Há muita controvérsia quando o assunto
é a origem do Rock brasileiro. A maioria das pessoas tende a achar que
o Rock brasileiro nasceu nos anos oitenta, quando Evandro Mesquita e a sua Blitz apareceu
no dial das FM’s do país inteiro, a falar sobre "batatinhas / você não soube me
amar, bla bla bla".
Outros costumam ir além em sua idiossincrasia,
e cravam a teoria de que tudo começou em Brasília, no ano de 1980, através de uma porção de jovens filhos de funcionários públicos federais de 1º e 2º escalão,
a brincar de ser Punks “revoltados” com o sistema...
Pura balela, o Rock brasileiro já
existia desde os anos cinquenta, a despeito da má vontade histórica de uma boa
parte da mídia, e de seus indefectíveis “formadores de opinião”, que negam
/ sonegam essa informação, com a nítida intenção em incensar os seus protegidos,
e assim a distorcer a história. A realidade, portanto, remete-nos aos
anos cinquenta, e apesar do atraso com o qual os brasileiros sempre recebiam as
novidades culturais vindas do primeiro mundo, a explosão do Rock’n' Roll chegou
quase simultaneamente por aqui.
Há quem defenda a tese de que a
primeira Rocker do Brasil fora Nora Ney. De fato, essa cantora lançou em 1955, um
compacto com a versão da música, “Rock Around the Clock” que fazia parte da
trilha sonora do filme : “The Blackboard Jungle” (“Sementes da Violência”),
portanto, pode ter sido a primeira artista a gravar um Rock no Brasil, mas é
público e notório que tal gravação houvera sido perpetrada por pressão da gravadora, para
aproveitar o sucesso internacional do filme e da canção, e Nora só fora
convocada a gravar, pois entre as cantoras do elenco da gravadora, era a única
que tinha uma melhor pronúncia do idioma inglês, e na impossibilidade para gravar-se uma versão em português, essa foi a melhor solução para gravar e lançar o mais
rápido possível.
Nora Ney fora uma cantora a apresentar um tipo de repertório
comedido dentro da MPB, na década de cinquenta, sendo ela mesma, uma egressa do modismo das “Cantoras do Rádio”, um espectro amplo, tradicional, e ainda mais
remoto na história da MPB e do radialismo nacional. Sendo assim, se Nora gravara o primeiro
Rock, fora um ato absolutamente a seu contragosto, e sob uma segunda leitura óbvia, sem
nenhum comprometimento com tal estética, aliás, pelo contrário, a causar-lhe um
certo constrangimento pessoal (é bem verdade que no final da vida, já idosa,
tal fato passou a ser explorado em seu portfólio, e tornou-se um mote importante para
seu empresário vender os seus shows, e um amigo meu, com o qual eu toquei nos anos
noventa, Juan Pastor, baterista do Pitbulls on Crack, chegou a ser de sua banda
de apoio em algum momento do final dos anos oitenta). Mas a hipótese mais plausível, ao
considerar-se a sua intenção concreta, é no entanto, a de que a primeira gravação de
um Rock, de fato, teria sido através de : “Betinho e seu Conjunto”.
Betinho (Alberto Borges de Barros),
líder dessa banda, era o guitarrista, e a sua trajetória musical começou bem
cedo, pois ele era filho de Josué de Barros, um produtor musical que descobrira,
ninguém menos que Carmem Miranda ! Na adolescência, Betinho chegou a tocar
violão com a “Rainha dos Balangandans”, um motivo de orgulho para o seu
currículo pessoal. Entre 1941 e 1946, ele foi membro fixo da
orquestra de Carlos Machado, para tocar em muitos cassinos abertos na época, naturalmente.
Nos anos cinquenta, ele foi um dos primeiros
músicos brasileiros a tocar guitarra elétrica em suas apresentações, quando formou
a sua banda : “Betinho e Seu Conjunto”.
O seu espectro musical foi muito amplo,
ao ir através da MPB tradicional aos ritmos nordestinos; do som caribenho ao Jazz, com
abertura para todo tipo de música étnica, muito antes de ser cunhado o termo
: “World Music”. A sua linha de atuação era eclética,
também, ao participar de bailes em salões de clubes, até shows em boites / casas noturnas etc.
Ouça "Neurastênico", grande sucesso radiofônico de Betinho e seu Conjunto
Ele já havia emplacado um sucesso
radiofônico em 1954, quando lançou a música : “Neurastênico”, um de seus maiores
sucessos em disco, e conhecida até os dias atuais. Antenado no que acontecia no "primeiro mundo",
Betinho logo percebeu que o Rock’n' Roll seria algo além de uma moda passageira,
como outros tantos ritmos cinquentistas que estouravam, tais como o Twist e o Calypso.
Ao incorporar as tradições do Blues;
R’n’B e do Country & Western, tal como os seus pares internacionais, e notadamente os
norteamericanos estavam a fazer, Betinho engatou diversos Rocks em suas
apresentações pela noite de São Paulo, e causou furor local, na mesma medida em
que o fenômeno acontecia na América do Norte. Em 1957, ele mergulhou de cabeça no Rock’n'
Roll, quando lançou o LP “Enrolando o Rock”, e ao contrário de seus álbuns
anteriores, mostrou-se focado no ritmo, e não eclético em demasia, ao misturar várias tendências.
Uma grande oportunidade para alavancar
a carreira, surgiu em 1957, quando “Betinho e seu Conjunto” apareceram em um
filme longa-metragem, que fez relativo sucesso em termos de crítica e público, denominado
: “Absolutamente Certo”, obra do diretor / ator, Anselmo Duarte. Em uuma cena em que as personagens
principais entram em uma boite, o Rock’n' Roll estava a soar solto, com Betinho
a debulhar a sua guitarra Fender Stratocaster, com um público em frenesi, bem
naquela atmosfera de loucura cinquentista que era vista em filmes norteamericanos contemporâneos. Veja abaixo, a cena do filme citado :
O sucesso motivou-o a prosseguir, e dessa forma, em
1958, ele repetiu a dose com mais um álbum inspirado no Rock’n' Roll, chamado : “Rock &
Calypso”. Ao observarmos Betinho em ação, torna-se inevitável
não associá-lo ao ídolo, Buddy Holly, seu contemporâneo lá do hemisfério norte.
Por tratar-se de um excelente
guitarrista, Betinho em nada deixava a dever para qualquer guitarrista
estrangeiro, e certamente foi um dos primeiros brasileiros a empunhar e dominar
uma guitarra Fender Stratocaster, e para quem possui melhores conhecimentos sobre a música Pop / Rock, sabe do que
estou a afirmar.
Na virada de década, Betinho e Seu
Conjunto ainda lançou algum material centrado no Rock, todavia, por conta de um caso de conversão
religiosa, isso motivou a mudança no seu rumo na vida.
Por tornar-se pastor evangélico, Betinho centrou
os seus esforços doravante, na música "gospel", como produtor de cantores desse nicho
musical / religioso, e eventualmente a gravar como guitarrista para suprir os artistas desse
setor.
Então foi isso... em 1957, Betinho
enlouquecia a juventude paulistana antenada no Rock’n" Roll in natura, a debulhar a sua
guitarra e dessa maneira contrariar a versão mal contada da história do Rock no Brasil, narrada por “formadores de opinião” que nessa mesma época, enchiam as suas fraldas
com o mesmo tipo de material que produzem em seus respectivos cérebros, ou
simplesmente, nem eram nascidos, e demorariam um bom tempo para tal...
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2015
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