Quem costuma frequentar o estádio do Pacaembu, tende a não prestar atenção em dois detalhes :
Primeiro, o nome da praça que serve-lhe como boulevard e acesso à sua entrada principal, recebe o nome de Charles Miller, o introdutor do futebol no Brasil e em São Paulo, especificamente.
Outro detalhe, é o nome oficial do estádio, "Paulo Machado de Carvalho". Seria um político ? Um empresário ? Dirigente de futebol talvez ? Para quem não sabe, Paulo Machado de Carvalho foi um grande empreendedor no ramo das comunicações e sim, foi dirigente de futebol, e em momentos importantes de grandes conquistas esportivas brasileiras. Nascido em São Paulo, no dia 9 de novembro de 1901, formou-se em Direito, mas foi a partir do início dos anos trinta, que ele exerceu a sua real vocação, ao envolver-se diretamente com o mundo das comunicações, ao fundar a Rádio Record de São Paulo.
Em 1944, ampliou o seu negócio, ao adquirir a Rádio Panamericana de São Paulo e paulatinamente pôs-se a adquirir outras emissoras, para formar uma poderosa rede de comunicações. Ao investir pesado na modernização das transmissões esportivas, foi ele quem criou a figura do repórter de campo, colocado atrás das metas e para auxiliar o locutor e o comentarista, com observações mais precisas sobre as jogadas mais agudas e entrevistar jogadores e treinadores nos momentos que antecedem as partidas; em seu intervalo e ao final dos jogos.
Quando a TV foi fundada no Brasil, acalentou o sonho em expandir a sua organização, e três anos depois de constatar TV Tupi em funcionamento, colocou no ar enfim, a sua própria estação. Surgia então a TV Record de São Paulo. Foi oficialmente a terceira estação a operar na cidade de São Paulo, para estabelecer uma concorrência sadia com as já existentes : TV Tupi e TV Paulista e de maneira incisiva, fortaleceu-se rapidamente, para que ainda nos anos cinquenta, pudesse alcançar um patamar de audiência espetacular, calcado em uma programação excelente.
Logo no início dos anos sessenta, a Record tornou-se a principal emissora do país, e a sua programação baseada em música; esportes; jornalismo, e entretenimento, mostrava-se notável. Não é preciso falar muito, pois os exemplos falam por si só, haja vista programas do nível de : "O Fino da Bossa"; os concorridos festivais de MPB; a "Jovem Guarda" (particularmente, acho a "Jovem Guarda" discutível em termos de élan artístico, mas não é o caso de considerações estéticas aqui, e sim a importância e o impacto inegável que o programa obteve), etc.
Ainda nos anos sessenta, em 1965, para ser preciso, a Rádio Panamericana foi repaginada, e passou a ser conhecida como "Jovem Pan", para alcançar audiência espetacular. Paulo Machado de Carvalho foi um esportista, e com a experiência adquirida como dirigente do São Paulo da Floresta, clube extinto ainda nos anos trinta, embrenhou-se entre a dita cartolagem do futebol.
Muito amigo do então presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos, antiga encarnação da atual CBF, Confederação Brasileira de Futebol), o sr. João Havelange, ele recebeu convite deste mandatário para ser o chefe da delegação brasileira na Copa do Mundo de 1958, que seria realizada na Suécia. Extremamente paternalista e supersticioso, era adorado pelos jogadores, que no entanto, não o poupavam de brincadeiras no tocante às suas manias, baseadas na superstição e no seu fervoroso catolicismo.
Uma delas, deu-se pelo uso do indefectível terno marrom, em todos os dias de jogos oficiais. O prosaico jogador, Mané Garrincha, foi um dos que mais brincou e divertiu-se com as manias do chefe, respeitosamente, sem dúvida.
Segundo conta-se oficiosamente, no dia da grande final da Copa do Mundo de 1958, na posição como chefe da delegação, ele compareceu à reunião onde decidir-se-ia qual seleção teria que abrir mão de usar seu fardamento oficial, visto que Brasil e Suécia chegaram à decisão e ambas as seleções, usavam tradicionalmente, camisas amarelas e calções azuis. O Brasil ficou designado em usar o seu uniforme n° 2, com camisa azul e calção branco, e o Dr. Paulo ficou abalado com essa decisão, e assim não saber o que dizer aos jogadores no vestiário.
Foi aí que teve a genial sacada para entrar aos gritos no vestiário, e ao demonstrar uma descabida euforia de véspera, dizer aos jogadores que havia tido um sonho, e que nele, Nossa Senhora de Aparecida dissera-lhe que o Brasil venceria se usasse a camisa azul, da cor de seu manto, e dessa maneira, a decisão para o Brasil usar de fato a camisa azul, fora a confirmação da vitória. Pelé em diversas ocasiões já afirmou não lembrar-se desse fato, mas este tornou-se uma lenda urbana ou mesmo peça do folclore.
Prefiro pensar que o Brasil venceu por 5 x 2, por que tinha um time superior, com as presenças de Garrincha; Didi; Gilmar; Zito; Mazola; Djalma Santos, e Nilton Santos entre outros grandes jogadores, além de um garoto até aí desconhecido, dotado com apenas 17 anos de idade, mas capaz de desequilibrar, chamado Edson, que atendia por um estranho apelido :"Pelé". Depois dessa retumbante vitória onde o Brasil passou a ser notado no mapa do futebol, Paulo Machado de Carvalho recebeu o apelido de : "Marechal da Vitória", quando atribuiu-se o seu valor como homem carismático e portanto, capaz de motivar toda a delegação de uma forma contundente.
Ao seguir a ordem natural, foi novamente convidado a chefiar a delegação brasileira, na Copa do Mundo subsequente, em 1962, no Chile, onde o mesmo terno marrom voltou a ser usado, e certamente para gerar um manancial de novas piadas em torno de suas manias. Contudo, a superstição do chefe triunfou de novo, com o Brasil a sagrar-se Bi-Campeão Mundial.
Daí em diante, chegou a ser vice-presidente da Federação Paulista de Futebol, e manteve-se sempre ligado ao São Paulo F.C. como conselheiro e dirigente. Infelizmente, assistiu sem poder reverter o quadro, a decadência da TV Record, a partir de meados dos anos setenta, com a sua família a ser obrigada em vender a emissora para um grupo religioso que a deteve em 1990, e ali permanece a comandar até os dias atuais. A rádio Jovem Pan também já não pertencia-lhe mais, desde 1973, vendida à família Amaral, dona até hoje, também.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu e republicada no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2012
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