Alfred Hitchcock foi mais um diretor europeu recrutado pela indústria norte-americana em meio a tantos outros ao final dos anos trinta. Ele já havia realizado quatro filmes em sua fase norte-americana quando chegou neste quinto, ao trazer de volta um tema que seria a sua outra vertente forte, além dos thrillers policiais: os ditos filmes de espionagem, calcados em teoria da conspiração.
Sob uma primeira etapa, ele seguiu a tendência que já trazia de seus trabalhos seus anteriores feitos na Inglaterra, ao enfocar ações nazistas e depois, com o avançar dos anos, a bipolarização capitalismo versus socialismo, a implementar a famigerada "Guerra Fria".
Trata-se portanto de "Saboteur" ("O Sabotador", em português), de 1942, o quinto filme de sua fase norte-americana e embora menos citado pelos fãs e críticos em geral, é uma pequena obra prima.
Tema recorrente no imaginário do velho Al, a questão da "teoria da conspiração" sempre rendeu-lhe grandes e instigantes trabalhos. No início e a voltar até à sua fase britânica anterior na filmografia, Hitchcock sempre interessou-se pela alta espionagem e os meandros das ramificações nazistas durante os anos vinte e trinta.
Em "Saboteur", Hitchcock não só mirou na existência de uma rede de simpatizantes nazistas a promover ações de sabotagem dentro dos Estados Unidos, como usou outro elemento típico de sua cinematografia, ou seja, a questão do homem comum e inocente que envolve-se por acaso nesse turbilhão de acontecimentos e passa a ser perseguido por tudo e por todos.
Nesse caso, Barry Kane (interpretado por Robert Cummings) é o cidadão comum, simples operário de um estaleiro que é confundido com o verdadeiro sabotador de tal instalação, "Fry" (interpretado por Norman Lloyd), dessa forma, vê-se às voltas com a perseguição da polícia e do FBI.
Para provar a sua inocência, ele vai atrás de uma pista, a se tratar de um envelope que "Fry" deixou cair do bolso, acidentalmente, a conter o endereço de um rancho localizado no interior.
Esse lugar aprazível é de propriedade de um senhor chamado, Charles Tobin (interpretado por Otto Krugger), que é um respeitável e próspero cidadão. Contudo, secretamente ele é um dos mentores da organização secreta que arquiteta sabotagens estratégicas em favor do triunfo do nazismo.
Dessa forma, esse azarado cidadão comum, um simples operário, Barry Kane, passa a ser perseguido também pelos nazistas infiltrados, portanto a fugir de todos os seus perseguidores.
Em meio à sua fuga, é acolhido por um homem idoso e recluso que vive em um chalé isolado. Mesmo sendo cego, este homem é extremamente observador e bondoso, ao perceber que Kane está algemado e sente, por pura intuição (e neste caso, ficou como um recurso singelo ao filme), que ele sofre uma perseguição injusta. Claro, trata-se de uma licença poética monstruosa a personificar sob metáfora a esperança em torno do bem etc. e tal.
Eis que chega inesperadamente para uma visita a esmo, a bela sobrinha do idoso, Patricia "Pat" Martin (interpretada pela bela atriz, Priscilla Lane), e a pedido de seu tio, essa moça dá carona ao estranho, para tentar tirá-lo do perigo. Todavia, ela não acredita na história defendida pelo rapaz, ao julgá-lo como um reles criminoso comum, a defender uma tese absurda no seu entendimento, em torno de uma teoria da conspiração, sem sentido.
Mas o roteiro do filme proporciona muitos percalços nessa fuga, e como um casal improvável, eis que passam juntos por inúmeros apuros, incluso uma batida policial em meio uma trupe circense que acobertou-lhes em um vagão de trem e que certamente carregou metaforicamente na concepção da obra.
Chega-se um momento, porém, em que ela se convence finalmente de que a história defendida por Barry, era verdadeira e daí, por uma conjunção de fatores aleatórios, eles vão parar juntos em uma festa da alta sociedade, na qual a maioria das pessoas, faz parte secretamente desse grupo proscrito de apoiadores de sabotadores nazistas.
O filme ganha grandes momentos de ação e pelo menos duas menções subliminares ao cinema dos anos 1930, portanto algo bem próximo da sua própria realidade temporal:
I) A presença do idoso cego e bondoso que ajuda o personagem de Cummings, é claramente inspirada no personagem da criatura do Frankenstein clássico.
2) A presença dos simpáticos membros do circo que os acobertam, remete ao pungente filme: "Freaks", de Tod Browning.
A cena final é épica, com o verdadeiro sabotador encurralado na estátua da Liberdade em Nova York e na verdade, trata-se de uma impressionante sequência de tomadas ousadas para os padrões dos anos 1940, em termos técnicos.
Hitchcock repetiria essa ideia em "North by Northest", anos depois, no Monte Rushmore, outro ícone dos monumentos dedicados à cultura norte-americana.
Como fã incondicional de Hitchcock que eu sou, coloco-me naquele rol de apreciadores que gostam até dos filmes mais fracos de sua carreira. Ao tratar-se da excelência do velho Al, os mais fracos são eufemisticamente, apenas não tão geniais...
Não é o caso de "Saboteur", em minha opinião, pois o considero como uma obra de primeira grandeza da filmografia de Hitchcock, mas o fato é que os críticos e os fãs em geral, não o citam entre os principais, como mereceria.
Apesar de não figurar entre os mais badalados da filmografia do mestre, "Saboteur" é uma excelente obra, cheia de ação, teoria da conspiração como um mote clássico de sua atenção, traições e reviravoltas espetaculares.
E tecnicamente é um filme notável pelos efeitos especiais. Por se considerar ser uma produção de 1942, contém efeitos ousados, como os atos de sabotagens realizados pelos agentes nazistas em grandes instalações industriais e no estaleiro e sobretudo sobre a cena final, em que o personagem sabotador, "Fry" é encurralado na estátua da Liberdade.
Já tive a oportunidade de ver até um documentário específico a narrar sobre a realização dessa sequência final, com depoimentos de técnicos envolvidos nessa produção, do ator Norman Lloyd, já idoso a relembrar tal cena e diversas fotos de bastidores das filmagens, "story boarding" da cena em questão etc.
Enfim, eu recomendo o filme:"Saboteur", sem nenhuma reserva.
Resenha publicada inicialmente em uma comunidade "Alfred Hitchcock", que existia na extinta Rede Social, Orkut, como tópico aberto por eu mesmo, Luiz Domingues, para enfocar o filme "Saboteur" em específico, em 2010.
Muito o post e o filme. Aliás, estou numa semana Hitchcock. Ontem mesmo assisti Psycho (pela quarta vez). Vi o Sabotador na década de 90.
ResponderExcluirAbraço
Muito legal a sua participação, Cesar ! Hitchcock cai bem sempre.
ExcluirAbraço verde !
Não vi ainda e agora quero muito ver!!!
ResponderExcluirAdoro os filmes Hitchcock, sempre com personagens e tramas super intrigantes, cheias de detalhes bem trabalhados, como a ironia paradoxal de um cego que é extremamente observador, e o fato de ele estar encurralado numa estátua que é chamada estátua da liberdade, super simbólico!!!
Oi, Fernanda !
ExcluirRecomendo com louvor, Saboteur. Os filmes de Hitchcock tradicionalmente eram ricos em detalhes,exigindo do espectador, muita atenção nas entrelinhas.
Adorei as suas duas observações : Primeiro, de fato a ironia do cego que enxerga a alma, é uma sensacional agulhada que o mestre deu no paradigma do homem comum cartesiano. E segundo, o radical nazista encurralado na estátua da Liberdade, representou o paradoxo das lutas ideológicas. Qual o sistema ideal, se ambos lutavam por algo que os conduziria supostamente à liberdade ? Brilhantes as suas observações !!