sexta-feira, 8 de junho de 2012

Filme: Airheads (Os Cabeças de Vento) - Por Luiz Domingues


Vencer no mundo artístico, seja lá qual for a área for, é sempre muito difícil. Talento, carisma e expressão não garantem ao aspirante a artista, que ele vá atingir os seus objetivos, naturalmente.
E como se não bastassem as dificuldades habituais dessa árdua caminhada, existe também as barreiras montadas propositalmente pelo poder oculto e por extensão, as manobras vis perpetradas por agentes inescrupulosos em serviço dos interesses escusos, ou seja,  uma maneira sofisticada para designar ações mafiosas a preservar que alguém ganhe muito dinheiro e esse "alguém" nunca é o artista aspirante. 

E para exemplificar melhoro que ocorre dentro desse campo de possibilidades maléficas a serem suplantadas por qualquer artista que almeja vencer na carreira, existe a infame instituição do "jabaculê", o popular "jabá", uma espécie de propina que faz com que um artista tenha as suas músicas executadas nas rádios, e que assim garanta-lhe exibições na TV, matérias em importantes jornais e revistas.

Isso sem deixar em mencionar sobre a inevitável colocação de sua música na trilha de uma novela de TV, onde por meio de sua música na trilha de uma novela de TV, onde por pelo menos seis meses, a sua canção estará atrelada compulsivamente como uma espécie de mantra repetitivo na imaginação das pessoas em geral, atingidas pela massiva repetição sintomática e que tratará por associá-la fatalmente a um casal formado  por personagens fictícios, que brigarão em todos os capítulos do folhetim, para que no último, casem-se e passe-se dessa forma, a mensagem subliminar de que serão felizes para sempre, e aliás, como sempre. 
Cabe acrescentar que essa cobrança infame do tal "jabá", não foi uma prática criada nos anos noventa, época em que esse filme foi produzido e cuja história é narrada, porém, muito antes disso. Há por exemplo, a clássica passagem a envolver o famoso radialista, Alan Freed, em plena efervescência do Rock'n' Roll, em seus primórdios, na década de cinquenta, cujo escândalo que protagonizou em tal época, por conta dessa questão, ficou conhecido pejorativamente como "payola".

Tal ocorrência motivou um processo judicial e condenação para o próprio, Freed. Sobre a questão da "payola", em filmes que abordam diretamente a figura de Alan Freed, eu explico melhor em tais resenhas específicas e disponíveis neste blog, portanto, não vou alongar-me, e assim, fica aqui a abordagem apenas como um breve adendo ao assunto em questão.
Portanto, diante dessa barreira quase intransponível, não há aspirante a artista que não sonhe em fazer o que os personagens do filme: "Airheads" ("Os Cabeças de Vento", em português), fizeram. Ou seja, ante a completa impossibilidade de que o seu trabalho fosse veiculado por uma emissora de Rádio, três músicos desesperados ao deparar-se com tamanho embargo velado, adotam uma posição radical. 

A história gira em torno da banda de Rock fictícia: "The Lone Rangers", um trio formado por: Chazz Darby (interpretado por Brendan Fraser), Rex (interpretado por Steve Buscemi) e Pip (interpretado por Adam Sandler). Ao tocar em espeluncas de Los Angeles durante os anos noventa, na realidade não passa de mais uma banda pesada e sem nenhum diferencial dentro daquela cena, que lhe ofereça uma oportunidade concreta para atingir um patamar mais alto. 


Então, os seus componentes percebem que uma estação de rádio deu chance para uma banda do mesmo nível deles, chamada: "The Sons of Thunder" (que era uma banda real, mas a ostentar o nome "Galatic Cowboys", na realidade), e assim, o trio que forma o "The Lone Rangers", que motiva-se e os rapazes resolvem levar a sua demo tape à emissora, para buscar a mesma execução.

Todavia, na prática, eles nem conseguem entrar na rádio, barrados na recepção e dessa forma, forjam a entrada, ao invadi-la, sumariamente. Eis que colocam a fita na máquina para que o som comece a ser transmitido à revelia dos técnicos ali presentes, contudo, por uma ação de absoluta falta de sorte, a fita emperra na engrenagem da máquina e destrói-se, para arruinar a única chance de divulgação que eles possuíam. O pessoal da rádio bastante contrariado com o ato tresloucado da parte desses músicos. trata por expulsá-los, no entanto, munidos com armas de brinquedo, os membros da banda simulam uma dominação terrorista e assim, começa o imbróglio.
Uma série de confissões cômicas sucede-se, com a polícia a cercar o prédio e uma negociação inicia-se para que libertem enfim os reféns e entreguem-se. 
Contudo, eles não são bandidos, apenas querem que o som da sua banda seja divulgado e daí, precisam que a ex-namorada de Chazz (Keyla, interpretada por Amy Locane), leva a outra cópia da canção, que dispunham, ao tornar-se assim uma exigência da parte dos sequestradores, negociada com a polícia.
Nesse ínterim, uma conversa é interceptada e os funcionários da rádio descobrem que a estação iria mudar o seu perfil, e dessa forma, todos os funcionários seriam despedidos. Com essa revelação, tudo muda repentinamente, pois eis que os funcionários revoltados se solidarizam com os músicos, a dificultar propositalmente a resolução do falso sequestro, e assim trazer uma segunda pauta informal às reinvindicações pretendidas. 

Nesta altura, a conversa toda já havia se tornado pública, sendo transmitida ao vivo pela TV e milhares de pessoas aglomeravam-se nas cercanias do prédio, a exigir que a banda não fosse presa e tivesse a sua chance artística assegurada.

Por fim, um empresário astuto que logo percebeu a publicidade gratuita em torno da banda, oferece-lhes um contrato de gravação (Judd Nelson como Jimmie Wing). Este mesmo sujeito havia rejeitado a banda em ocasião anterior, a denotar a típica hipocrisia que grassa nesse meio empresarial da música, pois antes, ele nem aguentara conhecer o trabalho dos rapazes, mas agora, a publicidade espontânea por eles gerada, tornara a banda atrativa em seu atendimento.
Claro, mesmo que tenha sido uma comédia popular e descompromissada com a realidade, tratava-se dos Estados Unidos da América, e assim, sem chance de haver uma espécie de "arranjo à brasileira", os rapazes são presos pelo delito que cometeram, mas o "grand finale" do filme é apresentado na forma de um show de Rock proporcionado pelo "The Lone Ranger", em plena prisão, com a banda, a apresentar-se  e a comemorar a venda de milhões de discos, graças à publicidade gerada com todo esse conflito. 

A rigor, o mote principal, trata-se de uma fantasia bem típica do imaginário infanto-juvenil a evocar as velhas histórias da carochinha, com a moral em em torno de que o sonho de qualquer pessoa pode concretizar-se, por mais impossível que possa aparentar ser. Advém a maldade perpetrada por terceiros que oprimem os mais humildes e a injustiça, quando uma tentativa de rebelião da parte dos insatisfeitos é esfacelada com o uso distorcido do direito em favor dos mais fortes, embora aparentemente a ação empreendida da parte dos humildes tenha incorrido fora da Lei. Neste caso, a fantasia construída em torno de uma estrutura tão tradicional, revestiu-se em escárnio, ou seja, em tom de 
comédia ao estilo pastelão.
Sobre o som do grupo fictício, "The Lone Rangers", a proposta foi em torno do som pesado noventista, ainda com ecos oriundos do Hard-Rock e Heavy-Metal oitentista, como essência. Dessa forma, toda a trilha sonora desse filme soa com tal característica e a montagem das personagens certamente obedece a mesma orientação, nos trejeitos inerentes norteam-se por tais valores.

Tanto foi assim, que artistas verdadeiros que compõem tal trilha sonora, são nomes típicos dessa seara, a não ser uma outra excesão e no caso, para reforçar, há a participação de músicos dessa extirpe no filme, ao interpretar a si próprios, caso de Lemmy Killmister, do Motörhead (no caso, ele apresenta-se como editor de uma revista), e Robie Zombie, do grupo, "White Zonbie", além de crítico de cinema e ex-editor da Revista Rolling Stone, Kurt Loder que também participa como ele mesmo.
Ainda a falar sobre o elenco, é curioso, mas o ator, Adam Sandler, ainda não estava consagrado como comediante nessa época, apesar de já ostentar uma carreira razoável desde os anos oitenta, com participações na TV e por ter feito três filmes antes de "Airheads". Aliás, o filme imediatamente anterior em que ele participara, foi uma comédia com razoável sucesso, chamada:"Coneheads". Brandan Frasier, também participara de comédias, mas geralmente o seu foco de atuação como ator reconhecido por atuar em filmes mais viscerais (obras sob a batuta dos irmãos Coen e Quentin Tarantino, por exemplo), e até no circuito alternativo.

No caso do restante do elenco ainda não citado, há a menção especial para Michael Mckean. Ator & músico que tanto brilhou em uma das mais demolidoras comédias sobre o Rock, "This Is Spinal Tap", Mckean interpreta, Milo Jackson, o gerente da emissora. Ainda no elenco: Chris Farley (como o policial, Wilson), Joe Pantoliano (como o DJ da emissora, Ian "The Shark"), Ernie Hudson (como Sargento O'Malley), Nina Siemaszko (como Suzzi), Marshall Bell (como Carl Mace), Reg E. Cathey (como Marcus), David Arquette (como Carter), Michael Richards (como Doug Beech), Tracey ullman (como Melina), Michelle Hurst (como Yvonne), Harold Ramis (como Chris Moore) e outros.
Na trilha sonora, a decantada música que o "The Lone Rangers" anseia que o mundo conheça de qualquer forma, chama-se: "Degenerated" e foi gravada na realidade por uma banda punk chamada, "Reagan Youth". Ouve-se também o som de Aerosmith, House of Pain, The Replacements, Primal Scream, Motörhead, 4 Non Blonde, White Zombie, Anthrax, Ramones, Primus, stuttering John, Stick e Candlebox. 

Mas diga-me você, meu amigo leitor, principalmente para quem for músico e possui uma banda autoral, a sonhar em alcançar o sucesso: quando você assiste "Airheads", não se solidariza com a banda, "The Lone Rangers? Quem, em sã consciência não gostaria de extirpar o jabá da face da Terra? Respondo: apenas os que o recebem em espécie...
Acrescento uma nota extra, ao comentar sobre Robie Zombie, da banda, "White Zombie". Ocorre que ele acumulava já há bastante tempo a atividade como diretor de cinema, especializada em terror, e como curiosidade, trago o adendo de que ele é desde sempre um fã declarado de José Mojica Marins, o "nosso", Zé do Caixão.

Filme leve, boa diversão sem dúvida e com esse fundo de verdade ao mostrar a dura realidade dos bastidores mafiosos do mundo das artes, principalmente na música, onde quem não possui dinheiro, não alcança o estrelato, e não importa o talento pessoal, tampouco a qualidade de sua música. Portanto, mesmo a tratar-se de uma comédia declarada, piadas a parte, esta é a melhor mensagem desse filme.

Escrito por Rick Wilkes. Produção com Mark Burg e Robert Simonds. Direção de Michael Lehmann. Foi lançado em agosto de 1994.
A performance do filme nas salas de cinema foi boa. Entendido como uma comédia simples, sem maiores pretensões, foi absorvida pelo público juvenil em ritmo de férias de verão, certamente. Já a crítica foi bastante impiedosa ao execrar a história, por considerá-la extremamente tola em essência, Não lhes tiro a razão, visto que a despeito da questão implícita a abordar o famigerado jabá, no cômputo geral, a história é realmente muito ingênua.

Ainda nos anos noventa, esse filme já estava a ser exibido fartamente na TV aberta e também nos canais pagos da TV a cabo. Rapidamente saiu em formato VHS e posteriormente ganhou as suas versões em DVD e Blu-Ray. Na internet, nos dias atuais (2012), encontra-se no YouTube em versão integral e gratuita.

Matéria publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2012. Esta resenha foi revista e ampliada a posteriori, para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", alojada em seu volume I, a partir da página 273

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