terça-feira, 31 de julho de 2012

Revista "Rock, a História e a Glória" - Por Luiz Domingues


O jornalismo musical brasileiro já havia dado mostras de seu poder criativo anteriormente e se não fosse uma época difícil, politicamente a relembrar, certamente teria feito com que publicações extintas como o "Bondinho"; a versão brasileira da Revista Rolling Stone, e outras, houvessem observado uma existência mais longeva. Público consumidor e entusiasta, existia, e a sede por informação por parte da juventude ligada em cultura/contracultura, revelava-se enorme.
E foi assim que no segundo semestre de 1974, nasceu no Rio de Janeiro, uma revista musical centrada no Rock, como o seu carro chefe, mas aberta à outras manifestações musicais, também. Editada por uma pequena empresa ("Mandacaru"), porém formada por uma equipe de redação de primeira qualidade, representada por cabeças pensantes, entre as melhores do jornalismo musical, essa publicação acertou na sua linha editorial por dois aspectos básicos, a meu ver:

1) Ao se propor em lançar uma biografia de um grande nome do Rock por edição, como matéria principal e;

2) Ao dar ênfase à emoção no texto. Mais que informações precisas sobre o biografado em questão, a paixão pelo Rock mostrou-se o ponto subliminar que cativou o leitor, ao estabelecer uma instantânea identificação.

Claro, não foi somente isso, mas esses dois fatores pesaram e muito para o seu sucesso entre os Rockers tupiniquins, principalmente os desabonados (a maioria, é claro), que deslumbraram-se com a possibilidade de ter em mãos uma publicação caprichada em termos de texto, que abordava o trabalho de artistas que somente os iniciados conheciam, praticamente, e em sua maioria, longe da atenção da imprensa "mainstream" tradicional.


Jornalistas do quilate de Ana Maria Bahiana, Ezequiel Neves, Okky de Souza, Tárik de Souza, Luiz Carlos Maciel, Julio Hungria, Maurício Kubrusly, Valdir Zwetsch, Ricky Goodwin, e Gabriel O'Meara, entre tantos outros, forneceram a substância e mais do que isso, a dose de emoção subliminar que eu já descrevi. 

Porém, apesar do Rock internacional ter sido o carro chefe, mediante as biografias em tom de fascículos colecionáveis, houve também uma enorme gama de reportagens a cobrir várias vertentes da música, em torno de colunas inspiradas a conter "drops" com informações, box informativos etc.  

A MPB manteve uma parcela generosa de participação, igualmente. Em suma, foi muita informação sobre a decantada "geleia geral" setentista, a trazer em seu bojo, nomes obscuros mas que mereciam muito ser enaltecidos (lembro-me bem da coluna: "ilustre desconhecido", sempre a entrevistar artistas obscuros, completamente alijados do patamar "mainstream". Foi por causa dessas leituras que ouvi falar sobre artistas tais como: Bendegó, Luis Tatit, Smetak e Almôndegas, entre outros).

Havia colunas sobre estilos variados, como por exemplo, as dedicadas aos universos da música folk, blues, soul music, música latino-americana, pop de uma maneira bem abrangente, música erudita, mpb da "velha guarda" etc. E muita informação sobre o Rock brasileiro em voga, uma verdadeira dádiva aos artistas nacionais, que lutavam com tantas dificuldades na contramão da sua excelência artística.

Para incrementar esse show de informação, encartado na revista, existia a presença de um jornal tabloide, denominado: "Jornal de Música", que trazia notícias de última hora, no calor do fechamento da pauta. Nas biografias, além do texto munido por muita qualidade, havia implícito o elo estratégico de cumplicidade do jornalista com o leitor, a qualidade da diagramação, aliada às ilustrações e fotos, que compunham um lay-out estimulante, ainda que na simplicidade do visual econômico da versão em preto-e-branco.

Logo na contracapa a discografia do artista enfocado mostrava-se como um luxo. As pessoas adoravam esse dado precioso, exatamente motivados por sonhar em comprar toda a obra de seu artista predileto. Pensemos que muitos anos antes da internet ser popular, existir a enorme profusão de computadores domésticos, telefones e TV's smartphones, não havia o "Google" para se fazer pesquisa instantânea, portanto, ter a discografia completa e descrita do seu artista predileto foi um item muito valioso fornecido ao seu público leitor. 

Isso sem contar o apuro (raro na época), para relacionar também as possíveis coletâneas, antologias e até a acrescentar os principais discos piratas, ou "bootlegs", a impregnar-se na percepção do leitor, quase uma questão mítica e mística, igualmente, sobre os artistas do Rock, atuantes nos anos sessenta e setenta, o principal foco da publicação. E assim, por meses a fio, uma após a outra edição ser lançada, como era carregado de valor implícito vê-la pendurada em uma banca de jornal, em meio às publicações populares de então!

Sei que já falei sobre tal aspecto em uma matéria anterior a narrar a perspectiva contracultural na mídia alternativa, mas reafirmo: nos anos de 1974, 1975, 1976, a escassez de informações era total para a maioria dos Rockers, Freaks & Hippies de "Pindorama". Dessa forma, representou muito para todos os iniciados, ser possível se deparar com a face estampada de um Bob Dylan, por exemplo, em uma banca de jornais, comum.
O número um, trouxe os Rolling Stones, como matéria principal. Depois veio em sequência: Pink Floyd, Yes, Paul McCartney, Jimi Hendrix, Bob Dylan, Emerson/Lake & Palmer, Elvis Presley, Elton John, Janis Joplin, e tantos outros gigantes do Rock.
O irreverente jornalista, Ezequiel Neves, que escrevia também para o Jornal do Brasil e no Jornal da Tarde de São Paulo, trouxe a sua tendência debochada e histriônica, apresentada em seu tempos a bordo da Rolling Stone brasileira, onde ele tivera a coluna: "O Toque" e quando foi ser colunista na "Rock, a História e a Glória", passou a assinar a divertidíssima coluna: "Zeca Jagger News".

                                         O colunista social Ibrahim Sued

Tratou-se de uma coluna hilária, um autêntico simulacro de coluna social, extremamente debochada, dotada de um humor mordaz, incrível. Ninguém me convence em contrário que a sua intenção não fora satirizar o colunista social, Ibrahim Sued, um dos colunistas mais engraçados da história jornalística brasileira. 

As suas descrições sobre festas de arromba, patrocinadas por Rock Stars internacionais só não eram mais hilárias do que as mentiras que contava sobre um suposto "jet set" do Rock brasileiro, com a nítida intenção de promover, através do tom de um glamour cafona, os nossos artistas nacionais.  

E as resenhas de discos, então, que ele assinou? Foram absolutamente deliciosas as descrições, cheias de metáforas, as mais inusitadas.

No caso do Ezequiel, ele foi o resenhista de discos, mais divertido do jornalismo brasileiro, justamente por usar e abusar do sarcasmo ao estilo britânico, para detonar artistas que não gostava e exaltar as suas predileções. Antiético? Taslvez, mas é inegável que as suas resenhas despertavam gargalhadas pelas metáforas nonsense. 

A sua contrariedade pessoal histórica para com a escola do Rock Progressivo, em alta voga naquela época, nunca incomodou-me, apesar de eu ser grande fã do gênero, por exemplo. Por que eu  deveria ofender-me, se considerava as suas manifestações hilárias? 

Em uma uma de suas provações sistemáticas, costumava atribuir aos membros dos Mutantes e d'O Terço, duas bandas grandiosas da cena nacional, a responsabilidade pelo "coitus interruptus", ou seja, ele inventara uma forma para ironizar a sua música sofisticada e plena de complicados arranjos e assim, exaltava-os a "concluir" o orgasmo, ou seja, que voltassem a praticar o Rock visceral...

O mega tecladista, Rick Wakeman, ficou por meses a ser perseguido pela coluna do Zeca Jagger, ao receber a alcunha de: "bundão" e o Rock Progressivo, enquanto instituição, foi definido por ele como um "bolo de noiva", supostamente por ser mole e enjoativo...
Sobre o disco, "Wish Were You Here", do Pink Floyd, ele escreveu que estava ansioso para destruí-lo assim que soube de seu lançamento, mas após uma audição apurada, rendeu-se ao fato de que tal obra era boa, a driblar o seu próprio preconceito e o título da resenha foi: "Pink Floyd, uma bobagem que merece ser ouvida..."

E quando o LP "Sabotage", do Black Sabbath, foi lançado em 1975, a sua resenha assinalou: "parece uma lobotomia feita em uma cabeça de alfinete"...

O meu caso pessoal com a incrível, "Rock, a História e a Glória", renderia uma outra matéria. Para resumir: o primeiro número que eu comprei foi o de número onze. Eu voltava da escola em uma manhã de 1975, quando atravessei a Av. Santo Amaro, que divide os bairros da Vila Olímpia e Moema, na zona sul de São Paulo e demorei para entender aquela miragem na banca de jornais que ficava localizada na esquina da Av. Pavão.
Boquiaberto, juntei as moedas que tinha no bolso e levei aquela pequena obra prima, a biografia do The Who. Devorei a revista enquanto o LP "Quadrophenia" rodava na vitrola e pronto, como um peixe, senti-me fisgado para sempre por tal publicação. Assim que eu pude, fui procurar pelos números atrasados em bancas do centro da cidade e logo pude contar com todas à minha disposição. 

O estilo jornalístico pleno de paixão pelo Rock, marcou tanto quanto as madrugadas de magia proporcionadas pelo programa radiofônico, Kaleidoscópio, comandado pelo radialista Jaques e com esses fatores aliados, eis que uma bomba atômica eclodiu em meu pensamento, irreversivelmente. -"Quero ser músico de Rock"... e assim, eu fui atrás dessa história e glória, também...
No embalo das páginas a conter matérias sobre o Led Zeppelin, Genesis, Faces, Beatles, David Bowie e King Crimson, entre muitos outros artistas sensacionais, foi que eu embalei os primeiros momentos de minha carreira musical.
Em 1976, eu já tinha formado a minha primeira banda (o glorioso "Boca do Céu") e apesar de termos sido, todos os componentes desse grupo, garotos inexperientes e iniciantes musicalmente, usamos fartamente as páginas da "Rock, a História e a Glória", para colocarmos um anúncio classificado de nosso interesse imediato, e que foi publicado em agosto de 1976. Queríamos arrumar um vocalista para a nossa banda.
Graças a essa revista que tanto nos inebriava, apareceu um rapaz interessado, chamado: Laert Julio, e daí, com a adesão desse novo membro, a banda prosperou, dentro de seus limites juvenis, é claro. Hoje, esse Laert Julio assina como: Laert Sarrumor, ao tratar-se do líder da banda de sátira e humor, Língua de Trapo.  

No início de 1977, eu (Luiz Domingues) e Laert aturamos uma bronca pública da parte de Ezequiel Neves, em pessoa, sob um momento de incontrolável crise nervosa do colunista. Ele havia publicado uma resposta a uma carta de nossa autoria, na qual citou a nossa banda e disse em tal missiva, que considerava-se o nosso "padrinho". Ingenuamente, levamos a sério algo meramente simbólico que ele afirmara a esmo e quando o interpelamos em um show de Rock ocorrido em São Paulo, no qual estava presente, ele irritou-se profundamente ao alegar não lembrar-se de nada a respeito desse fato. Essa história está contada em detalhes, nos meus Blogs: Luiz Domingues 2 e 3.
Uma matéria publicada em 1977, nunca saiu da minha memória: "O Rebu de hoje é com Tim Leary". Nela, o "guru da contracultura" afirmou que no futuro, as drogas seriam substituídas pelos computadores pessoais... pois é, o velho Tim sabia das coisas.

Tempos depois, a crise financeira decretou que a revista fosse minada, paulatinamente. Em um determinado ponto, o Jornal de Música inverteu a sua condição, ao tornar-se o veículo principal, e a "Rock, a História e a Glória", passou a ser encartada em forma de fascículo. Muita biografia boa ainda aconteceu, apesar da crise financeira (Cream, CSNY, Jefferson Airplane, Traffic, Jethro Tull etc), mas foi a fase terminal dela, infelizmente.

Somente muitos anos depois, em 2003, para ser preciso, eu encontrei uma outra publicação que resgatara esse mesmo espírito apaixonado, através da revista: "Poeira Zine". O jornalista, Bento Araújo, fã confesso da "Rock, a História e a Glória", teve esse mérito para criar uma publicação que teve a extrema felicidade de trazer de volta essa paixão pelo Rock vintage.

Bem é isso o que tenho a dizer... considero a revista "Rock, a História e a Glória", a melhor publicação especializada em Rock e música em geral, produzida na década de setenta no Brasil, sem deméritos para a versão brasileira da "Rolling Stone", igualmente muito boa, e para outras publicações como a revista "Pop" (mais bem acabada graficamente) e a revista, "Música", que também teve os seus méritos.
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2012

6 comentários:

  1. Legal reviver essa época, essa revista e conhecer um pouco da vida musical do autor.

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário! De fato, fico feliz por ter lhe proporcionado essa sensação boa que descreveu ao tomar conhecimento da publicação em si e também de particularidades pessoais minhas em torno dela.

      Grato pela visita ao Blog! Volte sempre!

      Abraço!

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  2. Belo post sobre essa maravilhosa e única revista que retratou muito bem a relevância do rock. Eu tive um unico prazer em ler o exemplar do Emerson, Lake and Palmer, exemplar que "fiquei com ele" depois que um amigo me emprestou e nunca mais o devolvi. Esta comigo ate hoje, mas bem baleada pois eu a recebi assim. De fato, o material publicado era muitissimo bom e com elevado grau de pesquisa. O que lamento muito é o envelhecer de tudo isso pois nossos ídolos em muito, se foram, deixando seus antigos companheiros nesse mundo de meu deus. Bom é isso. Salve a iniciativa e conte comigo.

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    1. Gratidão pelo seu relato também carregado de emoção, com dados pessoais que o identificam à publicação de forma afetiva.

      Exatamente, publicações como essa ajudam a preservar a história, na medida do possível ante o fato inexorável da passagem do tempo, com o inevitável esquecimento de tempos tão gloriosos e os envolvidos a envelhecer e perecer, como um fato da vida.

      Volte sempre ao Blog, apreciei a sua visita e comentário!

      Abraço!

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  3. Comprei quase todas, mesmo morando em Curitiba, depois juntaram quase todos os artista e lançaram um livro bem consistente e bem barato. Pintei zilhares de camisetas com os desenhos incríveis que vinham nas ilustrações dos biografados, principalmente Dylan. Muita informação, quando não podia ter informação. Fui feliz!!!!

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    1. Belo depoimento e a sua colocação final definiu bem a situação! Exatamente isso, se tratou de muita informação em tempos obscuros mediante forças antagônicas sempre prontas a destruir essa movimentação artística tão efusiva e sim, fomos felizes nesse aspecto de termos tido essa boia salva-vidas à nossa disposição, tens razão!

      Gratidão pela sua visita ao Blog e volte sempre!

      Abraço!

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