quarta-feira, 30 de maio de 2012

Filme: Seconds (O Segundo Rosto) - Uma Nova Vida - Por Luiz Domingues

E se pudéssemos adquirir uma nova identidade no decorrer da vida, com fisionomia, documentos, atividade profissional e relacionamentos sociais completamente diferentes dos nossos? 

Pois foi nessa fantasia que o diretor John Frankenheimer baseou-se para criar: "Seconds", seu longa-metragem lançado em 1966.

A história começa com o personagem, Arthur Hamilton (interpretado pelo ator, John Randolph), um homem de meia-idade, rico, porém completamente insatisfeito com a sua vida. Tudo muda quando ele é abordado por um amigo que julgava falecido há tempos e que não obstante tal fato inusitado por si só, lhe propõe uma mudança radical de vida. Arthur é levado então a uma instalação secreta, laconicamente denominada como: "a empresa" .
Em meio a diversas pessoas com a mesma expectativa, Arthur é confinado com o intuito de se em preparar para uma mudança radical de vida.

Através de uma entrevista realizada por um misterioso homem chamado,  "Sr. Ruby", Arthur aceita as regras dessa mudança radical de vida, ao assumir o compromisso de se esquecer sem reservas de sua família e identidade antiga.

Um incêndio é forjado para que um cadáver de uma outra pessoa dada como indigente, seja colocado no local, e assim, tal farsa sirva para que Arthur Hamilton fosse declarado morto, oficialmente, ao se emitir um atestado de óbito e sua família aceitar a ideia. 

Enquanto isso, ele submete-se a uma radical cirurgia, na qual  é completamente rejuvenescido e com nova fisionomia, surge a sua nova personalidade, doravante como: Tony Wilson (personagem interpretado pelo ator, Rock Hudson). 

Tony Wilson tem uma nova vida. Agora ele vive como um artista plástico que mora em Malibu, Califórnia. Leva uma vida excitante como artista celebrado e namora, Salome Jens (Nora Marcus), uma mulher jovem e muito bonita.

Entretanto, aos poucos, o remorso por ter abandonado a sua vida verdadeira, começa a ecoar dentro de si. 

Em uma determinada festa em que está presente, ele se excede na bebida e fala sem reservas sobre a sua vida pregressa com estranhos, o que causa espécie e naturalmente as pessoas interpretem tal história absurda como parte do seu delírio alcoólico. 

Por conta de tal deslize, ele é advertido por agentes da "Empresa" e fica sob suspeita ante os rígidos protocolos exigidos. 

No entanto, por não suportar viver mais em meio à tal mentira, vai visitar a sua ex-esposa, ao alegar ser um amigo do falecido marido (ele mesmo), e após quebrar essa norma de sigilo, é recolhido às instalações da misteriosa organização, à força pelos seguranças de tal organização secreta.

Ele reencontra o amigo que o levara pela primeira vez a conhecer essa organização e ambos pleiteiam uma terceira identidade. O final, não é feliz, pois o destino de ambos, insubordinados, foi morrer para que seus cadáveres fossem usados como causa mortis de outros clientes que iriam "renascer". E certamente a caracterizar uma irônica metáfora sobre a sociedade que lhe impõe regras e não tolera insubordinação a punir severamente quem não a obedece.

O filme é sombrio, a evocar a aura de um pesadelo, certamente. Mediante esplêndida fotografia preto e branco, obra de James Wong Howe, e é reconhecido pelos críticos como uma película que usa o gênero "Sci-Fi" a se misturar ao "thriller" policial. Elementos dessas duas escolas, mesclam-se à psicodelia em voga na época, principalmente em cenas que evocam a lisergia e o hedonismo, além de uma certa dose de terror, via influência da produtora britânica Hammer e dos filmes do grande diretor norte-americano, Roger Corman, certamente.
A cena da cirurgia plástica de Arthur Hamilton/Tony Wilson (John Randolph/Rock Hudson) controu com tomadas de uma cirurgia de rinoplastia real, aproveitadas na edição final. John Frankenheimer realizou pessoalmente essas tomadas e segundo relatos, desmaiou na sala cirúrgica, ao não suportar presenciá-la. Outra curiosidade interessante, foi que "Seconds" trouxe em seu elenco, três atores que haviam sido banidos de Hollywood por conta da perseguição macarthista. Jeff Corey (Mr. Ruby); Will Geer (The Old Man) e John Randolph (Arthur Hamilton). Informalmente, Frankenheimer dizia que eles foram os "renascidos da vida real", ao justificar a metáfora do filme.

Em suma, se trata de um filme rico em metáforas e ao meu ver, se coloca muito além dos clichês habituais dos gêneros Sci-Fi, Thriller psicológico e os clássicos filmes a abordar a espionagem e organizações secretas, mediante o uso e abuso da teoria da conspiração. 
Buscar uma nova identidade, é na verdade, o sonho de muitas pessoas amarguradas e inconformadas com o rumo de sua existência pessoal, por inúmeros motivos e assim, objeto de uma profunda reflexão sobre quais medidas precisariam ser adotadas para promover as mudanças necessárias para se atingir um grau de satisfação.
 
Do ponto de vista cinematográfico, foi mais um filme com baixo orçamento, pelo qual John Frankenheimer teve que lidar em sua carreira e de novo, foi muito criativo. 
 
Por conta dessa sua característica, também, é que o admiro como diretor, pois ao preparar uma boa limonada com um bagaço de limão já anteriormente espremido, ele demonstrou mais uma vez o quanto foi criativo, portanto, sou um fã da sua filmografia, incluso este "Seconds" que eu considero um filme bastante instigante
Diz-se a boca pequena, que essa foi a melhor atuação da carreira de Rock Hudson, um ator muito contestado pelos críticos. De fato, acostumado a atuar em filmes românticos e comédias leves, ele se acostumara a interpretar personagens insossos, a usar apenas a sua boa aparência que lhe rendeu a fama como galã. Mas neste caso, ele imprimiu uma linha de interpretação muito densa e convenceu, principalmente nas cenas mais aterrorizantes.
Repensar sobre a vida que temos, as pessoas que nos cercam, as escolhas que fizemos e todas as consequências advindas desse enorme emaranhado de relações sociais é um convite que nos faz essa história, motivada através do mote do filme. Sonhar com uma mudança radical, o dito "começar de novo", uma nova oportunidade para fazer tudo diferente, "repaginar", enfim, chame como quiser a sua imersão, porém, o fato inexorável é que toda mudança tem que ser promovida de dentro para fora, portanto, não espere um agente da "empresa" te abordar com a proposta de uma mudança, mas mude, efetivamente, sem necessariamente deixar de ser o que é, se me permite este conselho. 
 
Creio que só por essa reflexão, o filme já merece ser visto, embora ele tenha seus atrativos cinematográficos, certamente, e convenhamos, nas mãos de John Frankenheimer, ele ganhou virtude sob esse ponto de vista, igualmente. 
                       O grande diretor, John Frankenheimer

Matéria publicada inicialmente na Revista Eletrônica Cinema Paradiso, em sua edição de n° 301, no ano de 2011.

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