Ocorre que o diretor desse filme, Cameron Crowe, tem uma ligação umbilical com o mundo do Rock, por conta da sua trajetória pessoal. Sobre tal biografia do citado diretor, creio que na resenha do filme, "Almost Famous", esteja mais especificado, visto ter sido esse filme em específico, baseado em uma passagem da sua própria autobiografia, portanto, convido o leitor a revisitá-la, neste livro.
Resumidamente, relembro que Cameron, muito antes de tornar-se um diretor de cinema, foi um crítico de Rock famoso, a escrever para diversos veículos, inclusive a revista Rolling Stone, pois destacou-se pela qualidade de seu texto e bagagem pessoal, ainda no início da sua adolescência, portanto, a colocar-se no jornalismo cultural muito jovem, tornou-se um dos mais respeitados críticos norte-americanos.
Dessa forma, mesmo sendo uma comédia romântica leve, em via de regra, este filme, "Singles", tem um sabor Rock, por conta de Cameron ter apreço pessoal por tal universo Rocker e mais do que isso, uma visão de lince para enxergar as minúcias que outros diretores sem tal bagagem que outros diretores sem tal bagagem fortíssima, talvez não detivessem (com as devidas exceções, caso de Martin Scorsese, certamente).
Quando Cameron Crowe resolveu filmar "Singles" ("Vida de Solteiro" em português), o movimento "Grunge" proeminente em Seattle, Washington, ainda não havia explodido em escala mundial, e portanto, recebido a notoriedade que atingiria pouco tempo depois. Nesses termos, deveria ter sido uma comédia romântica tão somente, e por acaso ambientada sob uma circunstância onde alguns personagens tivessem ligação com a música. Entretanto, tudo mudou e providencialmente a ascensão de tal cena musical veio a calhar, como fator extra para alavancar a película, conforme explicarei a seguir.
Muito provavelmente por conta das ótimas relações que Cameron mantinha desde os anos setenta com Rockers, a articulação para que várias bandas oriundas de Seattle e a mostrar-se destacadas dentro dessa cena do movimento "Grunge", colaborassem em todos os sentidos (alguns atuam como atores de apoio, inclusive), principalmente na parte musical a compor a trilha: também por propiciar cenas com shows ao vivo; ensaios e até emprestar figurino, vide o caso do baixista do grupo, "Pearl Jarm", Jeff Ament, que teve grande parte do seu guarda-roupa pessoal colocado à disposição do ator, Matt Dillon.
De fato, a caracterização do personagem defendido por Dillon ficou muito fidedigna, apesar de aparentemente ser um estilo ultra despojado e que não necessitaria de nenhuma consultoria mais requintada para ser providenciado. No entanto, constata-se uma máquina: não basta comprar peças em brechós, é preciso captar a essência para compor-se um figurino que marque o personagem com absoluta fidedignidade no contexto de uma época, moda, conceito, tribo cultural ou seja lá qual for a necessidade e neste caso, certamente que Cameron deve ter influído ao instruir o pessoal responsável pelos figurinos e assim, a colaboração dos próprios músicos da cena, foi decisiva para viabilizar tal detalhe.
Sobre a história, ela é marcada pelo clássico jogo de encontros e desencontros, com direito a mal-entendidos & afins, para formar e separar casais. No início, o filme mostra uma história centrada em alguns amigos que moravam em determinado condomínio de um bairro de Seatlle, entretidos em suas idas e vindas nos relacionamentos afetivos. Uma das personagens, é Cliff Poncier, interpretado por Matt Dillon, que é componente de uma banda de Rock ainda incipiente e sonha com o estrelato. A sua bela namorada é Janet Livermore (interpretada por Bridget Fonda, a bela filha do ator freak, Peter Fonda, de "Easy Rider", um clássico do cinema contracultural sessentista), que é uma uma garçonete.
O outro casal é formado por Steve Dunne (interpretado por Campbell Scott) e Linda Powell (interpretada por Kyra Sedgwick).
Nada aconteceria de excepcional no filme, que justificasse um maior interesse do que geralmente um espectador de "sessão da tarde" devotasse-lhe em termos de atenção, mas o filme culminou em receber atrativos posteriormente, de forma quase acidental.
O primeiro fato: quando foi filmado, ao final de 1989, a cena do "Grunge" ainda não havia explodido além das fronteiras de Seattle e adjacências. Portanto, a presença de bandas reais como Soundgarden ,Alice in Chains e Pearl Jam, não apresentara nenhum apelo comercial, em princípio.
Contudo, o filme atrasou em sua produção e quando foi lançado em 1992, tudo havia mudado. O movimento explodiu de tal forma, que os produtores trataram logo de usar tal mote para lançá-lo, como um adendo promocional inevitável.
A despeito do maior expoente do movimento grunge não estar no filme (o Nirvana, de Kurt Cobain), criou-se uma expectativa para o público de que seria um filme a mostrar a cena Grunge de Seattle, com uma história de amor à tiracolo, quando na verdade, fora justamente o contrário.
O segundo fato, foi em torno do sucesso inesperado que o filme causou. Com isso, despertou o interesse de executivos da TV, que convidou Cameron Crowe a produzir a história como série.
Ele não aceitou, mas esses executivos levaram adiante o projeto e ao transformá-lo substancialmente em sua estrutura enquanto roteiro, saiu de cena a conexão com a música e ficou apenas a ideia de amigos de vinte e poucos anos a viver no mesmo condomínio, entre aventuras românticas e confusões engraçadas. Surgiu então, "Friends", um dos maiores sucessos da TV norte-americana, de todos os tempos.
No caso de "Singles", há em ressaltar-se também a presença de vários atores importantes ao participar com "pontas" (Victor Garber, Eric Stoltz, Paul Giamatti, e até uma rara aparição do diretor, Tim Burton).
A banda fictícia do personagem, Cliff Poncier, foi na verdade o Pearl Jam. No filme, a banda chama-se: "Citizen Dick" e segundo o Camerom Crowe, "Citizen" foi homenagem ao filme: "Citizen Kane" e o "Dick", bem... deixa para lá, prefiro não explicar a sua conotação.
No Brasil o filme também chegou aos cinemas ao final de 1992, e com a aura de ser um filme sobre o movimento grunge. Lembro-me de tê-lo assistido em uma noite de novembro de 1992, e ter verificado a presença de vários músicos da cena Rock noventista paulistana na mesma sala de cinema em que compareci, e no caso desses rapazes, bem influenciados pelo Grunge, que foi o grito da moda à época, na mesma sessão em que fui assistir.
Na cena em que o personagem, Cliff Poncier (Matt Dillon), visita o túmulo real de Jimi Hendrix em Seattle, alguns gritos em sinal de regozijo, ecoaram pela sala de cinema. Pensei comigo: -"ainda resta alguma esperança, esses jovens sabem ou imaginam quem foi Jimi Hendrix"...
Todavia, o Cameron Crowe demoraria ainda alguns anos para acertar a mão e produzir algo mais substancial em termos de Rock Movie. Foi com "Almost Famous", este sim um filme explícito sobre o Rock setentista e autobiográfico ao enfocar a sua própria vida antes de tornar-se diretor de cinema, quando fora um muito precoce crítico de Rock, a serviço da Revista Rolling Stone.
É possível assistir-se "Singles", desde que você o assista desprovido de qualquer expectativa mais aprofundada e principalmente por saber tratar-se de uma comédia romântica folhetinesca, ao estilo "Sessão da Tarde", ou se for muito fã do movimento grunge de Seattle, do início dos anos noventa. Nesse último caso, vista a sua camisa de flanela, uma bermuda bem puída, e bon voyage...
Alguns atores não mencionados anteriormente: Sheila Kelley (como Debbie Hunt), Jim "Tru-Frost" (como David Bailey), Bill Pullman (como Dr. Jeffrey Jamison), James LeGros (como Andy), Ally Walker (como Pam), Tom Skerritt (como o prefeito, Tom), Tim Burton (como Brian), Peter Horton (como Jamie), Chris Cornell (como Chris), Eddie Vedder (como ele mesmo), Xavier McDaniel (como ele mesmo) e outros.
Sobre a trilha sonora, as canções atribuídas à banda fictícia, "Citizen Dick", foram compostas em parceria por Jeff Ament (baixista do Pearl Jam) e Chris Cornell (vocalista do Soundgarden). Há também canções de Alice in Chain, Pearl Jam, Soundgarden e Smashing Pumpkins.
O resultado nas salas de cinema foi considerado bom à época e de fato, os fãs do movimento Grunge, principalmente, animaram-se com a perspectiva de ver e ouvir os seus principais artistas a atuar como atores secundários ou em cenas ao vivo mesmo, que de fato ocorrem ao longo do filme. E o público tradicional de comédias românticas, foi naturalmente atraído pela presença de atores que já tinham uma boa história construída no cinema, desde a metade dos anos oitenta e estavam em alta voga no início dos anos noventa.
Acho bastante inconveniente tal abordagem, pois de fato ele usou essa atmosfera em torno da cena "grunge", mas daí a insinuar que Cameron deliberadamente usou os músicos dessas bandas para explorá-los e sem oferecer nada em troca, foi leviano, a denotar que desconheciam a história pessoal e pregressa de Cameron no jornalismo Rock.
Produzido por Cameron Crowe e Richard Hashimoto. Roteiro e direção de Cameron Crowe. Foi lançado em setembro de 1992.
Foi lançado rapidamente em formato VHS, para adquirir a sua versão em DVD, posteriormente, e Blu-Ray a seguir. Na internet, atualmente (2012), está disponível em versão integral, porém paga, em portais tais como Amazon, Google Play e YouTube. No YouTube gratuito, há a penas a presença de fragmentos e a disponibilização da trilha sonora.
Resenha publicada inicialmente na Rádio/Blog do Juma, em 2012. Esta resenha foi revista e ampliada, para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", e encontra-se disponível para a leitura em seu volume I, a partir da página 325.
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