Pouco a pouco, contudo, esse panorama ingenuamente festivo pôs-se a mudar de figura. Brigas dentro dos estádios tornaram-se uma praxe e tal situação piorou cada vez mais, com o avançar do tempo.
Já nos anos oitenta, a ganhar ares de guerrilha urbana, passou a ser comum, as apreensões de armas (de fogo e brancas); artefatos explosivos e todo o tipo de material bélico, ao formar-se verdadeiros arsenais para alimentar uma guerrilha urbana. Ao sair do âmbito dos estádios, as estações de Metrô; trens de subúrbio e terminais de ônibus, passaram a ser locais sob alta periculosidade, com hordas ensandecidas a digladiar-se e claro, gente inocente e alheia ao futebol, a poder ser vítima em qualquer instante, também.
A primeira pergunta é : será que esse ódio todo é decorrente de um suposto fanatismo advindo apenas pelo futebol em si ? Pessoas agridem-se e matam-se pelo simples fato de não suportar a existência de outras pessoas que torçam para times rivais do seu ?
Se fosse assim, não existiria o futebol, pois pressupõe-se que para ser possível existir o jogo, não basta um time apenas, ou seja, tem que haver adversário e no caso, mais de um, para ter-se um campeonato; torneio; copa ou seja que disputa for. Claro que acreditar só nesse fator do fanatismo pelos clubes, seria algo extremamente ingênuo. A análise precisa enveredar por outro caminho.
Em uma torcida uniformizada de um clube grande, existem milhares de sócios. Qual o critério para a adesão ? Quando vão ingressar em tais agremiações, essas pessoas não preenchem uma ficha cadastral ? Ora, não é imprescindível que revelem o seu nome; endereço; identidade e CPF ? Isso seria o mínimo, aliás. Recomendável igualmente, a existência de fotos recentes e datadas, quiçá a impressão digital, certo ? E quando surgem os distúrbios, cada cidadão detido não é enquadrado na delegacia ? Mediante essa responsabilização civil, em tese, o que tem a ver a torcida, enquanto pessoa jurídica, com isso ?
A não ser que prove-se de forma contundente, que ações criminosas foram determinadas pela direção (ao caracterizar então a formação de quadrilha), parece mero espetáculo populista das autoridades, as medidas sensacionalistas tomadas para cada tragédia, ao visar banir tais organizações do convívio em sociedade. Curiosamente, essas medidas pirotécnicas são anunciadas geralmente em programas dominicais noturnos, as chamadas "mesas redondas", onde o público consumidor de futebol, assiste com grande interesse.
São muitos murros na mesa; caras & bocas e também não é incomum que essas autoridades indignadas nunca cheguem ao cerne da questão, ao preferir propor paliativos a gerar impacto midiático, portanto, meramente demagógico. De prático, as medidas adotadas são pouco eficientes. Banir uma torcida dos estádios, significa que não usarão a sua faixa de identificação; bandeiras; instrumentos de percussão e cada cidadão / membro é proibido em usar o "uniforme" da torcida. Então, costumam ir aos estádios, vestidos com a camisa do clube para que torcem ou simplesmente a paisana, mas entrarão da mesma forma e sentarão nos mesmos lugares. O que isso mudou para fomentar a "segurança" ?
O Estado estabelece o mise-en-scenè de que está a tomar providências, ao dar uma resposta à sociedade, quando na verdade, é só um varrer de lixo para debaixo do tapete. O que precisaria ser feito, de fato ? Se cada bandido desses, que infiltra-se nas torcidas, para aí sim, formar as suas quadrilhas, for responsabilizado pessoalmente, não apanhar-se-ia as verdadeiras maçãs podres ao invés de querer banir os caixotes inteiros ?
Outro ponto importante diz respeito ao Estado enquanto mantenedor das funções básicas de uma sociedade realmente justa. Se trabalhar forte com o fomento à educação; saúde e cultura, não minimizaria os efeitos do descaso com as camadas mais simples da população, de onde sai a maioria desses torcedores uniformizados ? Uma tentativa dessas deu-se com as "Cieps" no governo Brizola, no início dos anos 1980, no Estado do Rio de Janeiro. Esse conceito foi ampliado e muito melhorado com a criação dos "Céus", pela prefeitura de São Paulo, no início dos anos 2000. Com educação de qualidade e acesso à arte; cultura; esportes e lazer, os ânimos desarmam-se. Jovens sem perspectivas passam a cultivar outros valores.
O futebol volta a ser lúdico e o adversário nunca mais seria encarado como inimigo. Por outro lado, torcidas uniformizadas formadas por pessoas interessadas apenas em futebol e não em praticar crimes; vandalismo e guerras campais, voltariam a colorir os estádios, sendo um ingrediente a mais para o engrandecimento do espetáculo, aliás, como o foi, antigamente.
Brigas e desentendimentos seriam tratados como meras manifestações isoladas e as pessoas detidas, seriam enquadradas e punidas severamente com penas exemplares, ao desestimular a proliferação de distúrbios dessa monta. Parece utópico, mas é perfeitamente possível, desde que o governo invista em inteligência policial e haja uma reforma do judiciário, com informatização total do sistema, inclusive penitenciário.
Impossível ? Ora... não vão organizar uma Copa do Mundo daqui a dois anos ? Pensar nisso é tão vital quanto construir estádios, não é ? Caso contrário, ficaremos na mesma, com as autoridades a tentar coibir a violência por atacado ou como fala-se naquela velha piada popular : "o rapaz flagra a esposa com o seu melhor amigo no sofá, e ao invés de separar-se da mulher e romper com o amigo, ele manda queimar o sofá"...
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica e republicada posteriormente no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2012
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