Antes de comentar sobre o filme, "Sunset Strip" ("Buscando a Fama", em português, aliás, outro título inventado pelos distribuidores brasileiros e completamente desconectado da intenção original dos seus idealizadores), é preciso falar um pouco sobre o contexto em que insere-se tal logradouro, localizado na cidade de Los Angeles, na Califórnia. Ocorre que tal via importante dessa cidade, ganhou uma boa dose de fama extra, por ter sido o ambiente em que houve uma explosão espontânea e muito popular em meados dos anos sessenta, ao reunir diariamente, por muito tempo, uma multidão de jovens identificados com o movimento hippie e a trazer no bojo, Rockers, artistas, intelectuais e todo o tipo de pessoas dispostas a buscar um modo de vida alternativo e pejorativamente designados pelas pessoas com mentalidade conservadora, como: "freaks".
Acima, fotos reais dos famosos distúrbios ocorridos na Sunset Strip, ao final de 1966
Aliás, cabe explicar que o termo, "Freak" (traduzido livremente como "esquisito", ou em termos mais pesados como: "aberração"), foi absorvido pelos hippies e dessa maneira, adquiriu uma outra conotação mais branda e até, de certa forma, a tornar-se motivo de orgulho, como se fosse um manifesto em torno de que tais pessoas fizessem questão de deixar claro não adequavam-se aos valores tradicionais da sociedade de consumo e dotada de seus valores conservadores. Dessa forma, para muitos, ser um "freak", denotou veladamente uma afronta provocativa aos detratores, no sentido implícito de querer expressar o sentimento de que: -"Sim, eu sou freak mesmo, pois não acredito e não sigo os parâmetros da sociedade hipócrita a cercear a liberdade e a criatividade espontânea de cada pessoa". Muito bem, o fato é que a Sunset Strip tornou-se famosa nos anos sessenta, também por ter protagonizado tais concentrações e houve até um momento de conflito mais tenso, ao final de 1966, quando a polícia atacou a massa e cuja efeméride ficou conhecida como: "Sunset Strip Curfew Riots" (na livre tradução, seria: "toque de recolher na Sunset Strip"), e que ganhou uma subdesignação como: "Hippie Riots" (tumultos hippies).
O excelente grupo de Rock, norte-americano: Buffalo Springfield
Esse evento foi deveras opressivo, pois a prefeitura de Los Angeles quis mesmo impor um toque de recolher, para impedir que os hippies se reunissem todas as noites ali naquela via. Isso motivou o cinema a lançar um filme produzido muito rapidamente para explorar tal história, chamado: "Riot on Sunset Strip", em 1967, e cuja resenha faz parte deste livro, pois além de ser uma peça contracultural evidente, configura-se como um Rock Movie, certamente pelas aparições de importantes bandas da cena psicodélica em voga. tal resenha é econtrada no índice, é óbvio. E outras manifestações sobre o assunto, abundam, como por exemplo, a música: "For What is Worth", da ótima banda sessentista, "Buffalo Springfield", que tem como tema, exatamente essa situação vivida em 1966.
A Sunset Strip reúne até os dias atuais (2012), uma série de bares e casas noturnas, aliás, desde os anos vinte do século passado, e por décadas, movimentou a fina flor da classe artística ligada à indústria do cinema, sediada na cidade.Tornou-se comum, portanto, a presença de grandes astros do cinema a frequentar as casas noturnas distribuídas ao longo de cerca de dois quilômetros e meio de extensão dessa via.
Entretanto, o panorama mudou um pouco, quando a mesma avenida tornou-se o ambiente para a contracultura sessentista explodir e assim, as casas noturnas abriram espaço para shows de Rock, caso das famosas: "Whisky a Go Go", "Pandora's Box", "Roxy", "London Fog", entre outras. Centenas de bandas importantes tocaram nesses estabelecimentos, algumas inclusive que se tornaram mundialmente consagradas a posteriori, daí ter havido uma grande fama em torno da movimentação cultural em torno dessa ambientação. Portanto, foi por conta de todo esse histórico pregresso que houve a motivação para tanto falar-se a respeito de Sunset Strip e não foi diferente em relação ao caso do filme que motiva esta resenha: "Sunset Strip" ("Buscando a Fama").
Um dia em Los Angeles, em pleno ano de 1972, com muitos fatos a acontecer simultaneamente e entrelaçadas por um mesmo sonho.
Esse é o mote do filme, "Sunset Strip", obra do diretor, Adam Collis, lançado em 2000. São várias situações aparentemente díspares entre si, mas entrelaçadas pelas motivações em torno do Rock e nesse aspecto, o filme narra subliminarmente sobre o sonho idealizado em torno desse ideal.
Não há neste filme, um protagonista bem delineado, dada a multiplicidade de histórias correlatas, que são mostradas, no entanto, é possível destacar-se uma personagem que mais aproxima-se desse protagonismo, e que seria portanto, a figura de Zach (interpretado por Nick Stahl), que é um jovem guitarrista aspirante a alcançar o estrelato, enquanto sobrevive em seu cotidiano nada glamoroso, mediante subempregos. Na base do esforço e tenacidade, ele consegue que sua desconhecida banda, abra o show de um astro do Rock britânico (fictício), chamado: Duncan (interpretado por Tommy Flanagan).
Duncan é um artista considerado "cool", pela imprensa especializada e igualmente consagrado, ao ponto de ser idolatrado, por seus fãs. Ele tem uma veia performática que gira entre os estilos de David Bowie; Jim Morrison, e Peter Gabriel, se é que fosse possível abranger tantas nuances diferentes assim. Duncan possui o seu público fanático e que por conta dessa idolatria, mostra-se muito exigente, no sentido de não nutrir simpatia por outros artistas e não ter a mínima paciência com artistas desconhecidos que eventualmente apresentem-se para abrir os shows de seu ídolo.
Na vida pessoal, Duncan mantém um romance rápido com a estilista, Tammy Franklin (interpretada por Anne Friel), que é dona de uma confecção bastante badalada no meio artístico, por conter como clientela base, muitos astros do Rock norte-americano, como Glen Walker (Jared Leto), famoso na cena do Country-Rock (e um artista fictício, igualmente), com quem mantém um caso amoroso, também.
Apaixonado pela estilista, o fotógrafo de moda, Michael Scott (interpretado por Simon Baker), acompanha toda a movimentação em torno desses Rockers, no atelier de Tammy e tenta ajudar um amigo seu, compositor, Felix (interpretado por Rory Cockrane), que é depressivo e costuma afoga-se no álcool e nas drogas para justificar a sua apatia excessiva e que no fundo, ele gosta de encenar com exagero para os demais que o rodeiam.
Outro personagem interessante, é o empresário artístico, Marty Shapiro (Adam Goldberg), que empresaria bandas orientadas pela estética da Black Music (Soul Music-Funk-R'n'B). Completamente histriônico e prolixo, oferece momentos cômicos ao filme, sem dúvida.
Toda ação do filme, acontece no espaço de vinte e quatro horas, a gerar um dinamismo grande à trama. Zach e a sua banda estão programados para abrir o grande astro britânico, Duncan no emblemático, Whisky a Go Go, uma casa de shows tradicional na vida real. Confusões as mais diversas acontecem durante todo o dia. Zach é paquerado por uma bela mulher e ao aceitar o convite para entrar em seu carro, é conduzido para uma mansão e descobre que o seu namorado é uma estrela temperamental da música Folk, que o expulsa a tiros (menção à Mr. Zimmerman?).
Enquanto isso, no atelier de Tammy, a temperatura sobe nos provadores de roupas, a cada instante.
Duncan aparece com a sua entourage, e por ostentar seu temperamento alterado, entra pleno de uma espécie de empáfia, mais a parecer algo proposital para compor uma imagem pública estudada para servir-lhe como aparato na carreira (de fato, esse tipo de recurso ocorre por orientação alheia e que alguns artistas adotam para atingir o seu objetivo). O fotógrafo, Michael Scott, fica dividido entre aproximar-se de Tammy, tentar ajudar o seu amigo Felix e aguentar o empresário falastrão, Shapiro, tudo isso simultaneamente.
Todavia, o mote principal dessa balbúrdia é o jovem guitarrista, Zach e o seu sonho pessoal em tornar-se uma estrela do Rock. Enquanto sonha com a fama, em seu cotidiano, ele costuma tocar solitariamente em sua casa. Ao empunhar a sua guitarra, Fender Stratocaster, toca na varanda de sua casa e sempre ouve outro misterioso guitarrista a tocar pela vizinhança. Então, ele percebe que esse enigmático guitarrista, não reconhecido pelo alcance visual, mas somente por audição, o provoca, no bom sentido do termo, a propor subliminarmente realizar duelos entre guitarras, porém, não consegue identificar de onde esse rapaz está a tocar.
Chega enfim o momento do grande show de abertura para o astro britânico, Duncan, e tudo dá errado para Zach e os seus companheiros. O áudio está um horror, o público só quer saber do show do seu grande astro, Duncan, e assim, como consequência infeliz, o dono do Whisky a Go Go, expulsa sumariamente a banda do palco, com bastante truculência e desdém.
Felix desiste do suicídio (que na verdade fora apenas um blefe romântico de sua parte) e Glen Walker tem uma epifania sobre o novo rumo que sua carreira vai adotar doravante.
Frustrado, Zach volta para a casa e mente ao seu vizinho, um simpático senhor idoso (que fora músico nas décadas de quarenta e cinquenta e costumava incentivar a luta do jovem aspirante a artista, para buscar um lugar melhor no mundo da música), ao dizer-lhe ter dado tudo certo na apresentação realizada no Whisky a Go Go, e que um grande contrato foi oferecido-lhe, decorrente da boa impressão que causara, ou seja, uma mentira em tom de comiseração para com o senhor idoso, no intuito de poupá-lo do dissabor que ele teria ao saber a verdadeira resolução do caso.
Esse é um momento pungente do filme, pois firma a questão do músico em torno de seu sonho em alcançar o sucesso, na forma dessa sinergia entre dois músicos divididos por gerações diferentes, porém unidos pelo mesmo ideal.
Para finalizar, Zach vai a uma lanchonete e após sair dela, ouve o misterioso som de uma guitarra a ecoar em um beco próximo. Bingo... é o seu vizinho guitarrista que nunca identificara anteriormente, e que toca o lindo tema que sempre ouve de sua varanda ("Cannyon Song", música da The Band).
Ao aproximar-se, percebe que o tal rapaz a tocar no beco, era um garçom da lanchonete e assim desvenda-se o enigma: trata-se do misterioso guitarrista em questão. Essa cena final é emblemática, pois sem pronunciar nenhuma palavra, ambos entendem-se ao conversar através das suas guitarras. É bonito vê-los a tocar em duo, com os olhos de ambos a brilhar e a certeza final: no Rock, o sonho nunca acaba. E de fato, é anunciado nos caracteres finais, que Zach e esse guitarrista do beco, fundaram uma banda dali em diante e que esta forjara uma carreira bem sucedida nos anos vindouros.
Em suma, um bom filme, embora com a trama a revelar-se bem simples e tratada de uma maneira rápida a retratar diversas nuances sobre os bastidores do Rock setentista, com uma encenação frenética e entremeada por muitos personagens a interagir sem necessariamente, haver uma relação mais aprofundada entre eles.
Algumas situações cômicas estão inseridas a garantir a porção do humor e a mensagem ao mostrar-se o lado lúdico do sonho, enquanto uma aspiração legítima, pois a vontade dos aspirantes é sempre nutrida pelos belos propósitos. Não trata-se de uma obra prima, sob o ponto de vista cinematográfico, mas certamente é agradável para assistir-se.
Tal filme teve uma curta vida em termos de exibições em salas de cinema, portanto, a arrecadar pouco. Ficou restrito a uns poucos festivais de cinema, tão somente e ganhou uma sobrevida mediante melhores resultados, quando avançou pela cadeia natural da distribuição ao chegar à TV.
Até a metade dos anos 2000, teve muitas reprises em canais de TV a cabo, predominantemente. Curioso, em 2001, em plena era digital já sedimentada, foi anunciado o lançamento da obra em formato VHS, algo aparentemente superado, tecnologicamente. Mais curioso ainda, no mesmo ano, houve um relançamento em DVD e posterior relançamento no mesmo formato, com a opção em assistir-se em duas versões, com tela cheia e outra, em tela larga.
Na Internet, é difícil achar-se uma cópia integral no YouTube, no entanto, apenas fragmentos são encontrados. Em alguns portais mais obscuros, como o "tubitv" e outros, consta em suas listas a presença dessa obra, entretanto, fica a advertência de que muitos canais dessa natureza pedem a inscrição obrigatória e alguns deles estão infectados por vírus, portanto, é preciso cautela antes de aventurar-se em assistir em qualquer portal desses.
Ainda a falar sobre o filme, cabe acrescentar alguns atores participantes e não citados ao longo da resenha: Darren E. Burrows (como Bobby), John Randolph (como Mr. Niedehaus), Stephanie Romanov (como Christine), Mary Lynn Rjskub (Eileen), Maurice Chasse (como Nigel), Mike Rad (como Badger), Josh Richman (como Barry Bernstein) e outros.
Sobre a trilha sonora, o material foi composto por Stewart Copland, famoso por ter sido baterista do grupo, "The Police", ao final dos anos setenta e cuja sonoridade básica não comunga desses ideais sessenta-setentistas, mas é bem sabido que Stewart não caiu de paraquedas na cena Pós-Punk no período pós-1977, mas pelo contrário, mantinha uma longa trajetória no Rock britânico, incluso com bons trabalhos realizados com a banda,"Curved Air", versada pela escola do Rock Progressivo setentista.
Acima, na primeira foto, o músico e compositor, Stewart Copland, em ação no estúdio. Na segunda, o excelente, Robbie Robertson, em fotos dos anos setenta em ação coma The Band
Em suma, um músico muito competente e com noção da história. Como se não bastasse, a coprodução musical desse filme, esteve a cargo de: Robbie Robertson, guitarrista da genial "The Band", isto é, um participante ativo desse período, a dispensar maiores explicações. Em suma, o som que se ouve no filme, é muito fidedigno ao ambiente de 1972, sob diversas vertentes, tanto em termos estéticos, quanto no esmero de apresentar um áudio bastante condizente em termos de timbres e produção em geral.
Escrito por Randall Jahnson e Russell DeGrazier. Produzido por Art e John Linson. Dirigido por Adam Collis, foi lançado em agosto de 2000. Mesmo a configurar-se em uma produção simples, vale a pena assistir, eu garanto.
Resenha publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2011. Tal resenha foi revista e ampliada, para ser incorporada ao livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", devidamente alojada em seu volume I, a partir da página 149
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