sexta-feira, 8 de junho de 2012

Filme: Beyond the Valley of the Dolls (De Volta ao Vale das Bonecas) - Por Luiz Domingues



Em 1967, um filme chamado: "The Valley of the Dolls" (O Vale das Bonecas), assinado pelo bom diretor, Mark Robson, causou um certo frisson midiático. Trata-se de uma produção caprichada, mediante a presença de um bom elenco a conter bons nomes e também a apresentar um texto forte, centrado em uma história sobre aspirantes em buscar uma colocação como atores no mundo teatral, e nesse aspecto, a revelar as suas vaidades, glamour, que aspiravam adquirir as frustrações etc, 

Claro, nem é preciso dizer que tal mote seguiu em linhas gerais o mesmo roteiro do clássico do cinema: "All About Eve", de 1950. E graças ao êxito que esse filme, "The Valley of the Dolls", alcançou, uma sequência foi programada para seguir esse sucesso. No entanto, tal suposta continuação desvirtuou-se 
E graças ao êxito que esse filme, "The Valley of the Dolls", alcançou, uma sequência foi programada para seguir esse sucesso. No entanto, tal suposta continuação desvirtuou-se tanto do objetivo inicial dos seus realizadores que no momento em que ficou pronto, os produtores colocaram um comunicado no cabeçalho da película, ao afirmar que este segundo filme, não tinha nada a ver com o filme de 1967. Foi nesse clima marcado por brigas entre produtores, que foi produzido então: "Beyond of the Valley of the Dolls"("De Volta ao Vale das Bonecas", em português), em 1969 e que foi lançado em 1970.
Antes de mais nada, é bom registrar que uma das inúmeras conotações da palavra "Doll", à época, tratava-se de uma gíria para designar comprimidos tranquilizantes que eram consumidos por freaks em geral, ao visar alcançar efeitos recreativos. 

Desta feita, ao contrário, a trama foi montada em torno de três garotas: Kelly, Casey & Petronella (interpretadas respectivamente por Dolly Read, Cynthia Myers e Marcia McBroom), que formam na história, uma banda de Rock fictícia, denominada: "The Carrie Nations".
Tais artistas tem um empresário, Harris Allsworth (interpretado por David Gurian), Eis que esse trio resolve viajar à Los Angeles, Califórnia, visto que Kelly fora notificada que receberia a herança de uma tia e com tal dinheiro isso haveria por facilitar a vida não apenas dessa moça, mas seria fundamental para os planos da banda em buscar a fama. 

Por conta desse esforço que empreendem em Los Angeles, tais garotas envolvem-se com Hippies & Freaks louquíssimos e dentro dessa perspectiva, conhecem o produtor musical, Ronnie "Z-Man" Barzell (interpretado por John LaZar), uma figura "flamboyant", como se fosse uma personificação dos seguidores de Oscar Wild, porém não como um dândi clássico do século XIX, no entanto a identificar-se com aquela típica estirpe notória em meios mais glamorosos, durante aquele específico período a envolver a virada  de década de 1960 para 1970, ou seja, ao trazer uma misteriosa androgenia implícita em sua forma para colocar-se no mundo.
Tirante a questão musical em si, que elas almejam muito, o fato de Kelly ser uma virtual herdeira a envolver uma fortuna, atrai oportunistas, naturalmente. Decorrente dessa prerrogativa, várias pessoas que se aproximam delas, tem na verdade, interesses escusos e dessa forma, muitos conflitos são criados.

Eis que em uma festa bem psicodélica, surge a oportunidade para que a banda das meninas toque. Ronnie "Z-Man" Barzell torna-se o novo empresário da banda e sugere que elas troquem o nome do grupo, que passa a ser conhecido doravante, como: "The Carrie Nations". Na mesma festa, apresenta-se uma banda real, a espetacular, "Strawberry Alarm Clock", uma das bandas mais psicodélicas da Califórnia sessentista. É claro que tocam no filme, o seu grande clássico: "Incense and Peppermint", absolutamente sensacional.
Kelly afasta-se de Harris, que era o seu namorado, além de antigo empresário da banda, e deixa-se seduzir por Lance Rocke (interpretado por Michael Blodgett), mas ele é apenas um interesseiro, além de manter negócios escusos, a revelar-se como um gigolô. Harris por sua vez, envolve-se com a atriz pornográfica, Asheley St. Ives (interpretada por Edy Williams, aliás, esposa do diretor, Russ Meyer). No entanto, em uma noite regada a drogas. Harris dorme com outra componente da banda, Casey e a engravida.

Descontente com a sua gravidez indesejada, Casey por sua vez, parte para uma outra, ao manter uma relação lésbica com Roxane (interpretada por Erica Gavin), ou seja, somente neste parágrafo, eu fiz questão de anotar tais acontecimentos previstos pelo roteiro, para realçar que a construção da trama foi baseada certamente na estrutura dos roteiros típicos de "soap operas" (as enfadonhas novelas norte-americanas, marcadas indelevelmente pelo extremo mau gosto), tamanha é a sua característica a revelar-se como como um autêntico "dramalhão".
E ao mesmo tempo, é notória a preocupação em forjar situações, a aproveitar-se da ambientação em meio a hippies, freaks & rockers e assim justificar temáticas que jamais seriam abordadas em novelas cafonas da TV, a envolver o sexo livre, uso e abuso das drogas e também. a homossexualidade, notadamente o amor lésbico.

As relações amorosas continuam a ser mostradas, quando se vê outra componente da banda, Petronella "Pet", a envolver-se com um rapaz chamado, Emerson Thorne (interpretado por Harrison Page). Mas ela também sucumbe à tentação ao dormir com outro rapaz, Randy Black (interpretado por James Iglehart). Os dois rapazes entram em conflito direto por conta da rivalidade de Petronella, portanto, a questão do amor livre dos hippies, aqui não se resolveu bem, com o clássico sentimento possessivo, decorrente dos ciúmes a sabotar a liberdade proposta pelos freaks em geral.
Nesse ínterim, a banda das garotas faz sucesso, lança discos e realiza shows. Enquanto isso, Harris, fica deprimido ao ver o sucesso das meninas pela televisão e tenta o suicídio. Não logra êxito total em sua empreitada, mas torna-se paraplégico por conta desse ato radical de sua parte. Kelly fica abalada com tal estado de Harris e decide cuidar dele, doravante. Emerson Thorne e Petronella acertam-se novamente e o namoro lésbico entre Casey e Roxane fica fica bastante  tórrido, mas eis que chega um momento crucial para a história: as componentes da banda e seus pares, são convidados a participar de mais uma festa psicodélica na residência do empresário, Ronnie Z-Man Barzell.

Então, em meio ao delírio lisérgico, Ronnie tenta seduzir Lance Rocke e ao abrir a sua camisa, é revelado que o empresário possui seios, a denotar ser uma mulher, que fingia ser um homem a portar-se de uma maneira flamboyant e neste caso, fica explícita a intenção em demarcar a personagem como um símbolo da androginia.
Enlouquecido, Ronnie, mata o casal Casey e Roxane; também extermina Lance Rocke emais uma pessoa, Otto, que fora uma espécie de secretário seu (interpretado por Henry Rowland). Tudo isso é feito com uma boa dose de teatralização macabra, pois envolve decapitação mediante o uso de espada, esfaqueamentos etc. Finalmente Ronnie é interrompido em sua sanha assassina, entretanto morre a seguir.

A cena final mostra três casais a celebrar matrimônio, simultaneamente: Kelly & Harris, Pet & Emerson e Susan (interpretada por Charles Napier). E para ficar ainda mais piegas, Harris esboça ter os movimentos de seus membros a voltar ao normal, miraculosamente. Ou seja, um final completamente adocicado e fora de contexto com o que o filme mostrara anteriormente.
Sem dúvida que foi uma tentativa bem forçada para encerrar a história mediante um arranjo a buscar-se um caminho tradicional e assim não deixar a imagem de ter sido um filme alternativo e bem mal arrumado em seu roteiro. Há uma hipótese a ser ventilada, no entanto pelo fato do filme, de 1967, "The Valley of the Dolls" ter tido a atriz, Sharon Tate como uma das protagonistas, e assim, pode ser que a intenção em criar-se cenas com teor macabro em seu término, foi exatamente para evocar o trágico assassinato dessa deslumbrante atriz, na sua vida real, que era assunto recente e super explorado pela mídia, à época e é preciso dizer que entre 1969 e 1970, esse assunto sobre a brutal morte de Sharon Stone, perdurou por meses em voga na imprensa, aliás no mundo inteiro.   
As cenas da banda fictícia, "The Carrie Nations", em ação, são bem falhas, pois as três atrizes não sabiam tocar instrumentos musicais e mal conseguiam empunhá-los com um mínimo de verossimilhança. Entretanto, pelo ponto de vista musical, tudo foi compensado com uma aparição da banda: "Strawberry Alarm Clock", No caso, das canções cedidas pelo compositor, Stu Phillips (este compositor foi responsável por muitas trilhas famosas para séries de TV e filmes), também contribuiu decisivamente bem para o filme.

Sobre a direção de arte, ao carregar-se em um visual "Hippie Chic", o diretor, Russ Meyer também imprimiu bastante erotismo nas entrelinhas, visto o aspecto flamboyant/androginia ser obviamente sugerido. Alguns críticos chegaram a dizer que se tratava de uma espécie de "Barbarella", menos espacial/lisérgica, porém mais macabra e erótica. Graças a tais cenas mais picantes, incluso o lesbianismo, algo chocante para a época, a censura norte-americana concedeu classificação "X" à época, ou seja, classificou o filme com restrições para certa faixa de idade nas salas de cinema e igualmente em termos de restrição para horários em exibições televisivas. Muitos anos depois, abrandou-se essa classificação, talvez como sinal dos tempos, ao refletir outros valores morais na sociedade norte-americana.
O filme teve um padrão de investimento considerado modesto à época, mas surpreendeu os produtores, pois rendeu o equivalente  a dez vezes mais do que gastou, na sua produção. Talvez pelo erotismo anunciado, com tantas belas atrizes em cena e a conter sexo, inclusive lesbianismo na trama, tenha despertado o interesse acima do esperado, mas não descarta-se a hipótese de que muitos espectadores foram às salas de cinema a esperar a continuação pura e simples do filme de 1967, e neste caso, evidentemente que frustram-se com uma resolução tão diferenciada

Hoje em dia é considerado um filme cultuado entre colecionadores, cinéfilos em geral, Rockers & Freaks e apreciadores de contracultura sessentista. É um interessante documento de época, ainda que a recorrer a algumas distorções do panorama do fim de década de 1960, e início dos anos setenta e certamente por ter sido construído com um roteiro muito confuso, onde denota-se claramente que houve a preocupação em manter-se um esqueleto tradicional de roteirização em conluio com a ideia de mostrar ideais comportamentais avançadas.
Portanto, não dá para querer ser avantgarde e conservador ao mesmo tempo e dessa forma, esse filme não conseguiu lograr êxito, inteiramente. Se ele é cultuado, como eu afirmei acima, isso dá-se com os aspectos positivos de conter uma boa trilha sonora, a presença do grupo, Strawberry Alarm Clock, em cena, as meninas belíssimas entre as atrizes, o figurino e direção de arte hippie chic e as cenas eróticas, que atrai os voyers, certamente. História fraca a priori, e muitas vezes a lembrar uma "soap opera" cafona, realmente nesse quesito, ficou a dever.  

Há relatos de que a intenção desse roteiro foi proposital no sentido em satirizar o filme de 1967, ao expor as relações amorosas das moças protagonistas, na inversa resolução observada no filme anterior. Trata-se na verdade de uma desculpa a valorizar a verdadeira situação, visto que é bem sabido que o orçamento para filmar, "Beyond the Valley of the Dolls", foi ínfimo. Um executivo chegou a brincar ao dizer que este filme não seria feito sob uma verba classe B, mas sim em torno de "R". Um outro fator crucial: o tempo que foi dado ao roteirista para ele trabalhar, foi tão exíguo, que realmente tornou-se impossível criar uma história melhor. Essa sim, é uma desculpa mais plausível. Nesses termos, reforça-se a minha opinião acima, a dar conta que a intenção foi buscar uma mescla entre ideias avançadas para acompanhar a movimentação contracultural em voga, no entanto sob uma estrutura convencional a envolver dramas amorosos, conflitos e crime para gerar a tensão ao final.
Sobre a triha sonora ainda, destaca-se que o som da banda feminina e fictícia, "The Carrie Nation" foi dublado inteiramente, visto que as atrizes não sabiam tocar instrumentos e nem cantar. A voz principal no caso, é da cantora Soul, Lynn Carey. De fato, nas cenas em que a banda atua, não é convincente a performance das moças, ao não demonstrar afinidade mínima com o universo musical e principalmente com o Rock.
Sobre mais alguns atores não citados anteriormente: Duncan McLeod (como Porter Hall), e a estreante, Pam Grier (sem nome definido para sua personagem e que aparece apenas como figurante em meio às festas psicodélicas). Não muito tempo depois, essa moça tornar-se-ia uma musa dos filmes orientados pela estética "Blaxpoitation", muito famosa entre o público negro, principalmente.

Talvez por conta de seu orçamento ter sido tão baixo, o resultado financeiro observado nas bilheterias de cinema, foi considerado um triunfo surpreendente pelo estúdio Fox. Segundo consta na história dessa produção, a féria arrecadada equivaleu a quase dez vezes mais do que foi gasto, portanto, eis que muita gente respirou aliviada nos escritórios administrativos da empresa, seguramente.
Se na bilheteria o filme logrou êxito, o mesmo não pode ser dito em relação á crítica. Enfim, a imprensa, geralmente propensa a tacar até obras inatacáveis, fez desta película um autêntico saco de pancadas. e foi tão cruel em certas assertivas, que chegou a ser engraçado. Eis alguns exemplos do que foi dito: -"O tédio é provido por roteiro que, por algum motivo foi entregue a um neófito como roteirista", -"Um deleite para os retardados emocionalmente, sexualmente inadequados e idiotas", -"E uma bagunça, um desastre, o mais miserável dos filmes miseráveis".

Escrito por Robert Ebert. Produção e direção a cargo de Russ Mayer. Lançamento em julho de 1970.
Na TV, esse filme, só foi exibido em sessões no avançar da madrugada, principalmente pelas cenas eróticas nele contidas e pela insinuação de alucinações providas pelo uso de drogas lisérgicas. Desconheço que tenha sido lançado em versão VHS. Como DVD, somente foi anunciado no mercado em 2006. Ganhou a versão Blu-Ray em 2016. Na internet, é difícil encontrar uma cópia integral e gratuita. A priori, está disponível nos dias atuais através do Youtube e Google Play, pagos. Gratuito, apenas no portal alternativo, Archive, que requer burocracia para ser acessado. 
Resenha publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2012. Esta resenha foi revista e ampliada a posteriori para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", e encontra-se em seu volume I, a partir da página 280

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