Foi em alguma noite de maio de 1977, cujo dia correto, não recordo-me, que eu, Wilton Rentero e Laert Sarrumor (éramos companheiros em uma banda de Rock chamada : "Boca do Céu"), fomos ao Tuca (Teatro da Universidade Católica - PUC), para assistirmos um show dos Novos Baianos. O show foi eletrizante do primeiro ao último segundo, como era a praxe daquela banda sensacional. Na primeira parte, eles tocavam os temas mais acústicos, com ritmos brasileiros etc e tal e na segunda parte, ficava só a sessão elétrica no palco, ao que chamavam-na como : "A Cor do Som". Era como se fosse uma banda dentro da outra, mas logo a seguir, o ex-baixista dos Novos Baianos, Dadi, culminou em usar o nome para fundar outra banda e a história todo mundo que acompanha a história do Rock brasileiro e da MPB conhece. Nessa hora, o show pegava fogo, literalmente, pois Pepeu; Jorginho & Didi, os três irmãos Gomes, simplesmente destruíam seus instrumentos para humilhar Rockers radicais que desdenhavam dos Novos Baianos por conta de não ser uma banda 100 % Rock'n'Roll e conter esse lado brasileiro bem acentuado. Lembro-me que o Wilton Rentero conseguiu a palheta do Pepeu Gomes na última música, e o quanto ficou eufórico. Findo o espetáculo, o Laert teve que ir embora para um outro quadrante da cidade e eu, Luiz e Wilton, resolvemos ludibriar os seguranças do teatro e tentarmos ficar no recinto, para assistir a sessão maldita, gratuitamente. Naquela época, eram comuns as sessões duplas de shows de Rock, com o primeiro show marcada para as 21:00 hs. e a segunda sessão à meia-noite, daí a alcunha : "Sessão Maldita". Conseguimos burlar a segurança, ao subirmos ao palco e fingirmos estarmos apenas a pedir autógrafos dos componentes dos Novos Baianos e quando surgiu uma brecha, entramos coxia adentro e escondemo-nos nos camarins do Tuca.
Foi uma experiência lúdica, pois o Paulinho Boca de Cantor e a Baby Consuelo ao invés de ficar bravos com a nossa invasão, solidarizaram-se e acobertaram-nos, ao deixar-nos no camarim, sob a instrução de voltarmos à plateia, assim que o show da meia-noite estivesse para começar. Lembro-me da Baby Consuelo a brincar conosco, daquele jeito despachado, ao dizer alguma coisa do tipo : -"olha os dois malucos aí, estão assustados... relaxa aí, bicho, pode ficar aí numa boa e assistir a sessão maldita"... estávamos de fato assustados por estarmos a burlar a segurança do teatro, mas muito mais por estar emocionados por encontrarmo-nos nos camarins dos Novos Baianos, e vê-los pessoalmente em um momento pós-show e a preparar-se para o segundo show; também sobre a movimentação dos roadies e técnicos a estabelecer reparos e checar o equipamento etc. Aquilo foi por demais lúdico para dois garotos sonhadores com apenas dezessete 17 anos, nessa ocasião.
Então, pouco antes de abrir as portas para o público da sessão maldita, um roadie da banda, conduziu-nos à plateia e dessa forma, assistimos novamente aquele petardo chamado : "Novos Baianos"... Na saída, por volta das duas horas da manhã, não tínhamos outra alternativa a não ser descer a Rua Monte Alegre, até a Av. General Olímpio da Silveira e esperar um ônibus para a zona leste, onde eu morava no Tatuapé e ele, Wilton, em Engenheiro Goulart. Mas não fomos somente nós... havia nesse comboio, pelo menos cerca de cem freaks que tinha o mesmo objetivo. Chegamos ao ponto do ônibus, e enquanto esperávamos a linha Penha / Lapa, eis que surge um pequeno comboio com viaturas da Polícia Militar. Com a truculência que era-lhes peculiar naqueles tempos autoritários, chegaram a enquadrar todo mundo. Fomos revistados; humilhados e os que portavam drogas, apanharam muito. O sargentão parecia alucinado e queria colocar todo mundo dentro de um ônibus e prender. E naqueles tempos difíceis, ele poderia mesmo fazer isso a seu bel-prazer. Mas por uma sorte inesperada, resolveu enquadrar só os que portavam drogas (perto de minha pessoa havia um hippie que estava a portar pelo menos trinta comprimidos do medicamento : Mandrix, droga popular na época). Dessa maneira, após um sermão moralista a exortar-nos a tomar cuidado; cortar o cabelo e pensarmos em "Deus, família & Brasil", deixou-nos em paz, finalmente. Foi uma experiência que durou cerca de trinta minutos mas que pareceu ter consumido horas...
Este texto é um excerto de minha autobiografia, que estou a escrever e publicar na comunidade : "Luiz Domingues", na Rede Social Orkut, e será republicado no Blog Luiz Domingues 2. Por isso tem o tom personalista e cita o nome de pessoas do meu contexto, no caso, meus companheiros de minha primeira banda, "Boca do Céu", Wilton Rentero e Laert Sarrumor, que foram comigo à este show dos Novos Baianos em 1977, no TUCA. A editora do Blog Limonada Hippie, Fernanda Valente, leu e quis publicar no seu Blog, o que causou uma repercussão em redes sociais, notadamente o Facebook e Google+.
que legal!
ResponderExcluirPode ter certeza de que esta memória carregarei para sempre. Como diz o grande Dr.John : "Such a night"...
ExcluirObrigado por ler, curtir e comentar !
Luiz, que fotos maravilhosas vc conseguiu para esse artigo! Obrigada por compartilhá-las, eu não conhecia! =)
ResponderExcluirAbraço amigo!
Fernanda, muito obrigado por ter lido e comentado, por aqui, também. Eu precisava ilustrar de forma diferente para diferenciar da fotoformatação que você criou para o mesmo texto, no seu Blog , Limonada Hippie.
ExcluirE achei as ilustrações focando no momento da carreira dos Novos Baianos em 1977, ocasião em que os vi, conforme nesse relato.
Que legal que curtiu e sou-lhe eternamente grato, primeiro por enxergar nesse excerto,uma possibilidade de texto avulso e interessante e depois, por publicá-lo com sucesso no LH.
Beijo, minha amiga-editora !
Bem, alguma coisa tinha que ter de bom nesses tais famigerados anos de chumbo: a boa música!
ResponderExcluirImpagável ver Novos Baianos e a Cor do Som! Não vivi nessa época, mas conheço pela internet o trabalho dessas bandas lendárias!.
Bom texto com a qualidade Luiz Domingues a que estamos acostumados!
Ana, que sensacional que tenha gostado do relato !
ExcluirDe fato, a dicotomia entre a liberdade proposta pela cultura Hippie e o chumbo do militarismo de viés direitista, era mote dos anos setenta. Ser Hippie nessa época era excitante, mas também perigoso...
Como leu, os dois shows na mesma noite, foram maravilhosos. Memória viva de minha trajetória, que guardo com muito carinho e sinto-me muito gratificado em compartilhar com quem não teve essa oportunidade.
E que elogio bonito ao final ! Sinto-me muito honrado e estimulado a prosseguir !
Grato pela visita e comentário rico !