Frank Capra foi o diretor que mais contribuiu para a política do "New Deal" do presidente Roosevelt, ao visar aumentar a autoestima do povo norte-americano, no decorrer da dura fase vivida por tal nação no momento do pós-queda da Bolsa de Nova York de 1929, quando a recessão gerada foi violenta.
Por conta dessa explícita intenção de sua obra, Capra foi combatido pelos opositores de Roosevelt e tachado como colaboracionista da direita conservadora e igualmente pelos próprios direitistas, por supostamente o seu estilo de fazer cinema incutir mensagens esquerdistas em torno do ideário da igualdade social em seus filmes. Em suma, foi mal interpretado pelos dois lados do radicalismo ideológico entre os entusiastas do capitalismo e do socialismo.
Dessa forma, ele sofreu uma saraivada de críticas, por ter sido acusado de distorcer a realidade da grande depressão, pelos dois polos ideológicos e antagonistas históricos, ambos a desejar monopolizar a obra do artista, como trunfo a atacar os seus oponentes.
Naturalmente que o exagero realçado foi uma grande intriga perpetrada pelos radicais de ambos os lados da radicalização ideológica, pois Frank Capra fez muito mais que jogar a realidade para debaixo do tapete, como alegaram os seus detratores.
Ele na verdade, empreendeu o seu cinema sob altíssima qualidade e no ponto no qual os seus críticos enxergavam pieguice nas suas obras, houve na verdade um autêntico libelo sobre a solidariedade, fraternidade e o exercício da humanidade fraternal.
Diretor brilhante pelo ponto de vista artístico e vencedor de muitos prêmios do "Oscar", ele emendou um sucesso atrás do outro, no auge da época sofrida da depressão nos anos trinta do século XX e sob uma total contradição, aliás, a representar os anos de glória para a indústria cinematográfica norte-americana, com os principais estúdios a ficarem milionários, durante o curso de tal década citada.
E um dos maiores trabalhos dele, foi: "You Can't Take It With You", de 1938, que no Brasil recebeu o seguinte título adaptado: "Do Mundo Nada se Leva".
Tal roteiro foi baseado em uma peça teatral escrita por George S. Kaufman e Moss Hart, algum tempo antes.
Em "You Can't Take it With You", Capra montou um mosaico com personagens e situações, nas quais o mote principal foi sempre exaltar através de seus personagens, o sentido da simplicidade, humildade, esperança e sobretudo a chamar a atenção para a solidariedade humana como uma mensagem explícita, praticamente.
A história gira em torno de um magnata de "Wall Street", chamado: Anthony P. Kirby (interpretado por Edward Arnold), que não tem nenhum escrúpulo em esmagar quem quer que seja, desde que apresente-lhe um obstáculo ao exercício da sua ganância, sem limites.
Seu filho, Tony Kirby, interpretado por James Stewart, não tem o mesmo ímpeto do pai, embora o seu pai não saiba dessa tendência comportamental tão estranha à mentalidade acumuladora do capitalista padrão e pelo contrário, o velho nutre esperanças no sentido de contar com o interesse de seu filho em sucedê-lo um dia, na cúpula que comanda o Império financeiro pertencente à família.
Mas o inevitável acontece quando Tony apaixona-se pela sua secretária pessoal, uma moça com origem simples, chamada: Alyce Sycamore, vivida pela bela atriz, Jean Arthur.
E como fator agravante, o quarteirão inteiro do bairro onde mora a família humilde da moça, corre o risco de vir abaixo, pressionado pela especulação imobiliária exercitada pelo conglomerado financeiro, que é liderado coincidentemente pelo pai do seu namorado. Está criado um belo conflito, por conseguinte e com óbvia inspiração shakesperiana...
A família dela é liderada pelo avô, Martin Vanderhof ( o grande e já veterano ator na época, Lionel Barrymore), e todo o clã vive sob um regime anárquico, como se fosse uma comunidade Hippie, porém, muitos anos antes desse conceito de vida livre em comunidade existir.
Nesse núcleo familiar tão insólito aos padrões trintistas, são vários parentes a morar juntos e com diversos agregados que entram e saem da casa como se tal habitação fosse um verdadeiro circo.
Nesse contexto, há a figura da bailarina, que ensaia pela sala de estar, o cientista maluco que faz experiências estrambóticas no porão da casa, o idoso que vestido como um Deus grego, posa como modelo vivo para um artista plástico pintar a sua figura inspirada na mitologia etc.
A família é popular no bairro e todos se gostam de uma forma mútua e imensa, e assim, todos adoram o vovô Vanderhof, que nos momentos difíceis, saca uma harmônica do bolso e toca para espairecer, antes de tomar as decisões importantes para a sua família e também para ajudar as pessoas do bairro onde vive e é idolatrado como um grande mentor.
Uma tentativa de aproximação da família milionária com a realidade dessa família carente e formada por lunáticos, evidentemente precipita-se sob uma confusão hilária, ao tornar-se um dos momentos mais ricos não somente deste filme, mas do cinema norte-americano trintista, como um todo, eu diria.
E nessa confusão incrível com teor de pastelão hilário, o laboratório do porão explode e todos, inclusive os ricos ali presentes, são presos pela polícia, sob a acusação de serem sabotadores comunistas em ritmo de conspiração...
Na cela da delegacia, ocorre uma das cenas mais pungentes da história do cinema, quando sob um confronto verbal de arrepiar, o vovô desperta no magnata, a semente da compaixão, sentimento há muito tempo embotado pela ganância do convicto capitalista.
No final, ocorre uma resolução surpreendente, pela qual o sentido da solidariedade humana só não emociona quem enxerga o filme com as lentes meramente ideológicas do pensamento em torno dos conceitos sobre "direita" e "esquerda" em sua total superficialidade.
Capra satirizou os seus críticos, ao inserir piadas subliminares com a questão do sistema (a cena do funcionário público, fiscal do Imposto de Renda, a cobrar o vovô, chefe do clã, é hilária e as falas do personagem, tem profundidade a serem objeto de reflexão sobre o sistema).
E também, sobre a relação dos figurões de Wall Street com a realidade da classe trabalhadora, o povo mais simples w e sempre tratado com desdém (o ator, Edward Andrews, mostra-se soberbo na interpretação do magnata).
A rudeza em defesa do sentimento de ganância, perpetrado pelos maiorais de Wall Street é expressa no momento em que um investidor, arruinado, suicida-se após confrontar os investidores e a seguir, se joga pela janela de um prédio arranha-céu, a caracterizar uma cena forte e certamente dentro da realidade daqueles anos de depressão, pois de fato, muita gente realmente preferiu ceifar a própria vida com mergulhos de altos andares, em sinal de desespero diante da bancarrota inevitável.
E há por se destacar também a mensagem subliminar contida na atitude do personagem, Tony Kirby (o notável ator, James Stewart). Por mais inverossímel que seja, todos temos que lutar por nossos sonhos e isso fica claro na construção de seu personagem, movido por sonhos pueris que são normalmente ridicularizados pelo seu pai que exorta-o a pensar em "coisa séria", ou seja, ganhar dinheiro.
São grandes as atuações de James Stewart, Jean Arthur (não por mera coincidência, ambos atores da extrema confiança de Capra e por isso, reincidentes em seus filmes), e principalmente de Lionel Barrymore, como o avô e Edward Arnold, como o pai do personagem, Tony Kirby. Arnold também foi um ator de confiança de Capra, ao atuar em outras obras desse diretor.
É impossível não se apaixonar por aquela família completamente insana, liderada pelo seu sábio vovô, que transforma a residência em um circo anárquico e cheio de humanidade, à flor da pele.
Resenha publicada inicialmente em uma comunidade denominada, "Frank Capra", baseada na extinta Rede Social Orkut, em 2010.
Excelente e emocionante filme, é um dos que mais gosto,grande texto,abraços amigo.
ResponderExcluirEstou contigo, Kim ! Adoro esse filme e sempre me emociono vendo a cena do vovô tocando sua harmônica.
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