terça-feira, 24 de julho de 2012

Filme : The Omega Man (A Última Esperança da Terra) - Por Luiz Domingues


Durante décadas, o imaginário do povo norteamericano foi atormentado pelo pesadelo nuclear iminente, como clímax possível ante o desfecho da guerra fria. A ideia de um ataque massivo do inimigo vermelho, a aniquilar o american-way-of-life tornou-se um manancial importante para os produtores de cinema, que valeu-se dessa paranoia para lançar inúmeros filmes com esse mote.

E foi a pensar nisso que o produtor, Walter Seltzer, propôs modificações no roteiro que adaptava, baseado no livro : "I Am Legend", lançado em 1954, cujo autor foi um escritor chamado : Richard Matheson. Sendo assim, Seltzer pediu ao casal de roteiristas, William e Joyce Corrington, que mudasse-se a ideia original do livro, onde a humanidade é dizimada por causa de um vírus misterioso, para uma contaminação bacteriológica gerada por uma eventual terceira Guerra Mundial.


O livro já inspirara uma versão cinematográfica produzida em 1964, estrelada por Vincent Price, mas com outro título ("The Last Man on Earth"), mas tempos depois, gerou uma nova versão em 1971, que chamou-se : "The Omega Man" ("A Última Esperança da Terra", em português) e mais ainda, no futuro, 2007, uma nova versão surgiria ("I Am Legend"), com Will Smith, e a atriz brasileira, Alice Braga, como protagonistas. No filme de 1971, Charlton Heston interpreta o cientista / médico e coronel do exército, Robert Neville.
A ação dessa segunda versão que eu comento, passa-se em 1977, sob um futurismo breve (visto que foi lançado em 1971), onde o cenário é o de um mundo que foi devastado pela guerra nuclear que teria sido deflagrada em 1975. Neville pesquisava uma vacina para coibir os efeitos devastadores da radiação, quando sob uma emergência, injeta em si próprio o experimento, através de uma atitude desesperada.

Para a sua sorte, a vacina logra êxito e ele sobreviveu de uma forma saudável, e assim, tornou-se imune aos efeitos da radiação. Vive então em uma Los Angeles devastada, entre cadáveres, solitariamente até certo ponto, pois logo percebe que um dos efeitos da radiação foi criar uma degeneração em alguns humanos sobreviventes. Por alterar-lhes o metabolismo de forma radical, tornaram-se criaturas sombrias, com forte dose de fotofobia e alterações psíquicas acentuadas, ao transformá-los em fanáticos.

Formam uma seita fundamentalista, autodenominada : "A Família", e o seu principal objetivo passa a ser perseguir o coronel Neville, ao responsabilizá-lo por ser o último baluarte de uma cultura decadente que destruiu o mundo graças ao seu egoísmo e mediante a sua tecnologia, principalmente em favor da beligerância (bem, o que não deixa de ter um fundo de verdade...). Neville transforma o seu apartamento em um autêntico "bunker", super equipado e no período noturno, protege-se dos ataques dos membros da "família", sem nenhum pudor, ao metralhá-los à queima roupa, tranquilamente de sua sacada.
Durante o dia, Neville anda pelas ruas de Los Angeles, completamente vazia e entrega-se ao consumo, de uma forma bizarra. Entra e sai de lojas a pegar o que deseja, inclusive produtos fúteis, em uma clara crítica subliminar ao consumismo desenfreado (é para isso que criamos uma "civilização " ?). É muito interessante o grau de sarcasmo de suas falas, nitidamente inspiradas nas histórias em quadrinhos de certos de super-heróis da Marvel e DC Comics (Spider Man; Deadpool etc). Quando entra em uma concessionária de automóveis, por exemplo, dialoga com o cadáver do vendedor, como se ele estivesse vivo e ironiza o suposto preço do automóvel caro que toma posse, sem cerimônia.

Outra cena muito significativa, é quando resolve entrar em uma sala de cinema e ele mesmo assume o projetor, para exibir o documentário : "Woodstock", para a sua presença solitária na plateia. Por demonstrar tê-lo visto muitas vezes, sabe as falas de Country Joe McDonald, de cor e ironiza o sonho hippie de um mundo fraterno, diante da devastação nuclear em que vive. Em uma dessas andanças, percebe algo a mover-se em uma loja de roupas e atônito, percebe ser uma mulher não infectada pela radiação, mas ela foge assustada.
Pouco tempo depois, vacila e é emboscado por membros da "Família". Capturado, é sumariamente conduzido a ser submetido a um tribunal sumário e abjeto, quando é sentenciado à morte pelo líder da seita, um ex-âncora da televisão, chamado : Mathias (interpretado por Anthony Zerbe). Essa cena também é emblemática, pois muito induz-nos a lembrarmo-nos dos infames tribunais medievais da inquisição. Quando vai ser martirizado no campo de um estádio de futebol norteamericano, dois humanos não infectados o salvam de uma forma espetacular. Uma dessas pessoas, é a mulher que ele vira na loja. Trata-se de Lisa (interpretada por Rosalind Cash). Sim, havia humanos ainda saudáveis, mas estes mostravam-se bem desconfiados de Neville, em uma primeira instância.

Entretanto, eles logo acertam-se e não demora muito para que Neville passe a interessar-se por Lisa, afinal de contas ninguém é de ferro e esse negócio de escassez de opções... bem, estava justificado o momento romântico do filme, mas isso causou celeuma nos Estados Unidos à época, por um único detalhe : Lisa era uma mulher negra. Salvo o beijo que o capitão Kirk deu na tenente Uhura, em um episódio de Star Trek e que fora um escândalo, no cinema, era algo ainda mais escandaloso. Lisa revela que existe uma comunidade de humanos não infectados a viver fora de Los Angeles que fora formada por crianças e adolescentes, praticamente.

Somente Lisa e um rapaz estão entre eles, e curiosamente esse adulto é um hippie, que fora aluno de Neville na Universidade e possuía conhecimentos sobre vacinas (no filme, ele é identificado apenas como "dutch"/ holandês, e foi interpretado por Paul Koslo). Mas o irmão adolescente de Lisa (Ritchie, interpretado por Eric Laneuville), está infectado e ela teme que ele torne-se um mutante igual aos membros da "Família" e sendo assim, Neville propõe-se a aplicar a vacina experimental nesse rapaz.

Neville consegue reverter o processo e o garoto cura-se, mas sob um ímpeto juvenil em torno da ingenuidade, o rapaz resolve procurar o líder da "Família", Mathias, para tentar convencê-lo de que Neville tem a cura para toda a comunidade de mutantes. Claro, Mathias interpreta isso como uma afronta e executa o garoto. Em uma virada da história, Lisa infecta-se e torna-se uma mutante, repentinamente.

Dessa forma, através dela, que está fora de si, arma-se uma emboscada dentro do apartamento / bunker de Neville. As cenas finais são bastante angustiantes e cheias de simbolismo, pois evocam o martírio de Neville quase como o de um Messias moderno, arauto do bem contra o mal.

Em meio a lutas, Neville consegue salvar a vacina que seu pupilo, "Dutch", aplicará às crianças e também reverterá o processo de Lisa. Neville está morto, dentro de uma fonte em frente ao seu apartamento e com os braços abertos, ao parecer crucificado. O seu sangue derramado tornou a água turva e rubra. E o golpe de misericórdia fora uma lança arremessada por um dos membros da "Família" (qualquer semelhança com uma história que você já ouviu por aí, não é mera coincidência...).

Alguns críticos foram impiedosos, ao considerar essa resolução piegas, por essa suposta conotação cristã de um ser magnânimo em que sacrifica-se para salvar a humanidade. Particularmente, acho que foi uma tremenda má vontade da parte desses profissionais, que talvez desejassem um final mais feliz. Certamente que agradar-lhes-ia o desfecho de um famoso Sci-fi dos anos oitenta, onde a Los Angeles do futuro seria um mundo desolador; decadente e infecto, habitado por robots com aspecto punk, mas eu não raciocino assim, pois prefiro mil vezes a esperança hippie de um mundo fraterno.

Gosto bastante desse filme por muitos aspectos. A ideia de viver solitariamente foi um mote e tanto. Geralmente essa ideia é retratada em filmes sobre naufrágios (Robinson Crusoé é a primeira lembrança óbvia nesse sentido). Neste caso, a saga do homem solitário a viver em uma cidade grande e tentar viver a vida como se nada tivesse ocorrido, ultrapassa o clichê do náufrago em uma ilha inóspita a construir ocas com bambus e vegetação tropical.
O grau de sarcasmo com o qual o personagem, Neville lida com isso, faz-me lembrar dos diálogos do Homem-Aranha nas revistas em quadrinhos, onde ele não limita-se a enfrentar os seus inimigos na base da truculência, mas principalmente através da verborragia plena em ironia fina e deboche. E gosto sim do conceito da esperança, pois a minha estética é a da beleza e não da feiura, por isso sou assumidamente um entusiasta do Flower Power sessentista.

"The Omega Man", foi dirigido por Boris Sagal, e possui todos esses elementos, ao mostrar-se um filme que prende a atenção do espectador, até o final.

2 comentários:

  1. Grande filme,foi muito bom relembrar, mil vezes superior ao("I Am Legend")tem cenas incríveis...ficou guardado na minha memória,espero revelo novamente,ótimo texto amigo parabéns.

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    1. Eu não tenho dúvida que "The Omega Man" é muito superior ao modermo "I Am Legend", a despeito de uma defasagem entre um e outro de 36 anos, com vantagem tecnológica absurda em favor do filme protagonizado por Will Smith.

      O grande problema de Hollywood nos últimos anos tem sido apostar suas fichas em tecnologia e efeitos , deixando de lado a qualidade nos roteiros.

      Obrigado, Kim !!

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