Fruto da inquietação de um grupo de artistas, a Semana de Arte Moderna de 1922, foi um grande marco para o estabelecimento de novos paradigmas culturais e artísticos em São Paulo e no Brasil. Ao romper barreiras estéticas e desagradar setores conservadores dentro da sociedade de sua época, extrapolou os limites do ambiente cultural e borrifou suas novas ideias revolucionárias, para acarretar grandes avanços no campo das ideias de uma forma geral e nos diversos ramos artísticos, a trazer o início de uma nova Era com mudanças e consequentemente, abrir um campo vasto para novos paradigmas que desenvolveram-se nas décadas posteriores.
Tal evento ocorreu entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, tendo como seu palco principal de manifestações, o Teatro Municipal de São Paulo. O primeiro ponto foi : Por quê em São Paulo e não no Rio de Janeiro, então capital nacional, maior e mais importante cidade naquela época e referência no campo da cultura ? Uma explicação para tal dá-se no fato de que esses artistas jovens que estavam impressionados com novos conceitos culturais, estavam concentrados em sua maioria na capital paulista. Outro ponto, é que no Rio, onde ficava a sede da Academia Brasileira de Letras, havia uma forte polarização conservadora pró-academicismo tradicional e fechado em ideias parnasianas antigas. Claro que havia jovens artistas antenados nas novas tendências, mas os embates acalorados contra os conservadores da ABL, inviabilizavam a realização de tal ruptura pública, no solo carioca.
E o terceiro ponto: São Paulo dos anos vinte foi uma máquina de progresso, acentuadamente. As velhas oligarquias formadas por fazendeiros interioranos, produtores de café, perdiam força econômica e política, em detrimento da forte industrialização na capital. Com a cidade a crescer vertiginosamente, somada a chegada de milhares de estrangeiros oriundos de diversas nacionalidades e a euforia decorrente disso, fez da pauliceia, um ambiente mais propício para um evento cosmopolita e certamente, para dar vazão ao conceito da antropofagia de Oswald de Andrade, onde em tese, digere-se toda essa gama de elementos, quando mistura-se culturas diversas. Não há nada mais paulistano do que ver um japonês a falar português, com forte sotaque italiano... E claro, artistas cariocas, observadores dessa fervura moderna, foram em peso participar, ao receber até a alcunha de : "comitiva carioca"
E o que foi a Semana de 22, a não ser um grande Happening? Com diversas manifestações culturais a interagir simultaneamente e harmoniosamente coadunadas com um mesmo propósito : propiciar os ventos da modernidade; chacoalhar a burguesia estagnada (e por conseguinte, um agente estagnante), e colocar o Brasil, enfim, dentro do século XX, pois a sociedade brasileira ainda estava certamente com a viver sob a velha mentalidade do Império de Pedro II. Sendo assim, sob expectativa e posterior saraivada de críticas dos seus detratores óbvios, esses artistas ousados apresentaram-se e chacoalharam a arcaica cultura tupiniquim.
No dia 13 de fevereiro, a abertura do evento causou o primeiro frisson. O intelectual carioca, Graça Aranha, fez inflamada conferência sob o título : “A Emoção Estética da Arte Moderna". Espalhadas pelas dependências do Teatro, pinturas e esculturas causavam manifestações de repúdio no público. Em 15 de fevereiro, a pianista, Guiomar Novais, causou furor na coxia do teatro. Os demais artistas esperavam um repertório moderno e coerente com o conceito, mas ela quebrou o protocolo e executou antes, alguns temas da música erudita acadêmica. O público não percebeu o antagonismo estético, mas os artistas chatearam-se em princípio. A seguir, Menotti Del Picchia, faz conferência para apresentar o conceito do modernismo e quando lê trechos de poesias dessa nova tendência, ouve vaias e ruídos a imitar animais, sob uma demonstração debochada do público. Ronald de Carvalho declama o poema : "Os Sapos", de Manuel Bandeira (uma crítica feroz ao parnasianismo), e sua declamação é interrompida por um côro de repúdio que sobreveio da plateia. A apresentação foi interrompida com uma algazarra generalizada.
No dia 17 de fevereiro, o público foi diminuto. No boca-a-boca, repercutiu a balbúrdia da apresentação anterior. Mesmo assim, Villa-Lobos foi vaiado quando entrou para reger a orquestra, a calçar um sapato tradicional em um pé e no outro, um chinelo. Interpretaram isso como "esculhambação modernista", segundo consta em anais da época. Os mais expressivos nomes participantes, além dos já citados, foram os mentores : Mário e Oswald de Andrade (não eram parentes, apenas tinham o mesmo sobrenome, por coincidência); Anita Malfatti; Di Cavalcanti; Yan de Almeida Prado; Guilherme de Almeida; Sergio Milliet e Plínio Salgado, entre outros.
Mesmo assim, por tratar-se de uma época anterior ao advento do Rádio; TV e Internet, o furor restringiu-se àquelas pessoas presentes e rapidamente ficou circunscrito às rodas intelectuais pró e contra o modernismo Todavia, a semente de 1922, frutificou. A importância do evento foi notada nas décadas posteriores, como o grande divisor de águas da cultura brasileira. Dali em diante, Mário de Andrade; Oswald de Andrade e outros participantes, criariam novos parâmetros. Entre os quais, o movimento Pau Brasil; Movimento Verde / Amarelo; Grupo da Anta; Movimento Antropofágico; e a criação das revistas : Klaxon e Revista de Antropofagia.
Influenciaram certamente os concretistas, respingou no movimento Beat paulista e na Bossa Nova carioca, ambos, ao final dos anos cinquenta e explodiu no tropicalismo sessentista de Gil; Caetano e agregados, que literalmente citam a antropofagia como elemento chave, onde "engolem" a cultura brasileira, para mastigá-la com a cultura internacional, ao torná-la, una. O momento sublime onde Luiz Gonzaga e Jimi Hendrix expressam-se juntos...
Dou o meu grito de Viva (!) para a Semana de Arte Moderna de 1922, histórico momento cultural do Brasil, mas certamente muito paulista na sua maior vocação : O caráter cosmopolita e aberto a todas as culturas do planeta, sob uma autêntica "Pauliceia Babel Desvairada".
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, e republicada a seguir no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário