E logo de início, a estreia foi para lá de especial, com a exibição do documentário: "Live at Pompeii", uma produção de 1971, com o Pink Floyd a tocar ao vivo, nas ruínas da extinta cidade romana de Pompeia.
Um espetacular estreia de programa, portanto, com este especial, pleno de clima lúgubre e sob a aura de um Pink Floyd em grande fase da carreira. Foi inacreditável estar a assistir tal peça audiovisual na TV, em um sábado a tarde, pois não éramos norte-americanos ou europeus, acostumados a ter esse tipo de suporte nos meios de comunicação, com a devida regularidade.
Até então, havia sido rara a oportunidade para a exibição de material de grupos de Rock internacionais, salvo pequenas intervenções sazonais. Tomo como exemplo a minha experiência pessoal que deve ter se repetido para muitos aficionados da minha faixa etária, em termos de reação e repercussão desse programa inicial. Na segunda feira posterior, às 7:00 horas da manhã, no portão da escola, o assunto não foi outro entre os freaks do colégio.
A expressão, "você viu" (?), foi repetida muitas vezes nas rodas formadas entre amigos e tornou-se o assunto da semana, sem dúvida alguma, tanto quanto um ano antes, houvera sido com a primeira exibição em larga escala dos Secos & Molhados, no programa "Fantástico", que deixou todo mundo estupefato, igualmente. E assim se sucedeu, sábado após sábado, vídeos inacreditáveis a exibir a performance de artistas que eram muito distantes para nós, a ser exibidos.
O material que alimentava o programa, foi proveniente de boas fontes das TV's norte-americanas e europeias: Don Kirshner's Rock Concert, "Midnight Special", "In Concert", "Old Grey Wistle Test"; "Top of The Pops", "Rockpalast", "Beat Club", "Ratatata", "Musikladen" etc. Sendo assim, por meses a fio, o horário das 16:00 horas, aos sábados, tornou-se sagrado para nós.
O mundo podia desabar, mas ninguém tirava-nos da sagrada poltrona da sala de estar nesse dia e horário da semana. Entre tantas pérolas que ali vislumbramos, causou furor a exibição da banda holandesa, Focus, e ouso dizer que a enorme popularidade que tal banda angariou no Brasil, iniciou-se ali no Sábado Som.
Ninguém nunca mais se esqueceu daquela banda espetacular, com um tecladista/vocalista alucinado, que em meio a um Hard/Prog-Rock muito bem tocado, a estabelecer malabarismos vocais a la "yodol", um falsete exótico e dificílimo para cantar-se, típico do folclórico europeu, e dessa forma o Focus deu o seu recado com enorme força em torno de sua canção: "Hocus Pocus!"
The Allman Brothers Band, Alice Cooper, Poco, Chuck Berry, Triumvirat, Greenslade, Uriah Heep, Gentle Giant, Slade, David Bowie, T.Rex, Suzi Quatro, Johnny Winter, Black Oak Arkansas, Average White Band... foram inúmeros os artistas norte-americanos e europeus, oriundos de várias vertentes do Rock, que ganharam exibições memoráveis para o nosso total deleite.
O programa gerou frisson entre os Rockers, de tal forma, que permito-me contar aqui uma experiência pessoal: a minha professora de português na ocasião (eu cursava a dita "7ª" série do ensino fundamental, à época), preocupada em fugir do conteúdo pedagógico óbvio, gostava de inserir tópicos culturais nas brechas do programa didático tradicional e maçante que era obrigada a ministrar. Entre um tópico de gramática e outro de ortografia, ela gostava de estimular discussões no âmbito cultural e claro que isso foi positivo, eu devo admitir.
Todavia, como ninguém é perfeito, segundo os seus parâmetros pessoais, o Rock representava algo menor, talvez um produto da subcultura inferior, em sua opinião e portanto, um substrato que ela nutrisse desprezo, posso imaginar. Motivada pela repercussão do "Sábado Som" e pela recente visita de Alice Cooper ao Brasil, que gerara uma repercussão enorme, eis que ela propôs uma redação a ser elaborada pelos alunos, onde o tema designado foi: "quem é melhor, Alice Cooper ou Hermeto Pascoal?"
É claro que a sua intenção foi buscar argumento em nossas redações infantojuvenis, para corroborar a concepção dela, de que Alice Cooper seria supostamente inferior, por ser na sua visão preconceituosa, um artista enlatado do Rock norte-americano e cujo trabalho denotaria mau gosto por conta da sua teatralidade mórbida, de fato, etc. e tal.
No entanto, através da minha redação, eu argumentei que não enxergava nenhuma disparidade entre esses artistas e pelo contrário, gostava de ambos, a começar pelas diferentes particularidades apresentadas pelos dois, e ao ir além, incluí o The Allman Brothers Band, como um exemplo a mais de sonoridade diferente e pautada pela extrema excelência artística.
Assim éramos nos anos setenta, sem preconceitos, sem tribos fechadas em nichos... tudo era divino e maravilhoso, sem divisões. Ao final de 1974, o "Sábado Som" exibiu um especial condensado do Festival "Califórnia Jam", ocorrido poucos meses antes. Para os padrões da época, foi inacreditável assistir alguns artistas participantes desse festival, ao vivo, com o frescor, dessa proximidade temporal.
E assim, ficamos petrificados nas poltronas ao ver Keith Emerson a tocar em um piano de calda, suspenso, a girar no ar como se fosse um número circense (e o foi, na prática), Ritchie Blackmore a destruir o palco sob uma fúria ensandecida, em meio às chamas, o Black Sabbath a propagar os seus temas pesados à luz do dia, ao estabelecer um contraste quase ideológico perante a sua própria obra, marcada pelo caráter soturno etc.
Contudo, o sucesso comercial de tal empreitada Rocker talvez não fosse proporcional ao nosso entusiasmo setorizado e assim, a Rede Globo tirou o programa do ar, ainda no começo de 1975, para substituí-lo por um seriado chamado: "Star Lost"
O "Sábado Som" marcou época e gerou repercussão diluída em pequenas ações. Conheci lojas de discos e até de artigos sem relação com a música, diretamente, que abriram as suas portas com tal denominação, certamente para aproveitar a sua repercussão.
E também um selo com essa denominação, que chegou a lançar diversos artistas, principalmente bandas do chamado, "Krautrock" (uma vertente do Rock alemão sessenta/setentista, muito interessante, formada por artistas com tendência a praticar o Rock progressivo e experimental). Esse selo lançou bandas tais como: "Nektar", "Embryo", "Amon Düll II", "Guru-Guru", "Karthago", entre outras, no mercado brasileiro.
Em meados de 1976, a Rede Globo repaginou o programa e o relançou sob o nome de: "Rock Concert", sem a presença de Nelson Motta, no entanto, contudo, essa é uma outra história, como diria o meu amigo, Charles Gavin...
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2012
Adorei a matéria, Luiz!
ResponderExcluirAbração!
Sensacional saber disso, amigo Mingo !!
ExcluirO Blog é seu, visite-o sempre !!
Grande abraço !!
Espetacular a matéria. Sou mais uma das "viúvas" do programa. Eu revivi as imagens lendo a matéria. Obrigado
ResponderExcluirMaravilha saber que apreciou a matéria, meu amigo!
ExcluirQuem é da nossa geração sabe o tamanho do impacto que o "Sábado Som" causou e o quanto tal influência foi vital para a nossa formação cultural e contracultural.
Estou feliz por saber que você acessou a sua memória pessoal ao ler esta matéria, e estabeleceu a sua reflexão sobre o tema, a reforçar os seus ideais, que tenho certeza, são iguais aos meus.
Visite sempre o Blog, pois aqui você vai encontrar material semelhante sobre tais ícones sessenta/setentistas.
Abraço!
Gostaria de saber onde foram parar as fitas dos programas e onde encontro algum em vídeo.
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