domingo, 24 de janeiro de 2016

Betinho e seu Conjunto : Precursor do Rock'n' Roll no Brasil - Por Luiz Domingues




Há muita controvérsia quando o assunto é a origem do Rock brasileiro. A maioria das pessoas tende a achar que o Rock brasileiro nasceu nos anos oitenta, quando Evandro Mesquita e a sua Blitz apareceu no dial das FM’s do país inteiro, a falar sobre "batatinhas / você não soube me amar, bla bla bla".


Outros costumam ir além em sua idiossincrasia, e cravam a teoria de que tudo começou em Brasília, no ano de 1980, através de uma porção de jovens filhos de funcionários públicos federais de 1º e 2º escalão, a brincar de ser Punks “revoltados” com o sistema...
Pura balela, o Rock brasileiro já existia desde os anos cinquenta, a despeito da má vontade histórica de uma boa parte da mídia, e de seus indefectíveis “formadores de opinião”, que negam / sonegam essa informação, com a nítida intenção em incensar os seus protegidos, e assim a distorcer a história. A realidade, portanto,  remete-nos aos anos cinquenta, e apesar do atraso com o qual os brasileiros sempre recebiam as novidades culturais vindas do primeiro mundo, a explosão do Rock’n' Roll chegou quase simultaneamente por aqui.
Há quem defenda a tese de que a primeira Rocker do Brasil fora Nora Ney. De fato, essa cantora lançou em 1955, um compacto com a versão da música, “Rock Around the Clock” que fazia parte da trilha sonora do filme : “The Blackboard Jungle” (“Sementes da Violência”), portanto, pode ter sido a primeira artista a gravar um Rock no Brasil, mas é público e notório que tal gravação houvera sido perpetrada por pressão da gravadora, para aproveitar o sucesso internacional do filme e da canção, e Nora só fora convocada a gravar, pois entre as cantoras do elenco da gravadora, era a única que tinha uma melhor pronúncia do idioma inglês, e na impossibilidade para gravar-se uma versão em português, essa foi a melhor solução para gravar e lançar o mais rápido possível.
Nora Ney fora uma cantora a apresentar um tipo de repertório comedido dentro da MPB, na década de cinquenta, sendo ela mesma, uma egressa do modismo das “Cantoras do Rádio”, um espectro amplo, tradicional, e ainda mais remoto na história da MPB e do radialismo nacional. Sendo assim, se Nora gravara o primeiro Rock, fora um ato absolutamente a seu contragosto, e sob uma segunda leitura óbvia, sem nenhum comprometimento com tal estética, aliás, pelo contrário, a causar-lhe um certo constrangimento pessoal (é bem verdade que no final da vida, já idosa, tal fato passou a ser explorado em seu portfólio, e tornou-se um mote importante para seu empresário vender os seus shows, e um amigo meu, com o qual eu toquei nos anos noventa, Juan Pastor, baterista do Pitbulls on Crack, chegou a ser de sua banda de apoio em algum momento do final dos anos oitenta). Mas a hipótese mais plausível, ao considerar-se a sua intenção concreta, é no entanto, a de que a primeira gravação de um Rock, de fato, teria sido através de : “Betinho e seu Conjunto”.
Betinho (Alberto Borges de Barros), líder dessa banda, era o guitarrista, e a sua trajetória musical começou bem cedo, pois ele era filho de Josué de Barros, um produtor musical que descobrira, ninguém menos que Carmem Miranda ! Na adolescência, Betinho chegou a tocar violão com a “Rainha dos Balangandans”, um motivo de orgulho para o seu currículo pessoal. Entre 1941 e 1946, ele foi membro fixo da orquestra de Carlos Machado, para tocar em muitos cassinos abertos na época, naturalmente.
Nos anos cinquenta, ele foi um dos primeiros músicos brasileiros a tocar guitarra elétrica em suas apresentações, quando formou a sua banda : “Betinho e Seu Conjunto”.


O seu espectro musical foi muito amplo, ao ir através da MPB tradicional aos ritmos nordestinos; do som caribenho ao Jazz, com abertura para todo tipo de música étnica, muito antes de ser cunhado o termo : “World Music”. A sua linha de atuação era eclética, também, ao participar de bailes em salões de clubes, até shows em boites / casas noturnas etc.
Ouça "Neurastênico", grande sucesso radiofônico de Betinho e seu Conjunto

Ele já havia emplacado um sucesso radiofônico em 1954, quando lançou a música : “Neurastênico”, um de seus maiores sucessos em disco, e conhecida até os dias atuais. Antenado no que acontecia no "primeiro mundo", Betinho logo percebeu que o Rock’n' Roll seria algo além de uma moda passageira, como outros tantos ritmos cinquentistas que estouravam, tais como o Twist e o Calypso.
Ao incorporar as tradições do Blues; R’n’B e do Country & Western, tal como os seus pares internacionais, e notadamente os norteamericanos estavam a fazer, Betinho engatou diversos Rocks em suas apresentações pela noite de São Paulo, e causou furor local, na mesma medida em que o fenômeno acontecia na América do Norte. Em 1957, ele mergulhou de cabeça no Rock’n' Roll, quando lançou o LP “Enrolando o Rock”, e ao contrário de seus álbuns anteriores, mostrou-se focado no ritmo, e não eclético em demasia, ao misturar várias tendências.


Uma grande oportunidade para alavancar a carreira, surgiu em 1957, quando “Betinho e seu Conjunto” apareceram em um filme longa-metragem, que fez relativo sucesso em termos de crítica e público, denominado : “Absolutamente Certo”, obra do diretor / ator, Anselmo Duarte. Em uuma cena em que as personagens principais entram em uma boite, o Rock’n' Roll estava a soar solto, com Betinho a debulhar a sua guitarra Fender Stratocaster, com um público em frenesi, bem naquela atmosfera de loucura cinquentista que era vista em filmes norteamericanos contemporâneos. Veja abaixo, a cena do filme citado :


O sucesso motivou-o a prosseguir, e dessa forma, em 1958, ele repetiu a dose com mais um álbum inspirado no Rock’n' Roll, chamado : “Rock & Calypso”. Ao observarmos Betinho em ação, torna-se inevitável não associá-lo ao ídolo, Buddy Holly, seu contemporâneo lá do hemisfério norte. 
Por tratar-se de um excelente guitarrista, Betinho em nada deixava a dever para qualquer guitarrista estrangeiro, e certamente foi um dos primeiros brasileiros a empunhar e dominar uma guitarra Fender Stratocaster, e para quem possui melhores conhecimentos sobre a música Pop / Rock, sabe do que estou a afirmar.


Na virada de década, Betinho e Seu Conjunto ainda lançou algum material centrado no Rock, todavia, por conta de um caso de conversão religiosa, isso motivou a mudança no seu rumo na vida.

Por tornar-se pastor evangélico, Betinho centrou os seus esforços doravante, na música "gospel", como produtor de cantores desse nicho musical / religioso, e eventualmente a gravar como guitarrista para suprir os artistas desse setor.
Então foi isso... em 1957, Betinho enlouquecia a juventude paulistana antenada no Rock’n" Roll in natura, a debulhar a sua guitarra e dessa maneira contrariar a versão mal contada da história do Rock no Brasil, narrada por “formadores de opinião” que nessa mesma época, enchiam as suas fraldas com o mesmo tipo de material que produzem em seus respectivos cérebros, ou simplesmente, nem eram nascidos, e demorariam um bom tempo para tal...
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2015

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