sexta-feira, 15 de março de 2024

CD: Os Loucos/Vitral - Por Luiz Domingues

O Rock progressivo é uma das mais belas vertentes que o Rock produziu, desde sempre. A sua grandiosidade musical, somado à densidade artística com a qual se revestiu ao longo dos tempos, é inquestionável. 

É bem verdade que a fase áurea desse estilo deu-se na década de setenta, quando floresceu principalmente na Europa (detidamente na Inglaterra, Itália e Alemanha), mas na verdade, frutificou pelo mundo inteiro e o Brasil não ficou de fora de tal onda magnífica ao dar margem para uma infinidade de artistas geniais que beberam dessa fonte e daí em diante, produziram obras incríveis.

Entretanto, mesmo com menor abertura nos meios midiáticos, tal escola seguiu viva através de abnegados aficionados que a perpetuou após esse auge e assim, é com alegria que eu acompanho que o estilo vive e segue a produzir obras bastante expressivas, a honrar as suas mais belas tradições.

Um ótimo exemplo nesse sentido vem do grupo, "Vitral", que se propôs a trabalhar com o conceito instrumental e que foi formado em 1983, no Rio de Janeiro, pelos músicos:

Claudio Dantas - bateria e percussão
Eduardo Aguillar - baixo, teclados e guitarra
Elisa Wiermann - teclados
Luis Bahia - guitarra e baixo

Segue abaixo a história da banda expressa em seu próprio release:

A banda ficou aproximadamente dois anos em atividade e pouquíssimos registros existem desta época. Em 2015, graças a algumas partituras, raras fotos e fitas cassete com gravações domésticas encontradas em seu velho arquivo, Eduardo Aguillar teve a ideia de produzir um álbum com músicas compostas para a banda.

O que seria um trabalho solo se transformou no desejo de unir os antigos integrantes para participarem do projeto. Proposta imediatamente abraçada por Claudio Dantas, partiram para as gravações de teclados, baixo e bateria. Os resultados começaram a surgir e as velhas músicas brotavam das cinzas.

Claudio propôs então relançar a banda para shows e novas produções. Chegava a hora de reconstruir o grupo com renovadas experiências e inspirações para, inclusive, concluir as gravações do que já tomava forma de álbum.

Vitral – 2016/2018

Um ano após a revirada dos velhos arquivos, o Vitral voltou com músicos que, além de participarem de outras bandas e/ou realizarem seus trabalhos solos, resolveram também fazer parte dessa nova história do rock progressivo nacional.

Assim nasceu "Entre as estrelas", primeiro álbum da banda, lançado em 2017 pelo selo Masque Records. Completamente instrumental, o álbum traz uma mistura de influências e inspirações em três músicas, sendo uma delas, a faixa título, uma suíte de 52 minutos dividida em treze movimentos.

"Entre as estrelas" foi muito bem recebido pela crítica e público no Brasil e no mundo, mediante a seguinte formação:

Claudio Dantas - bateria e percussão (Quaterna Réquiem/cofundador do Vitral)
Eduardo Aguillar - teclados e baixo (solo/cofundador do Vitral)
Luiz Zamith - guitarra e violão (Ícones do Progressivo/solo)
Marcus Moura - flautas (Bacamarte/solo)
Vítor Trope - baixo nos shows (Orquestra Rio Camerata)

Em 2018, após dois shows para o lançamento do álbum, no Rio de Janeiro, várias mudanças foram acontecendo no mundo e também no Vitral. Junto com as mudanças, a ideia de um novo álbum, agora com músicas atuais, começava a nascer e, já no final do ano, ele já estava praticamente todo desenhado.

"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos
por aqueles que não podiam escutar a música
".

Friedrich Nietzsche

Vitral - 2023

Comemorando os 40 anos da primeira formação da banda e depois de cerca de 5 anos de maturação, chega, enfim, o novo álbum do Vitral.

"Os Loucos" é um projeto criativo que traz o que de melhor poderíamos ouvir atualmente dentro do cenário do rock progressivo instrumental. Em função da sua riqueza e multiplicidade, o novo trabalho certamente agradará aos mais exigentes amantes da música progressiva. 

Em cada faixa, uma surpresa sonora agradável. As músicas passeiam por várias nuances. Ora um vigoroso solo de guitarra com o aporte de uma bateria nervosa, ora suaves solos introspectivos de flauta, instrumento presente em todas as faixas.

Embora o som seja instrumental, as músicas de uma forma subjetiva revelam situações simbólicas, históricas e místicas. Os títulos já nos induzem a viajar por variados contextos. “Reinos do Norte”, “Sete Povos das Missões”, “Nas Asas de Horus”, “Montezuma”, “Via Appia”, “O Grande Exército Pagão”…

Para essa gravação, o cofundador da banda, Eduardo Aguillar (teclados e baixo), reuniu um time de primeira: Bruno Moscatiello (Nataraj/Kaoll/solo), na guitarra/violão, e Marco Aurêh (LummeN/Palma/solo), nas flautas, formam o núcleo do Vitral,
Gustavo Miorim, músico, produtor e mestre de bateria em São Paulo, completa o elenco como músico convidado. "Os Loucos" foi lançado dia 30 de agosto na página da banda no Bandcamp, plataforma online para artistas independentes. Anote o endereço: (www.vitralband.bandcamp.com)

Eu gostei muito do release que a banda providenciou, pois contém o histórico muito bem escrito e ao ir além, possui uma visão artística da obra em si, ou seja, com tal abordagem, eu penso que esse documento oficial da parte da banda contém um poderio sintético excelente e certamente atende bem o meu público leitor e muito interessado na audição de um trabalho desse quilate. 

Claudio Aguillar, membro fundador do "Vitral", tecladista e baixista. Fonte: Site Rock Stage Brasil

Claro que com tal adendo do release oficial da banda, foi muito facilitada a minha criação de resenha, através desse manancial de muita informação e assertividade contida no release oficial da banda. Todavia, me permito acrescentar alguns apontamentos pessoais. 

Para início de conversa, eu concordo com o texto do release, no sentido de que a banda produz um som que provoca aos seus ouvintes, imagens riquíssimas. Nesse sentido, não há nada mais "progressivo" enquanto conceito de "Art-Rock", que busca aprofundar sempre qualquer discussão em torno dos conceitos propostos, a usar a música (e vice-versa), para exibir forte conteúdo cultural. Isso é uma das marcas registradas do Rock Progressivo e o Vitral se mostra signatário dessa predisposição.

Nesses termos, exatamente como foi assinalado no release, os títulos das canções já denotam a dimensão de seu propósito nobre, ao buscar a abordagem de assuntos profundos, sob uma roupagem etérea. As músicas nos levam aos mistérios secretos do antigo Egito, às tradições dos povos pré-colombianos, a acompanhar as andanças dos jesuítas pelo sul do Brasil, as sagas perpetradas pelos povos nórdicos e da antiguidade romana entre outros temas.

O guitarrista/violonista, Bruno Moscatiello, grande nome do moderno Rock Progressivo brasileiro. Fonte: Site Rock Stage Brasil

Sob o ponto de vista estritamente musical, não há o que acrescentar, mediante uma robustez dessa monta. Eduardo Aguillar, o membro fundador, reuniu um novo time absolutamente espetacular, formado por músicos de altíssimo gabarito e sobretudo, coadunados com a estética do Rock Progressivo e assim, ao comungar dos mesmos valores, tudo fluiu de uma maneira magnífica.

A respeito da arte da capa, também gostei muito. A ilustração a mostrar seres com ares mitológicos a sustentar um vitral que insinua-se como um portal extra-dimensional e dele a emergir a figura de um outro ser, desta feita feminino, ou seja, uma mulher absolutamente fluídica a denotar ser a representação de uma força maior.
Simbolismo muito interessante, portanto, ao propor a construção de uma egrégora com alto poder energético a ditar o conceito da transformação em via de regra. E sim, é muito bonita tal arte final da parte do desenhista. 

O excelente flautista, Marco Aurêh, também bastante conhecido na cena progressiva contemporânea. Fonte: Site Stage Rock Brasil

Sobre as músicas do álbum, tenho mais algumas observações pontuais a acrescentar. Reforço o link do portal "Bandcamp" para que o leitor leia os apontamentos individualizados sobre as músicas enquanto as escuta:

Acesse o CD "Os Loucos" do Vitral:
www.vitralband.bandcamp.com

1) O grande exército pagão

Tema que se inicia épico, com o sintetizador a emular trombetas militares e a denotar uma marcha triunfal. Com inúmeras passagens extremamente melódicas, tem o elemento da doçura assegurado, com partes delicadas propostas pela flauta e outras mais contundentes mediante a guitarra a imprimir peso, e neste caso lembrou-me o Prog-Rock italiano em diversos aspectos.

2) Ciclopes

Esse tema se inicia em meio a um conjunto de acentuações em forma de convenções e logo a seguir propõe o staccato a demarcar bem a fórmula de compasso adotada. São belíssimos os timbres de todos os instrumentos, bem coadunados com o adorável padrão setentista.

3)  Via Appia

O começo grandioso e dramático a insinuar uma ária operística abre campo para uma suíte tipicamente "prog", ou seja, mediada por várias partes e mais uma vez a apresentar melodias muito belas.

A parte mais calma com o piano a flauta a trabalhar juntos, é incrível. O ouvinte é convidado a flutuar junto com a banda, certamente. É ótimo o timbre e linha de baixo. Um pequeno trecho a insinuar contraponto dá espaço logo a seguir para uma levada alegre e permeada por um belo solo de guitarra. 

Advém uma parte bem "glacial", naquela predisposição do "Space-Rock" e a posteriori, um solo de flauta extremamente doce. Criatividade e bom gosto de mãos dadas. E a música se encerra com uma parte mais acelerada e extremamente jovial. 

4) Sete povos das missões

É muito bonita a introdução, com o sintetizador a carregar no timbre setentista clássico. Mais uma vez a flauta conduz uma bela melodia com ares campestres e assim a música vai a se desenvolver mediante a mescla de partes calmas e mais agitadas.

Há um violão muito bonito, que atua bem rapidamente e dá espaço para os teclados mais densos e em seguida uma parte mais agressiva advém, embora seja também rápida.

Gostei de uma parte que insinuou influência indígena, acentuada pela divisão rítmica e auxiliada pela percussão. E o violão fecha com muita beleza a canção, auxiliado pela flauta.

5) Reinos do Norte

Tema com muita pompa sinfônica na sua abertura, mostra uma linha melódica deveras bonita feita pelo sintetizador. 

O elemento medieval se faz presente com grande felicidade, ao lembrar bandas Folk-Prog-Rock setentistas que trabalharam com tal sonoridade mediante extrema destreza e o Vitral honrou tais tradições, com muitos méritos.

É muito bom o trabalho de guitarra, com destaque também para a linha de bateria, que é excelente. E o tema fecha com a mesma grandiosidade do seu início.

6) Montezuma

Achei incrível a guitarra que ponteia uma melodia com notas longas a evocar algo misterioso, mas ao mesmo tempo, muito forte, a denotar uma verdade secreta, muito provavelmente guardada a sete chaves dentro de uma pirâmide asteca.

Gostei muito das partes posteriores, a prover uma grande quantidade de levadas, umas diferentes das outras, bem no conceito do Prog-Rock setentista, a usar e abusar da dinâmica, com muita sapiência.

Além do mais, a conter grandes momentos individuais ao apresentar muita intervenção da flauta, teclados a experimentar timbres diversos (e todos clássicos do gênero), e claro, da guitarra.

7) Nas asas de Horus

Tema curto, mas muito bonito, conduzido pelo piano e flauta, contém uma pontual participação do violão e sutil percussão.  

Ao ouvir esse tema, a imaginação nos leva até Horus que literalmente nos conduz a sobrevoar o Vale dos Reis e exatamente como deveria ser, a visão é espetacular.

8) Os loucos

Tema que se inicia com grande contundência, usa do recurso da quebra brusca de clima ao propor mudança de dinâmica sistemáticas e assim, apresentar um mosaico de emoções dispares entre si para o ouvinte degustar. 

Dessa forma, dos momentos mais tenros à dramaticidade de outros, da reflexão mais cerebral ao ritmo mais pulsante, somos levados a adentrar uma forte emoção caleidoscópica das mais memoráveis.
"Loucura pouca é bobagem", teria dito um famoso Rocker tupiniquim de outrora e claro que ele estava certo! Viva a imersão livre que o Rock progressivo nos proporciona ao experimentarmos a loucura em doses maciças. Viva a loucura! 

Para encerrar, digo que o CD "Os Loucos" da banda de Rock Progressivo, "Vitral", é muito recomendado para ser ouvido com a máxima atenção e tenho certeza, o leitor/ouvinte vai apreciar sobremaneira tal experiência sonora. O seu fiel aporte às tradições do Rock Progressivo clássico é admirável. E no aspecto da qualidade da banda, trata-se de algo muito cristalino, na minha opinião.

Ficha técnica       
CD Os Loucos - Vitral
Produzido por VITRAL
Músico convidado: Gustavo Miorim - bateria
Quadro da capa: Claudio Dantas - @claudiodantaspainter
Mixado e masterizado no Laboratório Pedra Branca, Rio de Janeiro, Brasil
Apoio: A BELA MÚSICA/KAZA 8
Músicas compostas e arranjadas por Eduardo Aguillar

Para conhecer mais o trabalho do Vitral, acesse:

Vitral - Canal de YouTube:
https://www.youtube.com/@vitral-musicaprogressivain655/videos

Vitral no Prog Archives:
https://www.progarchives.com/artist.asp?id=10387

Vitral - Facebook:
https://www.facebook.com/bandavitral

Vitral  - Matéria no RockStage Brasil:
https://rockstage.com.br/rock-progressivo-banda-vitral-celebra-40-anos-e-lanca-o-album-os-loucos/ 

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Livro: Quando os ventos sopram na pradaria (uma fábula Sioux)/Walter LP Possibom - Por Luiz Domingues

Para efeito da percepção generalizada, é bem incomum o ponto de vista indígena ser levado em consideração. Mais do que isso, pode-se afirmar que nem mesmo o devido respeito que a sua cultura milenar merece receber, é observado, infelizmente.

Ainda bem que há pessoas que pensam muito diferente e este é caso de um grande estudioso e admirador das tradições indígenas, de sua cultura milenar e sobretudo, a reconhecer o seu admirável senso de honradez, a nos proporcionar uma visão muito mais justa.

Falo a respeito de Walter LP Possibom, grande músico (guitarrista, cantor e compositor, que é membro fundador da banda de Rock, "Delta Crucis"), médico na formação acadêmica e que construiu uma sólida carreira paralela como escritor, a lançar inúmeras obras muito relevantes, em termos de romances muito bem escritos, livros técnicos de medicina e uma enciclopédia incrivelmente profunda sobre a história do Rock, entre outros trabalhos. E como se não bastasse, ele também é um ativista cultural incansável, ao manter um Blog e ser colaborador de uma webradio, ou seja, a alta carga de produtividade é a sua marca registrada.  

Com o dom da palavra de uma forma natural pela veia literária nata, a assertividade do médico, a enorme sensibilidade do músico e a força da comunicação do ativista cultural, Walter Possibom usou tais predicados somados para produzir mais um belo romance, desta feira ambientado na cultura da nação Sioux, uma das mais tradicionais a habitar as pradarias da América do Norte.

Apaixonado pela cultura indígena, ele nem precisaria empreender uma grande pesquisa propriamente dita para dar conteúdo ao romance, no entanto, ele mergulhou no estudo, porque certamente quis enfatizar tais aspectos com bastante ênfase ao construir o seu romance.

Portanto, "Quando os ventos sopram na pradaria" (uma fábula Sioux), tem o elemento da farta explanação sobre inúmeros aspectos da cultura Sioux e também de outras tribos contemporâneas (amigas ou inimigas), a citar com bastante propriedade a organização social de tal nação, a abranger todos os quesitos imagináveis.

O ponto altamente positivo que realço, foi que ao ler o romance, notei que Walter Possibom usou as personagens com muita sapiência nesse sentido de expressar as diversas nuances da cultura Sioux, ou seja, a leitura segue a estrutura básica do romance, no tocante à construção dos arcos narrativos, percepção psicológica de cada personagem, saga com observação da famosa "jornada do herói" (ou monomito), e a acrescentar doses maciças de sentimento de amor terno, a destacar ser essa a energia fundamental que move o casal de personagens protagonistas, Wakanda e Yoomee, ambos filhos de chefes de tribos, que se apaixonam e lutam pelo seu amor, a cumprir muitos protocolos de sua cultura até concretizar a sua união.

A saga apresenta também os momentos de conflito a gerar angústia e "torcida" da parte do leitor, ou seja, a tal "jornada do herói" descrita por Joseph Campbell e que os escritores e roteiristas de cinema e série de TV usam sem parcimônia, e técnica da qual Walter Possibom foi muito feliz ao usar, e assim garantir a emoção, algo primordial para um bom romance. 

Chama a atenção a entrelinha muito clara que acompanha a obra inteira a respeito da mensagem da ética que o permeia. A todo instante, as personagens se expressam sob as suas decisões a serem adotadas, das grandes questões sociopolíticas às questões mais triviais de fácil resolução no cotidiano e há um padrão muito bem delineado para tratar qualquer problema, a denotar um senso de honradez, respeito, consideração ao semelhante, enfim, a revelar um bojo de predicados da mais alta estirpe e nos demonstrar como a alma indígena valoriza a ética como um princípio pétreo de sua sociedade.

Claro, nem todas as nações indígenas construiram seus princípios da mesma forma. Há ao longo da história a revelação de conflitos e práticas cruéis da parte de certas tribos inimigas, a denotar que sempre houve uma graduação natural, ou seja, com a existência de certas nações com princípios nada nobres, onde o egoísmo lhe impelia a cometer atrocidades a troca de obter os seus objetivos torpes, mas nesse ponto, cabe a reflexão que isso não é nenhuma novidade para os homens brancos que vieram do outro lado do oceano atlântico.

Não cometerei o dito "spoiler" ao contar a história em sua totalidade, e dessa forma, fica como um incentivo para que o leitor desta resenha busque a leitura da obra, para nela se envolver e se emocionar.

Transcrevo, entretanto, uma oração Sioux que o autor disponibilizou nas últimas páginas da obra, logo após o encerramento do romance, pois reflete o espírito que norteia essa nação e revela por conseguinte, a sua ética elevada. 

Oração Sioux:

"Oh Grande Espírito, cuja voz eu ouço no vento
E cujo respiro  dá vida a todo o Universo
Ouve-me, sou pequeno e débil, um de teus muitos filhos
Deixa-me passear na beleza e permite-me que meus olhos sempre possam contemplar o vermelho e a púrpura do pôr do sol
Faça com que minhas mãos respeitem as muitas coisas que as Tuas criastes e agudiza meus ouvidos para ouvir a Tua Voz
Faz-me sábio para compreender todas as lições que Tu escondeste por trás de cada folha e de cada rocha
Dá-me força não para ser mais forte que meu irmão, senão para lutar contra o  meu pior inimigo: eu mesmo
E faz-me sempre pronto para ir ante Ti com as mãos limpas e o olhar reto para que quando a luz se desvaneça como se desvanece no pôr do sol meu espírito possa chegar ante Ti sem nenhuma vergonha"
.

Sobre a capa, a ilustração mostra a paisagem da pradaria exuberante, terra dos Sioux, ante a vegetação a predominar os tons verde e amarelo, a interagir com o alaranjado do crepúsculo no horizonte, ambiente idílico de onde o casal de índios sioux, Wakanda e Yoomee contemplam a natureza que o Grande Espírito lhe designou como o seu Lar.  

Recomendo a leitura do livro: "Quando os ventos  sopram na pradaria" (uma fábula Sioux), do grande autor, Walter LP Possibom, um escritor inspirado e sempre preocupado em deixar nas entrelinhas de suas obras, o seu grande apreço pelos valores éticos.

Livro "Quando os ventos  sopram na pradaria" (uma fábula Sioux)
Autor: Walter LP Possibom
Coordenação editorial: Daniel Alves Machado e Denny Guimarães de Souza Salgado
Revisão: Walter LP Possibom
Projeto gráfico e editoração eletrônica: Denny Guimarães de Souza Salgado e Paulo de Tarso Soares Silva
Ilustração da capa: João Rafael Corrêa Lima
Editoração eletrônica da capa: Denny Guimarães  de Souza Salgado
Impressão e acabamento: Editora Kiron
Editora Kiron
Lançamento em 2019

Leia também a minha resenha sobre um outro trabalho de Walter Possibom, o livro "Um Brilho nas Sombras" (uma fábula Rock'n' Roll).

Eis o link para acessar:
http://luiz-domingues.blogspot.com/2016/09/um-brilho-nas-sombras-walter-lp.html

Leia no meu Blog 2 a entrevista que conduzi com Walter Possibom a repercutir o lançamento da sua impressionante  obra: "Enciclopédia Rock, Suas Histórias & Suas Magias"

Eis o link para acessar:
http://blogdoluizdomingues2.blogspot.com/2022/10/entrevista-walter-possibom-musico.html

Para conhecer ainda mais o trabalho de Walter Possibom como músico, ativista cultural e escritor, acesse: 

Blog Planet Caravan:
https://jjplanetcaravan.blogspot.com/

Blog Planet Caravan no Facebook:
https://www.facebook.com/BloggerPlanetCaravan

Canal do grupo de Rock Delta Crucis no YouTube:
https://www.youtube.com/channel/UCB602J1NIhNiicree6adEFw

domingo, 18 de fevereiro de 2024

CD Prazer te Conhecer/Balls - Por Luiz Domingues

O grupo de Rock, "Balls", brilhou intensamente na cena paulistana dos anos 2010, muito por conta da excelência técnica de seus componentes, aliado a uma carga de influências das mais nobres que a banda abraçou como um farol estético muito claro a ser seguido, ou seja, a se tratar da firme determinação de seguir vertentes setentistas clássicas e mais do que isso, com muito requinte.

Dentro dessa escolha que a banda fez, escolas tais como o Blues-Rock, Hard-Rock, Southern-Rock e Jazz-Rock, ou seja, vertentes bem típicas dos anos setenta, foram visitadas com grande desenvoltura e criatividade, a usar as ferramentas de cada estilo de uma maneira muito consciente, no sentido de que denota conter grande conhecimento de causa da parte da banda, como uma unidade e claro, para cada componente no âmbito pessoal.

Se no primeiro álbum a banda já mostrou um vigor impressionante, neste segundo trabalho de sua trajetória, não apenas reafirmou, como ampliou o seu poder de fogo. Aliás, por falar no primeiro álbum, se ainda não leu, deixo o meu convite para que o leitor visite o meu Blog 1 e leia a resenha que eu preparei sobre esse trabalho, ou releia, se for o caso:

Eis o link de acesso:

http://luiz-domingues.blogspot.com/2023/03/cd-ballsballs-por-luiz-domingues.html

Muito bem gravado no quesito da produção (tem o dedo mágico do grande Edu Gomes na captura sonora de estúdio), o CD "Prazer te Conhecer", mostra a banda ainda mais afiada na execução vigorosa de seus temas, detalhista nos arranjos e a denotar aquela gana Rocker tipicamente setentista, que é na prática, um acréscimo de energia e tanto.

No quesito das letras, a opção predominante foi em torno do romantismo, posso afirmar. A relação homem-mulher é abordada quase na mesma intensidade com a qual esse tema era muito recorrente nos tempos sessentistas da Jovem Guarda, claro, guardadas as devidas proporções. 

Em termos de formação da banda para esse segundo trabalho, houve apenas uma mudança, quando o novo baixista, Paulo Pascale, assumiu o posto e claro, a imprimir o seu estilo próprio, com bastante brilho. 

Sobre a apresentação gráfica do disco, a banda optou mais uma vez pela simplicidade visual ao usar o cinza em diversas matizes como cor predominante e a mostrar a ilustração de uma garota sensual bem no canto do enquadramento, mediante bolhas d'água por toda parte, a sugerir uma superfície de vidro sob a ação de vapor, presumivelmente. 

Já no encarte, as fotos dos componentes ilustram a exibição das letras e da ficha técnica de uma maneira bem funcional.

Sobre as canções que compõem o álbum em si, vale a pena destacar mais alguns detalhes. Convido o leitor a escutar o disco enquanto lê o restante desta resenha, e para tal, ouça de maneira completa através do YouTube:

Eis o link para acessar:
https://www.youtube.com/watch?v=c8LkHnHBkj8&list=OLAK5uy_lKxIg8KACPTw2Zw8rZSc_QEIp0_xDA1e8&index=1 

1) Na estrada (Danilo Martire/Fernando Gargantini/Pi Malandrino)

É bem interessante a linha melódica dessa canção e isso é realçado pela ótima interpretação vocal, mediante o apoio dos backings vocals.

Rock com característica Hard, contém solos de guitarras com extremo bom gosto melódico e bem destacados pelo fato de terem sido muito bem timbrados.

2) No Lixo, há luxo (Pi Malandrino/Pepe Bueno)

Esse tema lembra bem o estilo do Hard-Rock brasileiro a la "Golpe de Estado", isto é, a mostrar riff forte, refrão ganchudo, "cozinha" poderosa e ótimos solos.

3) Prazer te conhecer (Pi Malandrino/Erika Dernovsk)

O Blues-Rock mostra a sua face com toda a pompa em "Prazer te Conhecer", a faixa que dá nome ao CD. A canção apresenta aquele clima acentuado no estilo do "Free" ou seja, a usar do andamento lento aliado a uma ótima melodia bem desenhada como essência básica. E também é notável por exibir como acréscimo o ótimo trabalho de guitarras para engrandecê-la.

O duo final de guitarras lembrou-me bastante o som do "Wishbone Ash", com o devida ressalva de se tratar da minha mera idiossincrasia.

4) À primeira vista (Fernando Gargantini/Pi Malandrino/Paulo Pascale/Lauro Santiago/Danilo Martire)

Ao iniciar-se como uma balada, esse tema já chama a atenção pelo bom uso dos detalhes rítmicos empregados, com contratempo estratégico e uso criativo de percussão.

Mas tudo muda quando o riff mais pesado dá entrada um Hard-Rock cheio de energia e pulsação. E ao final a docilidade da balada reaparece para rapidamente fechar a canção.

5) Pneumonia (Pi Malandrino/Fernando Gargantini)

Rock'n 'Roll de enorme apelo dançante, tem o elemento Pop muito forte na sua estrutura, tanto pela melodia contagiante, quanto pela indução clara do backing vocals que convida o ouvinte a interagir.
Gostei muito de um intermezzo, algo nada Pop, aliás, que quebra o apelo radiofônico da canção, mas é justamente aí que (na minha opinião), reside o fator da criatividade, no sentido de ser perfeitamente possível fazer Pop-Rock, com forte apelo popular, mas a incrementá-lo com ornamentos mais robustos. 

6) Doce Fantasia (Fernando Gargantini/Pi Malandrino/Danilo Martire)

Texas Blues na veia! Esse tema empolga desde o início por toda a sua intenção e assertividade dentro do estilo.

7) Olha pra mim (Pi Malandrino/Danilo Martire)

Tema Pop-Rock com vestimenta Hard-Rock, tem o apoio do órgão Hammond, a lhe conferir um sabor irresistível. Gostei muito das convenções, duetos de guitarra e linha de bateria muito bonita. 

8) Raio e Tempestade (Fernando Gargantini/Pi Malandrino/Danilo Martire 

Mais um Blues-Rock com riff forte, gostei bastante do arranjo de guitarras, principalmente perceptível ao se ouvir com fone de ouvido, ou seja, eu recomendo o uso desse expediente, portanto. 

9) Casa comigo (Pi Malandrino/Danilo Martire)

Outro Rock'n' Roll direto e reto, esse tema dá o recado com bastante força, tanto pelo riff poderoso, quanto na levada firme. O solo em dueto e muito bem feito é a prova cabal de que ter dois guitarristas ótimos e super entrosados é um luxo para qualquer banda e o Balls teve essa sorte.

A parte que usa o staccato, algo bem no estilo do "AC/DC", é bem interessante no sentido de se mostrar como um recurso que ao vivo o Balls deve ter usado bastante em seus shows, para gerar euforia em seu público.

10) Nossa história (Fernando Gargantini/Danilo Martire)

A levada de Blues ritmado, é irresistível, logo de início.  E assim a música segue com a sua pegada blues até desembocar em uma jam-session... 

11) Gran finale (instrumental) (Fernando Gargantini/Pi Malandrino/Paulo Pascale/Lauro Santhiago)

Na verdade, essa faixa está contida na faixa anterior como a sua continuidade natural e foi creditada separadamente por ser um tema instrumental com solos e a demarcar o encerramento da canção anterior e no caso, também do disco.

Com clima de jam-session final, empolga pela sua contundência instrumental, com a banda a soltar a mão para encerrar o disco em alta voltagem e possivelmente na mesma predisposição de "Free Bird" do Lynyrd Skynyrd. como uma inspiração, digamos assim.

Em síntese, o Balls apresentou mais um bom trabalho e do qual eu recomendo a audição, sem sombra de dúvida. 

CD Prazer te conhecer/Balls  
Gravado no estúdio Cakewalking - São Paulo-SP - Fevereiro a abril de 2014
Técnico de áudio (gravação/captura): Edu Gomes
Mixagem e masterização: Pi Malandrino
Ilustrações de capa: Aloísio de Castro
Projeto gráfico e diagramação: Danilo Martire
Foto: Tony Sampaio
Arranjos: Balls
Produção geral: Pi Malandrino e Fernando Gargantini

Formação do Balls neste trabalho:
Lauro Santhiago: Bateria
Danilo Martire
: Voz
Fernando Gargantini
: Guitarra e backing vocals
Pi Malandrino
: Guitarra e backing vocals
Paulo Pascale
: Baixo

Músicos convidados:
Mateus Schanosky: teclados na faixa "Olha pra mim"
Paulo "Coruja" Oliveira
: gaita em "Doce Fantasia"
Pepe Bueno
: backing vocals em "Pneumonia"

Para conhecer melhor o trabalho do Balls, acesse:

Canal do YouTube:
https://www.youtube.com/channel/UCfo61bnRtXLBYku-ZNsua1w

Segundo canal do YouTube:
https://www.youtube.com/@BallsAndRoll

Facebook:
https://www.facebook.com/Bandaballs/about_details

Spotify:
https://open.spotify.com/artist/2an1YxR2qW382iv02VHbQC

Deezer:
https://www.deezer.com/en/artist/10462499

YouTube Music:
https://music.youtube.com/channel/UCcaF8OLntZ3HUcFiWblIwOg

Site oficial:
www.balls.com.br

Contato direto com a banda:
balls@balls.com.br

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Carna Rock! - Los interessantes hombres sin nombre/Boca do Céu e Os Kurandeiros - Sábado, dia 17/2/2024 - 20 horas - Instituto Cultural Bolívia Rock (ICBR) - Bairro da Penha - São Paulo-SP

Carna Rock!

Sábado, dia 17 de fevereiro de 2024 - 20 horas

Instituto Cultural Bolívia Rock (ICBR) 

Mestre de cerimônias: Rogério Utrila

As bandas: "Los Interessantes Hombres Sin Nombres" e "Boca do Céu" realizam a abertura do show: "Pronto Pra Festa", D'Os Kurandeiros"

Rua Doutor Suzano Brandão, 573/543

Penha

200 metros da estação Penha do Metrô

São Paulo-SP

Ingressos antecipados com desconto pelo site Sympla:

https://www.sympla.com.br/evento/carnarock-2024/2311373?share_id=copiarlink

Los Interessantes Hombres Sin Nombres anunciam o lançamento do livro: "70 poemas sem nome" de Marcos Mamuth:

Marcos Mamuth: Guitarra e voz

Ayrton Mugnaini Junior: Baixo e voz

Carlinhos Machado: Bateria e voz

 

Boca do Céu lança o single "1969":

Osvaldo Vicino: Guitarra e voz

Luiz Domingues: Baixo e voz

Laert Sarrumor: Voz

Wilton Rentero: Guitarra

Carlinhos Machado: Bateria

musicista convidada: Renata "Tata" Martinelli: Voz


Os Kurandeiros lançam o show: "Prontos para a festa":

Kim Kehl: Guitarra e voz

Carlinhos Machado: Bateria e voz

Phill Rendeiro: Guitarra e voz

Renata "Tata" Martinelli: Voz e percussão

Luiz Domingues: Baixo e voz

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Livro: 101 Crônicas para eu ler antes de morrer/João Lucas - Por Luiz Domingues

Entre as tantas possibilidades que a literatura nos oferece, a vertente das crônicas está entre as minhas prediletas. O cotidiano observado pelas pessoas, expresso em meio ao seu convívio na sociedade,  sempre rende um bom texto e do qual nos identificamos sob múltiplos aspectos, bem dentro daquela prerrogativa óbvia de que estamos todos a viver situações e emoções muito parecidas ao longo da existência.

O bom cronista é antes de tudo um observador, um detalhista que lê as entrelinhas, percebe os arredores sob visão mais ampla do que a percepção dos distraídos em geral e sobretudo, a acrescentar nuances diversificadas sobre cada narrativa empreendida.

Todos esses predicados eu encontrei com abundância, nas páginas do livro: "101 Crônicas minhas para eu ler antes de morrer", livro escrito por João Lucas, artista muito conhecido por sua trajetória na música, e que exerce a escrita há tempos, sempre a publicar seus bons textos através das redes sociais. Tal iniciativa de expor seus escritos certamente lhe serviu como um termômetro a lhe mostrar o sucesso que suas publicações despertaram e dessa forma, ele tomou a decisão certeira de providenciar a publicação do livro impresso, muito bem vindo.

Organizado de uma forma a acompanhar a trajetória cronológica do autor, o livro tem um certo caráter autobiográfico, sem ser no entanto, uma autobiografia assumida. Tal característica, inclusive, está insinuada na capa do livro e reforçada através das orelhas e contracapa da obra, quando diversas fotos do autor, extraídas das famosas fotos 3/4 obrigatórias para ilustrar documentos, o mostram, da juventude à idade madura, através de uma muito criativa ideia.

Nesses termos, são deliciosas as crônicas que remontam às suas mais remotas reminiscências da infância, das quais, confesso que gerou-me bastante comoção, pois as situações descritas são muito semelhantes ao que eu experimentei na minha própria tenra infância, principalmente no advento da idade escolar.

Pude também imaginar o bucolismo prosaico que foi uma marca registrada do bairro em que ele viveu na zona sul de São Paulo e do qual eu também experimentei percepções muito semelhantes, pois ali vivi, igualmente. Se eu já tenho essa lembrança boa desse bairro, quando ali morei a partir de 1967, posso mensurar como ele era ainda mais incrível ao final dos anos cinquenta e início dos sessenta, no qual ele o descreveu.

As brincadeiras de rua, a amizade mais ingênua e muito sincera que se forja no bairro em geral e nos bancos escolares, a simplicidade encantadora da metodologia didática adotada pelas primeiras professoras, enfim, são muitas as lembranças citadas.

No avançar da obra, eis que uma explosão de signos interessantíssimos surge, ao descrever a sua entrada no período da adolescência, amparada por toda aquela explosão sonora dos anos sessenta sob vários vórtices e a descoberta do cinema (e eu sei bem como a grande avenida que corta esse bairro era pródiga em exibir aquele grande número de salas de cinema de rua, décadas atrás), o impactou.

Eis que eu leio muitas crônicas ótimas sobre os seus primeiros contatos reais com a música, as primeiras bandas, a descoberta do Jazz, da Bossa Nova, do Rock'n'Roll e a vida do músico da noite levado para embalar a alegria onde o povo está, com direito a muitas histórias engraçadas dos bastidores, que muito me divertiram e claro, com as quais me identifiquei de imediato. 

A vida laboral fora da música também rendeu crônicas muito significativas, com situações dignas de um roteiro de filme, que renderia muito nas mãos de uma diretora engajada do porte de Lina Wertmüller e aliás, todas as crônicas propostas por João Lucas tem o poder da perspectiva cinematográfica. O cinema tem tudo a ver com a formação cultural dele e isso ficou impregnado nas suas crônicas, no sentido de que as crônicas tem muitas imagens implícitas.

A vida universitária e a consciência política recém-adquirida nessa fase da sua vida, a apontar para a convicção acalorada em torno dos mais belos ideais e os muitos contrastes que advém dessa perspectiva, também estão bem presentes e emocionam.

Dessa maneira, eu pensei muito no cinema de François Truffaut, quando ele propôs relatar as suas lembranças sobre a infância e adolescência, a me lembrar dos filmes que acompanharam o crescimento e amadurecimento sistemático da personagem de Antoine Doinel, em vários filmes a usar o recurso do mesmo ator (Jean-Pierre Léaud) a interpretá-lo e assim a explorar o seu próprio crescimento como ser humano. João Lucas e Truffaut tem muito a ver um com o outro, estou convencido disso.

Quando da plena adolescência e início da juventude madura em curso, eis que João Lucas descobriu o amor, quando fala de Valéria, sua namorada, musa inspiradora e esposa, cuja convivência pelas décadas afora, também rendeu crônicas ótimas, a falar sobre a cumplicidade do namoro e companheirismo no casamento, inclusive sobre os diversos aspectos mais básicos da organização familiar, a casa, os filhos e os netos.

A vida artística também rendeu boas crônicas e nesse aspecto, eu pensei que viria uma enxurrada de histórias nesse sentido, mas nesse quesito, João Lucas economizou. Indício de que virá um novo volume centrado em tais lembranças? Tomara que sim.

Aliás, foi exatamente nesse ponto que eu o conheci, quando tive a oportunidade de voltar a ser componente de uma banda da qual eu estive na sua primeira formação e nessa fase da minha volta, João Lucas foi o tecladista, compositor e vocalista do Língua de Trapo, ícone do humor e sátira no Brasil e então um dos nomes mais celebrados daquela cena artística que ficou conhecida como "Vanguarda Paulista", nos anos 1980. 

Da esquerda para a direita: Nahame Casseb, Fernando Marconi, Laert Sarrumor, João Lucas, Lizoel Costa, Serginho Gama, eu (Luiz Domingues) e Pituco Freitas. A formação do Língua de Trapo quando da minha volta à banda em 1983, quando me tornei amigo de João Lucas

Nessa minha segunda passagem pela banda (1983-1984), estive no palco com o amigo João Lucas por mais de cem vezes e gravamos juntos um disco ao vivo. Nos muitos ensaios, palcos de shows, saguões de hotéis, plataformas de rodoviárias & estações ferroviárias, bancos de "Kombis", restaurantes, coxias de teatro, estúdios de rádio e TV dos quais estivemos juntos, sempre conversávamos muito e ali ele já se mostrava um cronista nato e sensacional, ao contar-nos histórias incríveis que colecionara na sua memória.

Portanto, quando eu soube que ele lançara um livro, e já leitor de muitas crônicas que ele publicara na rede social, lembrei-me bem desse convívio, isto é, de como João armazenara tais lembranças na sua memória e como ele sempre as narrava com uma graciosidade muito grande. E ao ler a obra, constatei que, sim, todo aquele talento para contar histórias e a acrescentar muitas nuances enriquecedoras nas entrelinhas, estava devidamente impresso nas páginas da obra e sim, com direito a imagens cinematográficas, muita música implícita e claro, poesia.

Ainda a lembrar a nossa amizade forjada como companheiros de banda, eu preciso acrescentar que o editor do livro e autor do prefácio, foi o nosso amigo em comum, Jerome Vonk, cuja atuação como empresário do Língua de Trapo naquele período no qual estivemos juntos, foi muito prolífica. Jerome também é um ótimo contador de histórias boas, e suas lembranças dentro da música, são riquíssimas.   

Sobre o título do livro, João me contou que se baseou naquelas intermináveis listas que abundam as redes sociais, a dar conta de muitos assuntos variados. As pessoas adoram elencar os "melhores" (e também os "piores"), entre os representantes de infindáveis ramos das atividades humanas em geral e assim, ele usou dessa ideia como base e a ironizar a marca de "cem", ao usar o "cento e um", número de crônicas que demarcou o conteúdo do livro.

Para encerrar, digo que o livro me despertou o sentimento de identificação em muitos aspectos, gerou-me nostalgia por motivações diversas, boas risadas em muitos momentos e o florescer de reflexões importantes, em outros.

Músico de alto gabarito, João Lucas é um tecladista, cantor e compositor da pesada. Muitas das músicas que ele compôs, tem uma inequívoca vocação para o cinema, com aquela atmosfera de trilha sonora que fala por si só, algo muito natural em face à influência que o cinema sempre teve na sua formação cultural e isso também está presente no livro.

Leitura mais do que recomendada, "101 crônicas minhas para eu ler antes de morrer" abre espaço para um novo livro, que eu espero, não demore para ser lançado pelo meu talentoso amigo, João Lucas.

Ficha técnica:
Livro: "101 crônicas minhas para eu ler antes de morrer"
Autor: João Lucas
Editor: Jerome Vonk
Revisão: Laura Gillon
Projeto gráfico e diagramação: Laura Gillon
Capa: Ivan Lucchini
Lançamento: maio de 2023