém tal tipo de comportamento não é exclusivo dos Rockers. Basta haver fama & dinheiro e o deslumbramento atinge outros artistas, em outras vertentes musicais, atores, jogadores de futebol, subcelebridades alavancadas pela TV e em outros setores da sociedade, que eu não vou mencionar, mas o leitor certamente vai deduzir sobre quais segmentos eu refiro-me veladamente. 
Há o lado humorístico e isso é divertido, na figura do macaco, Mickey, que é apelidado como: “Hey, Man”. Pois “Hey, Man” é uma espécie de mordomo de Stacee e dessa forma, proporciona boas piadas ao filme.
Stacee chega ao Bourbon Room e garotas entram em frenesi, inclusive com direito a desmaios, mas Stacee mantêm-se a flutuar em sua soberba. Uma repórter da revista Rolling Stone solicita-lhe uma entrevista (Constance Sack, interpretada por Malin Akerman). Em princípio, Stacee a esnoba bastante, mas posteriormente, investe sobre ela e a seduz. Nesse show, o aspirante a Rock Star, Drew Boley terá uma grande chance, pois fará o show de abertura com a sua banda. Ele entra com timidez no palco, mas apesar da frieza inicial da plateia, consegue cativá-la e encerra a sua apresentação com uma ovação. O empresário de Stacee (Paul Gill, interpretado por Paul Giamatti), presta atenção nesse detalhe e logo aborda Drew, a oferecer-lhe uma chance, mas no decorrer da história, isso revela-se como um embuste.
O folhetim tradicional é inevitável, ainda mais em um musical tradicional e assim, por uma mera confusão, Drew vê a sua namorada, Sherrie a sair do camarim de Stacee e interpreta tal visão como um ato de traição. O namoro encerra-se e Sherrie abandona o emprego no Bourbon Room, para ficar errante pelas ruas de Los Angeles, até que arruma um emprego como garçonete em um clube que tem como atração, a prática do pole dance. Obviamente que em tal passagem, as cenas carregam na sensualidade das moças, inclusive da própria personagem, Sherrie, pois ela adota um visual sexy como garçonete desse estabelecimento e em algum momento, vai atuar no pole dance, certamente. 
Nesse ínterim, Drew pensa que o empresário Paul irá impulsioná-lo em uma carreira como ele sonha, a apresentar-se como um guitarrista e cantor Rocker, mas demora um pouco a perceber a intenção nefasta do empreendedor. Tanto que Drew e Sherrie encontram-se por acaso e ela estranha o visual novo do rapaz, mais a parecer um galã de seriado de TV (irônico, o ator em questão, Diego Boneta, que é mexicano de nascimento, ficou famoso em seu país ao participar do elenco da novela adolescente: “Rebelde”). Stacee, por sua vez, parece haver impressionado-se com a repórter, Constance, pois ele liga para a redação da revista a procurá-la. Os protestos na porta do estabelecimento, liderados pela esposa do prefeito, acirram-se, mas claro, culmina em um número musical até divertido, em formato “mashups”, que vem a ser uma mistura entre duas canções diferentes.
Um novo show de Stacee vai ocorrer e desta feita a nova banda de Drew irá fazer a abertura, mas o que observa-se é uma ridícula “Boy Band”, com Drew e mais alguns rapazes a dublar um som ultra pasteurizado, a constituir-se de um Pop descartável de quinta categoria. Pior ainda que a música insossa, o visual usado pelos componentes do grupo é ridículo e a coreografia empregada, medíocre. Claro que o público que é essencialmente entusiasta do Rock oitentista, rejeita de pronto e Drew sente-se envergonhado. 
O empresário, Paul, abandona a Boy Band ridícula que criou (“Z-Guys”) e o macaco, “Hey, Man”, o agride. Drew apanha uma guitarra e tenta remediar o vexame ao simbolizar estar a voltar para o Rock, junto à sua antiga banda. 
Ele e Sherrie cantam uma canção do “Journey” (“Don’t Stop Believin”, é lógico), e tudo acaba em euforia, com direito à participação da esposa do prefeito, vestida com uma roupa de couro e a mostrar-se uma entusiasta do Rock e a jornalista, Constance, a mostrar-se grávida e demonstrar por dedução, que o Rock Star, Stacee Jaxx, irá acalmar o seu ímpeto histriônico doravante, assim que tornar-se um feliz e responsável papai.
Em suma, trata-se de um musical com uma estrutura de roteiro bem tradicional, a conter os elementos típicos do romance, para usar o recurso do mal-entendido para abalar relações amorosas e certamente após resolver os conflitos inerentes que dão sustentação à história, culminar em um final feliz. Há o elemento do humor, em várias matizes, do pastelão ao deboche e a música chama a atenção por conter mega sucessos da época retratada, e mesmo que o espectador não seja um fã incondicional de tal estética e de seus artistas, há por reconhecer grande parte das canções executadas, nem que seja por osmose. 
A opção pelo Hard-Rock e Pop-Rock oitentista, faz parte do libreto original que chegou aos teatros e manteve-se na versão cinematográfica e há um elemento a mais que eu não expliquei com maiores detalhes anteriormente, mas faz parte: o estilo “AOR” (Adult Oriented Rock), uma típica vertente do final dos anos setenta e que avançou pelos anos oitenta a influenciar bastante o pessoal que militou no Hard-Rock dessa década, ou seja, o filme mostra, em via de regra, o que seria o conceito “AOR”: uma música feita para ser tocada em grandes estádios, por artistas que tocavam maciçamente em estações de rádio, portanto a tornarem-se super populares e a atingir um público mais velho, não adolescente, mas adulto jovem, com um poder aquisitivo mais elevado e independente, financeiramente. Outra característica do Rock AOR, é justamente uma espécie de fusão sonora entre os estilos do Hard-Rock e do Pop-Rock. Enfim, esse filme trata disso, principalmente quando aborda o personagem de Stacee Jaxx.
Como eu já mencionei no início, o grande trunfo é a produção bastante esmerada. Neste caso, com figurinos, direção de arte, boa trilha sonora, fotografia e bons atores a atuar bem, o fato da história ser banal, não desabona o filme. Tirante os artistas consagrados, a dupla romântica formada por Julianne Hough e Diego Boneta, tem dotes vocais. Julianne é também uma cantora Country-Rock, em paralelo à carreira de atriz, além de dançarina. E Diego também canta e dança. 
Os atores não acostumados a cantar, como Tom Cruise, Catherina Zeta-Jones, Alec Baldwin e Bryan Cranston, certamente usaram do recurso de estúdio do auto-tune para corrigir desafinações, mas dizem que Tom Crise não utilizou o efeito e cantou Hard-Rock rasgado com a sua própria voz. Se isso for verdade, ele poderia pleitear uma vaga em alguma banda Hard-Rock, tranquilamente.
Por falar em trilha, a despeito do filme lembrar bastante o seriado de TV, “Glee”, a predominância do Rock é nítida. Ouve-se muitas bandas, tanto na trilha quanto nas canções vocalizadas na trama pelas personagens, com o som oitentista de artistas tais como: Bon Jovi, Skid Row, Def Leppard, Guns’n‘ Roses, Poison, Europe, Twisted Sister, Warrant, Night Ranger, Pat Benatar, Extreme e muitos outros. Inclusive alguns setentistas que avançaram sobre o AOR, como o Aerosmith, Foreigner, Joan Jett, Reo Speedwagon, Whitesnake, Scorpions e o Journey.

Dirigido por Adam Shankman, foi lançado em junho de 2012, e fez bastante sucesso nas salas de cinema. Está a rodar até os dias atuais em canais de TV a cabo, e também disponibilizado em formato DVD/Blue-Ray para a aquisição. Em portais pela Internet, só existe fragmentos, a não ser em um obscuro portal polonês, chamado CDA.PL, onde é possível assisti-lo na íntegra, mas aviso que o método polonês de dublagem é sui generis. Um locutor narra por cima das vozes originais, todas elas. Não há interpretação individual de cada personagem a seguir a naturalidade dos diálogos, mas simplesmente o locutor repete monocordicamente todas as falas, masculinas e femininas, como se fosse um narrador ou contador de histórias e isso é bem irritante, pois o inglês original fica quase imperceptível para tentar se entender e o polonês é um idioma muito distante da nossa raiz, portanto, é uma experiência difícil. Ainda bem, nas partes cantadas, ouve-se o áudio original sem interferências.

Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 106

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