Ainda chocado com a notícia do falecimento do jornalista cultural Daniel Piza, na última sexta feira de 2011, fiquei a pensar em dois aspectos básicos que essa notícia causou-me : o primeiro, óbvio, diz respeito ao caráter efêmero da vida. Como pode um homem aparentemente saudável, com apenas quarenta e um anos de idade ser surpreendido por um ataque de AVC, fulminante quando aproveitava as suas férias, justamente sob um ambiente interiorano, bucólico e longe do estresse da metrópole ? Certo, eu não o conhecia pessoalmente e portanto não sabia sobre os seus hábitos pessoais. Será que era fumante ? Abusava de uma alimentação gordurosa ? Seria sedentário ?
Mesmo assim, a julgar pela pouca idade e sua aparência nas fotos, passava-me a impressão de ser uma pessoa com hábitos saudáveis e ao basear-me no seu poderio intelectual, certamente devia ser consciente ao extremo, no tocante aos cuidados consigo próprio. O segundo aspecto que fez com que eu pensasse, foi justamente o da perda de um jornalista brilhante e que fará uma falta enorme.
Eu acompanhava a coluna "Sinopse", mantida pelo jornalista, Daniel Piza, há muitos anos no Jornal : "O Estado de São Paulo". Nela, Daniel Piza discorria sobre assuntos variados, com extrema desenvoltura, ao demonstrar estar muito bem embasado em suas colocações.
Se fosse um médico, Daniel Piza seria um clínico geral, sem dúvida, tamanha a sua capacidade para discernir sobre diferentes aspectos, com foco e impressionante conhecimento de causa. Da política à economia; dos aspectos sociais à literatura; do ambiente acadêmico à ciência; discorria sobre todos os ramos artísticos e até o futebol, coberto com um conhecimento mais avantajado do que muitos setoristas por aí...
Em sua coluna, denominada : "Sinopse", cada aspecto de sua observação arguta detinha um subtítulo específico, que conferia-lhe um charme especial. Quando comentava aspectos do futebol, assinalava ser no "Ludopédio" ; quando falava de música, "De la Musique"; Sobre cinema, era "Cahiers du Cinema"; quando criticava contradições do governo, "Por quê não me Ufano" e assim por diante. Daniel Piza foi um polemista por excelência. Não escondia de ninguém que Paulo Francis fora um ídolo seu, no jornalismo e de certa forma, podemos mesmo afirmar que foi o seu mais fiel herdeiro desse estilo, no jornalismo cultural atual. Se não tinha a verborragia corrosiva de Francis, mesmo por ser mais educado, sabia alfinetar com classe, ao levantar as suas opiniões e mediante sólidos argumentos, confrontou muitas ideias ao longo desses anos todos com a atividade na sua "Sinopse" do Caderno 2, aos domingos.
Particularmente, eu também tive os meus pontos em desacordo com ele. Mas nada que suplantasse a minha admiração pela sua caneta forte no jornalismo. No campo das artes, por exemplo, principalmente na música, nunca engoli a sua insistência em incensar Elvis Costello, a imprimir-lhe uma aura de genialidade que certamente tal compositor britânico, nem em sonhos tem ou terá. Fora uma pura idiossincrasia da parte do Daniel Piza, mas isso não desabonara em nada o seu brilhantismo intelectual e conduta limpa no jornalismo.
Piza deixou-nos vários livros lançados, entre eles : "Jornalismo Cultural" (2003); "Ora Bolas" (sobre futebol); "Mundois" (para crianças), "Amazônia de Euclides" (onde percorreu a mesma trilha de Euclides da Cunha, que também fora repórter do "Estadão), e "Questão de Gosto". Teve passagens pela Folha de São Paulo; Gazeta Mercantil; e na TV, foi comentarista de bancada da ESPN Brasil e SporTV, além da Globo News. Escreveu inúmeros ensaios; críticas literárias; resenhas para filmes; shows musicais; peças teatrais; instalações e exposições de artes plásticas e resenhas esportivas, além de manter um bom Blog pessoal na internet.
Perde e muito o jornalismo cultural brasileiro com o seu falecimento precoce. Eu gostaria, ao encerrar, fazer uso de um de seus subtítulos da coluna "Sinopse". Sempre que comentava a morte de pessoas notáveis, o subtítulo para repercutir notas de falecimentos de pessoas notáveis, era : "Uma lágrima para"... poisé com pesar, que deixo escorrer uma lágrima para Daniel Piza.
Matéria publicada inicialmente na Rádio / Blog KFK, e republicada no Site / Blog Orra Meu, posteriormente e ambas, em 2012.
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