domingo, 31 de janeiro de 2016

Vasconcelândia, um Sonho Subestimado Indevidamente - Por Luiz Domingues



A história está recheada por exemplos de empreendedores que sem recursos, foram ignorados, retumbantemente. Pior que isso, são os boicotes e sabotagens perpetrados pelas ditas “forças ocultas” sempre prontas a atrapalhar a vida de pessoas humildes que só desejam melhorar a vida da coletividade, seja lá em que área for, da arte à ciência.
Não é preciso recuar muito no tempo para que lembraemo-nos do exemplo de Preston Tucker, um empresário que ousou criar uma linha de automóveis com tecnologia e desempenho econômico muito maior do que os bólidos criados pelas montadoras tradicionais, e a maneira pela qual ele foi esmagado pelo “trust”, e com a conivência vergonhosa do poder público mancomunado.
No Brasil, sob uma escala menor, mas semelhante, Amaral Gurgel fez o mesmo, e nesses termos, o automóvel que ele criou, o “Gurgel”, que prometia baratear o custo da absurda tabela com a qual a indústria automobilística trabalha no Brasil, foi duramente combatido até chegar à extinção. Não adianta ser ingênuo, uma pessoa sem recursos e sobretudo sem influência no mundo corporativo e político, quando tenta lançar algo que beneficie a população, mas quebra os interesses dos poderosos, é duramente atacada, até a extinção de seu intento.
Talvez não contasse com isso, devido à sua popularidade que era grande na década de sessenta, mas infelizmente, o comediante, José de Vasconcelos foi mais uma vítima do boicote que toda formiguinha cheia de boas intenções, sofre da parte dos mastodontes que julgam-se como os donos do mundo...
José de Vasconcelos entrou para a história do humorismo brasileiro, por ter sido uma dos precursores do estilo, “Stand Up Comedy”, no país.
Foi também o primeiro humorista nacional a explorar o filão dos LP’s, ao fazer sucesso com discos gravados ao vivo de suas apresentações em tom de "Stand up", ou seja, os famosos discos de piadas.
Atuou com muita contundência na TV; teatro e cinema, ao criar personagens hilários. Além de ser um bom artista performático, como ator /comediante; era também um bom redator de humor, ao criar o seu próprio texto, e acumulou com muito sucesso a produção de seus espetáculos, ao dar-lhe uma certa tarimba empresarial para lidar com o show business.


Nos anos sessenta, ele estava muito famoso e graças à sua habilidade empresarial própria, adquiriu uma segurança financeira excelente e rara entre artistas brasileiros que tendem a “torrar” todo o dinheiro obtido em tempos de bonança na carreira, e quando a decadência bate na porta, ficam à míngua.
Por volta de 1964, Vasconcelos viajou aos Estados Unidos e teve um “insight” em sua mente, quando visitou o parque Disney. Em uma época em que não havia parques temáticos no Brasil, e a “Disneyland” exercia uma capacidade enorme de admiração e deslumbramento no imaginário terceiromundista do brasileiro médio, Vasconcelos vislumbrou uma possibilidade rara. Daí em diante, a ideia cresceu em seu íntimo, e a usar de seu caixa pessoal, comprou um terreno gigantesco na cidade de Guarulhos, localizada na região metropolitana da grande São Paulo, com mais de um

milhão de metros quadrados.
A sua ideia foi criar um parque temático ao estilo Disney, com diversas atrações, mas a garantir um toque de brasilidade, naturalmente, ao aproximar-se de nosso espectro cultural, e não a imitar o padrão americanizado de Walt Disney. Em sua concepção, Vasconcelos sonhava com brinquedos coletivos de última geração; atrações náuticas para aproveitar o lago artificial que ambicionou construir; piscinas, restaurante & lanchonete; um cinema ao estilo Drive-in; teatro; maquetes gigantes de cidades brasileiras; e uma linha de trem, que circularia pelo parque inteiro, para transportar os seus visitantes em meio à todas as atrações disponíveis.
Esteve muito empolgado com o seu plano e julgou que ganharia facilmente a simpatia das autoridades pelo empreendimento, assim como de empresários que entrariam juntos em seu sonho, a disponibilizar robustas verbas como patrocínio etc. Como receita extra, também criou um plano de inclusão de sócios, no esquema semelhante ao de um clube socioesportivo.
Mas o tempo passou e sem nenhum apoio, ele não recebeu apoio e assim, foi a investir as suas economias pessoais, e além de ter desembolsado uma fortuna pela aquisição do terreno, bancou igualmente todo o trabalho de terraplanagem e construção das instalações básicas iniciais, e o dinheiro simplesmente pôs-se a acabar, sem que nenhum apoio de fora o ajudasse. Nessa altura, o projeto de seu parque mostrava-se engavetado nas repartições públicas. Ninguém da Embratur empolgara-se com a ideia de um parque temático ser construído no Brasil, a revelar uma falta de visão e empenho, impressionante.
Procurou-se então o apoio estrangeiro, quando Vasconcelos visitou grupos empresariais alemães e japoneses, mas ambos desistiram de fechar a parceria quando viram que a estrada de acesso para o parque não era pavimentada, e o governo não apresentara nenhum projeto para providenciar tal melhoria na infraestrutura pública adjunta. Então, Vasconcelos apelou para a sua fama pessoal como artista. Ao viver um auge de popularidade, compareceu em tudo quanto é programa de TV, para falar de seu projeto.
Entre 1968 e 1970, principalmente, lembro-me em vê-lo a explanar sobre o seu Parque, e o quanto os seus olhos brilhavam, quando empolgava-se em falar sobre planos nesse sentido. Ele exibia maquetes e até plantas arquitetônicas para explicar a sua realização.


Eu, como criança na época, convencia-me facilmente que seria sensacional, e mal via a hora do Parque ficar pronto e aberto ao público, a funcionar a todo vapor e ao mesmo tempo, achava exótico vê-lo a falar sério, visto estar acostumado a enxergá-lo somente como comediante, a estabelecer as suas expressões faciais tresloucadas, para marcar a sua interpretação de seus tipos malucos.
Simultaneamente, ao perceber que nem o governo, nem a classe empresarial o ajudavam, Vasconcelos aproveitou um bom momento na Bolsa de Valores e vendeu papéis de seu parque em construção, o que deu-lhe um pequeno respiro financeiro, mas na gangorra ingrata que é o mercado de ações, claro que durou pouco esse alívio e a sua situação tornou-se um pesadelo a posteriori.


No início dos anos setenta, com a falta de recursos e apoio, Vasconcelos começou a enfrentar também o descrédito, e a galhofa dos maldosos de plantão. Muita gente insatisfeita com a demora do parque em materializar-se integralmente, e com um título de sócio em mãos, começou a reclamar.
Concomitantemente, os maldosos por ofício, começaram a lançar pilhérias que espalharam-se no ar, como pólen. Ao ridicularizar-se o sonho de Vasconcelos, toda uma gama de piadas de péssimo gosto tratou em criar no imaginário público, a ideia do fracasso. Até a escolha do nome do parque caiu na berlinda, ao ser objeto de piadas sobre o caráter “megalomaníaco” de seu significado. Pior ainda que isso, uma culpabilidade odiosa, ao dar-se a entender que a Vasconcelândia fracassara pela incompetência pessoal de José de Vasconcelos.
Pura intriga maledicente, pois Vasconcelos deu todo o seu empenho e recursos pessoais para o empreendimento lograr êxito e se não deu, foi por absoluta falta de apoio. Inacabado, o parque manteve-se com muita dificuldade, e sub-aproveitado, pois a locação para eventos particulares tornou-se a única solução para cobrir as suas despesas operacionais mínimas. Casamentos; festas de aniversário; congraçamento de funcionários de empresas, enfim, o subaproveitamento da área. Até que o terreno (e os seus poucos equipamentos disponíveis), foi vendido para uma empresa de panificação industrial, que o mantém até os dias atuais.
Vasconcelos nunca mais foi o mesmo. Mesmo ao haver mantido uma boa sobrevida como comediante, ao ingressar no time da “Escolinha do Professor Raimundo”, de Chico Anysio, nos anos noventa, a sua frustração com a não concretização de seu parque temático, o amargurou até seus dias finais, em 2011, quando partiu para o descanso definitivo. Anos depois de ser ironizado e até tachado como um Quixote ingênuo, os parques temáticos vingaram no Brasil. Beto Carrero World; Playcenter; Parque da Mônica; Parque da Xuxa, e tantos parques aquáticos pelo país inteiro...
José de Vasconcelos não merecia ter sido ironizado daquela forma.

Empreendedor criativo, a sua intenção fora a melhor possível e no afã em fazer acontecer, gastou as suas economias pessoais e desgastou o seu prestígio como artista ao lutar sozinho contra os moinhos de vento. O seu pecado ? Não ter sido milionário e sobretudo, não fazer parte dos conluios odiosos. Em meu imaginário pessoal, fica a minha admiração por ele ter sonhado, e lutado pelo seu sonho.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu em 2016

8 comentários:

  1. que Historia do grande Humorista Jose VAsconcelos , desconhecia o que aconteceu com ele na sua luta por querer criar o seu Parque na época. abraços Luiz Domingues

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    1. Impressionante mesmo como o Vasconcelos sonhou com um empreendimento grandioso; teve coragem de querer tirá-lo do papel e como foi vítima dos comentários desdenhosos; falta de apoio e principalmente por perder todas as suas economias e ver seu prestígio como humorista ser demolido.

      Uma vítima do Brasil, um país que massacra o empreendedorismo...

      Grato por ler e comentar, amigo Oscar !

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  2. José Vasconconcelos era um abestalhado. Achou que conseguiria repetir aqui o sucesso da disney. Imbecil. Walt tinha o rato e todos os outros personagens infantis, que porra tinha o veado do Zé Vasconcelos? Só a porra da piada da velinha. Se fodeu.

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    1. Isso é relativo. O Beto Carteiro tinha o que? No entanto seu parque é sucesso.

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    2. Bem, senhor Cardinale, eu realmente não entendi o teor do seu comentário, pois a rigor, a sua argumentação apenas baseou-se no fato de que não admira Vasconcelos como comediante e sobretudo, o despreza como empreendedor, talvez por supostamente achar que somente o senhor Disney teria o direito em ser bem sucedido.

      Certamente que não há termos de comparação com o poderio de um e do outro. Realmente Walt Disney teve Mickey Mouse como um trunfo a alavancar a sua carreira, mas isso invalidou o sonho de Vasconcelos em que sentido ?

      Bem, respeito a sua opinião, mas como afirmou com propriedade o senhor Douglas Stange, acima, a sua linha de raciocínio foi bastante relativa. Exatamente pelo exemplo que ele citou em relação à Beto Carreiro, por exemplo.

      De qualquer forma, sou grato ao senhor por ter lido e comentado, agradecimento que estendo ao senhor, Douglas pela participação, igualmente !

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  3. O senhor Cardinale assim como tantas outras pessoas neste país, desdenham dos sonhos de muitos que sim tem a coragem de empreender e muitas das maiores corporações e ou organizações foram realizadas por supostos sonhadores e temos vários exemplos hoje em dia, mas infelizmente ele não teve a ajuda de politicos e empresas da época que não vislumbraram o ótimo negócio tanto na arrecadação de impostos como progresso para a região, por falta de visão para o presente e o futuro próximo entre outros e certamente foi determinante e culminaram com malfadado empreendimento do corajoso e talentoso José de Vasconcelos.

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  4. Cheguei a ir em meados de 1974 onde se encontrava o local da Vasconcelandia em Guarulhos ou próximo.( já nem lembro ao certo ).Caminhamos um bom pedaço em terra batida com.o nosso fusquinha. E ao chegarmos noo local do parque tudo fechado. ONDE FOI UMA DECEPÇÃO. Logo percebemos que ali não sairia nada....Uma pena.....

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  5. Numa viagem pela Dutra, no final da década de 60, encantei-me em ver um outdoor, à beira da famosa rodovia, anunciando o empreendimento. Jovem ainda, senti, como brasileiro de carteirinha, um enorme orgulho do projeto do Zé. Divulguei-o, ao maximo que pude, na cidade de Sorocaba, onde residia e ainda resido. Lamentável a falta de apoio que teve.

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