quinta-feira, 19 de abril de 2012

Filme: A Place in The Sun (Um Lugar ao Sol) - Por Luiz Domingues

O mote: "rapaz pobre & moça rica, apaixonados" (ou vice-versa), é o moto perpétuo dos folhetins que são exibidos na TV brasileira, todas as noites há cerca de sessenta anos, ininterruptamente, sob a alcunha de "novelas". Esse tema, nas mãos dos produtores de TV, causa náuseas aos estômagos mais delicados, mas nas mãos de um diretor de cinema chamado, George Stevens, veio a se tornar arte! 
Baseado no romance, "An American Tragedy", de Theodore Dreiser (lançado em 1925), o filme de Stevens conta a história de um rapaz pobre e sem ambições maiores, que envolve-se em uma situação familiar como incauto, e não só modifica a sua vida, mas também a de outras pessoas próximas, pelo choque social, ante as diferenças notórias.

Produção de 1951, denominada: "A Place in the Sun" ("Um Lugar ao Sol", em português), tal história deu a oportunidade para que Stevens explorasse com maestria, todo o talento do ator, Montgomery Clift, ao salientar o contraste do rapaz pobre e tímido, sem saber portar-se no meio social habitado pelos seus parentes ricos e esnobes. 
Para incrementar tal contraste abissal, Stevens explorou também o inferno do personagem, atormentado por sua origem puritana, plena de sentimento de penitência e culpa.  
 
Na trama, George Eastman (interpretado por Montgomey Clift), é um rapaz humilde que só pensa em arrumar um emprego fixo e honesto, com o único intuito de se manter dignamente e auxiliar a sua mãe, uma senhora que dedica a vida ao "Exército da Salvação", uma famosa instituição sob cunho evangélico, cujo mote era (é) praticar a caridade. 
Ao se empregar no império industrial de seu tio milionário e que em tese, sempre ignorou a ala miserável da família, George aceita passivamente ser colocado sob uma posição inferior, como um operário simples, bem longe dos gabinetes finos usados pelo seu tio e primos, membros da diretoria.

Então, dentro de sua rotina operária, ele conhece uma moça humilde, igualmente funcionária de baixo escalão (Alice Tripp, interpretada pela ótima, Shelley Winters), no ambiente de trabalho, e eles se envolvem, emocionalmente. 

Sob um deslize do casal, ela engravida. George poderia ter se casado e ao assumir a paternidade, seguir o rumo previsível de sua vida simples, ao se tornar um tradicional pai de família e assim trabalhar por trinta anos na fábrica, resignado por viver modestamente, como qualquer rapaz de sua classe social, entretanto, um outro evento inesperado, mudou tudo.  

Mesmo ao ter consciência de que não pertencia à classe social de seus parentes, ele aceitou o convite para uma reunião familiar e aí... bingo, eis que vem a conhecer  a bela, Angela Vickers (interpretada por Elizabeth Taylor). E convenhamos, quem não apaixonar-se-ia pela personagem angelical, interpretada por Liz Taylor, ainda com ares adolescentes e tão absurdamente doce e linda?

Que dramalhão ali se formou, por conseguinte! Se tal texto chegasse às mãos das emissoras de TV brasileiras, fatalmente cairia na vala comum do roteiro típico, ou seja, um melado piegas com direito a um nauseabundo tema musical, e objeto certeiro para a discussão animada nos salões de beleza das cidades, mas Stevens tratou por colocar essência em tal mote, ao descartar o melado da pieguice.  

E de que forma? 

Foi através da exploração da angústia desesperada do personagem de George Eastman, que só aumenta no decorrer do filme, quando em um acidente, vê morrer a moça que engravidara (Alice) e que o pressionara a se casar com ela, pois já estava ostentar um abdômen bem saliente e para os padrões do final dos anos quarenta/início dos cinquenta, obviamente a envergonhava sobremaneira ao não estar oficialmente casada.  

Portanto, visto sob a ótica do rapaz que relutava em concretizar o tal casamento forçado, se insinuou como algo muito conveniente, não é mesmo?

Aparentemente, tratou-se de um acidente, entretanto, fica a dubiedade no ar: foi uma fatalidade mesmo, ou no fundo, ele premeditou essa situação, ao vislumbrar livrar-se do "problema", que aniquilaria completamente o seu sonho utópico de se casar com a linda moça rica e obter assim a ascensão social decorrente, amparado pelo seu tio? Seria no fundo, um rapaz inescrupuloso ou foi vítima das circunstâncias? E mais uma questão: mesmo que houvesse sido um acidente de fato, ele teria ao menos por algum momento negligenciado socorrer a moça, ao vislumbrar a oportunidade que lhe conviera?

Esse foi de fato o grande mérito de George Stevens, pois esse enfoque no espectro interior e muito atormentado do personagem, George Eastman, aliado à dúvida colocada ao espectador sobre a morte de Alice ter sido acidental ou não, afastou por completo o perigo do roteiro adquirir o ranço folhetinesco.

E para coroar a intenção, ao final, aconteceu que... bem, apesar de ser um filme lançado em 1951, não vou estragar a surpresa para os jovens que nunca o assistiram. 

Só posso antecipar aos que não assistiram ainda tal película, que toda a parte final da história, a envolver a investigação policial, julgamento e veredicto final, é bastante intensa, com ótima linha de diálogos, a se realçar a interpretação dos atores envolvidos nesse núcleo em específico da trama A se destacar a atuação apaixonada do promotor público e assim, se configura a angústia que é gerada, que é obviamente uma metáfora muito forte sobre o abismo que separa as classes sociais, e com a tendência óbvia das camadas mais simples, sempre estarem em desvantagem moral, em qualquer suspeita que se levante sobre os seus representantes, pelo simples fato da sua posição social mais humilde. 

Portanto, há o mérito do livro que deu origem à história, certamente ao elaborar um roteiro tão rico em possibilidades, no entanto, é para se enaltecer essa adaptação ao cinema, pelo brilhantismo dos atores escalados, Montgomery Clift, sobretudo e pela direção requintada de George Stevens, um diretor eclético, que filmou muitos gêneros e mesmo sendo aberto a vários estilos dispares entre si, brilhou em todos e neste caso, sobretudo, foi muito feliz.  

Eis aí um filme que eu recomendo, entre tantos da filmografia do grande diretor, George Stevens.

Resenha publicada inicialmente em uma comunidade chamada: "George Stevens", na extinta Rede Social Orkut, como tópico, ao propor uma discussão sobre esse filme em específico, e aberto por eu mesmo, Luiz Domingues, em 2010.

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