segunda-feira, 15 de julho de 2024

Filme: Taking Woodstock (Aconteceu em Woodstock) - Por Luiz Domingues

 

Eis aqui um filme que surpreende por trazer uma visão sobre os bastidores da realização do Festival de Woodstock, com uma certa leveza dramatúrgica; e também a conter uma certa guarida com a realidade, embora com licenças poéticas, muitas, aliás, e a respingar em boa música na trilha, embora o festival em si, seja apenas insinuado por menções rápidas, sem a intenção em mostrar o palco e os artistas que ali atuaram na realidade. Que o festival tem uma importância macro na história, não apenas do Rock, mas a revelar ser um marco da contracultura dos anos sessenta, isso é ponto pacífico. Tirante o próprio documentário oficial, que é icônico por si só, muitos outros documentários foram produzidos ao longo dos anos para repercutir o que aconteceu em Woodstock; destacar a performance dos artistas que ali apresentaram-se e debater a importância do festival no bojo do movimento Hippie etc.

No entanto, foi através dessa película lançada em 2009, ou seja, exatamente quarenta anos após o lançamento do festival, que uma visão diferente foi proporcionada aos estudiosos sobre o assunto; adeptos e simpatizantes da contracultura, além do público em geral, formado por Rockers; Hippies & Freaks, simpatizantes do festival e dos artistas que dele participaram. Com uma abordagem amena, porém a deixar nas entrelinhas muitos pontos importantes, este filme teve o respaldo do livro homônimo, escrito por Elliot Tiber, com colaboração de Tom Monte. 

Elliot foi em tese, o agente para que o festival acontecesse na localidade de Woodstock, por um golpe fortuito dos acontecimentos, ao dar a dica, para o produtor, Michael Lang que até então enfrentava dificuldades para definir um local para o Festival, e dentro dessa indefinição, arrola-se o boicote da parte de vários governantes municipais, nada simpáticos à ideia de suas respectivas cidades receberem um festival de Rock e por consequência, atrair uma infinidade de hippies a formar a sua plateia.
Bem, o livro de Elliot Tiber, intitulado: “Taking Woodstock: “A True Story of a Riot, a Concert and a Life”, foi publicado em 2007 e narra a história sobre como Elliot proporcionou à Michael Lang a ideia e mais do que isso, ao fazer a intermediação para que Michael Lang fechasse então o aluguel da fazenda de um camponês local (em White Lake), e daí em diante a história oficial é bem conhecida. Cabe no entanto, deixar claro que o próprio livro de Elliot foi contestado, inclusive por Michael Lang, em diversos pontos, ao acusá-lo em ter distorcido muitos detalhes a respeito de tais acontecimentos e enaltecido muito a sua própria pessoa, ao exagerar na porcentagem de mérito que Elliot teve nessa intermediação. Palavra contra palavra, portanto, um dia uma versão fidedigna à verdade será estabelecida e controvérsias a parte, a questão é que a base primordial da história é real e trata-se de uma trama marcada pelo improviso, e diante do que o festival tornou-se, foi como muitos Rockers supersticiosos costumam dizer: um arranjo diretamente estabelecido pelos “Deuses do Rock”. 
Ainda a falar sobre o livro, a narrativa é mais abrangente ao mostrar com maiores detalhes a trajetória pregressa do seu autor, e a dar ênfase ao seu lado militante da causa gay em Nova York, quando este fora participante dos atos que deflagraram os acontecimentos ocorridos no Stonewall Inn, e que mobilizou a comunidade gay em torno das suas reivindicações na sociedade. No filme, essa questão é obscurecida e a ênfase é dada ao retratar-se a participação dele, Elliot no desenrolar dos bastidores do festival de Woodstock, tão somente.

Portanto, ao falar sobre o roteiro deste filme, em seu início, mostra-se a pacata localidade de Bethel, uma minúscula cidade interiorana dos Estados Unidos, distante cerca de 150 km de Nova York. Em um motel decadente, vive um casal de idosos que o administra com muitas dificuldades. A senhora Sonia Teicheberg (interpretada por Imelda Staunton), tem um gênio irascível e não demonstra nenhum pudor em explorar e maltratar os pouquíssimos hóspedes que ali aventuram-se em usar as mal cuidadas instalações do local. O seu marido é um homem bem mais razoável (Jake Teishberg, interpretado por Henry Goodman), mas doente, não tem forças para enfrentar as loucuras perpetradas pela esposa, na péssima administração do estabelecimento, resignado com o fato de que a sua vida mostra-se com os dias contados. Um dos filhos do casal, Elliot Teicheberg, mais conhecido como Elliot Tiber (interpretado por Demetri Martin), mora em Nova York, mas passa os finais de semana no motel da família, chamado, “El Monaco” e ajuda a movimentar rendas extras para salvar o estabelecimento da completa ruína. 

Como ele atuava como um ativista cultural em Nova York, está acostumado a lidar com arte e artistas e por exemplo, aluga um galpão em anexo ao motel, para uma trupe de teatro poder ensaiar e também dedica-se aos acontecimentos culturais da municipalidade ao chefiar o conselho cultural formado por moradores da cidade e nesses termos, Elliot já mantinha uma certa experiência em produzir modestos festivais musicais, geralmente orientados pelo Jazz ou música erudita. No entanto, ele já não sabe o que fazer para ajudar os seus pais a quitar as dívidas bancárias e mostra-se ainda mais desanimado ao observar os desmandos da parte de sua mãe e da apatia apresentada pelo seu pai.

Um amigo de Elliot é recém egresso da guerra do Vietnã, conflito esse onde ele teve baixa por conta de ferimentos recebidos no front. Esse rapaz, Billy (interpretado por Emile Hirsch), está bastante transtornado por conta de transtornos psicológicos adquiridos por causa da guerra, ao comportar-se muitas vezes como se estivesse a reviver o pânico observado no front, em meio ao lodo das florestas vietnamitas cercadas por inimigos e com o solo minado, todavia, no decorrer do filme, descobre-se que ele finge na maior parte do tempo estar transtornado, como uma forma para exercer um puro deboche ou por conveniência mesmo, ao buscar assim angariar a comiseração local.

Eis que o noticiário da TV mescla notícias sobre a guerra do Vietnã, a corrida espacial (a nave Apolo XI de fato, pousou na Lua em 20 de julho de 1969, com o astronauta, Neil Armstrong a tornar-se o primeiro Ser humano a caminhar em tal satélite, e com tudo devidamente transmitido ao vivo para o mundo inteiro, pela TV). E também fala-se bastante sobre a preocupação das autoridades com a crescente presença dos Hippies pelas ruas da América e por conseguinte, o fomento aos festivais com bandas de Rock, a incentivar a multiplicação do fenômeno. Poucas cenas adiante, Elliot vê a notícia que o prefeito da cidade de Walkill, ali próxima, vetara a organização de um grande festival de Rock naquela localidade.
Como Elliot era presidente da Câmara do Comércio local e mediante uma assembleia com a presença dos outros membros, ele investira a quantia de um dólar, e assim ganhara a permissão para organizar mais uma vez o modesto festival local, uma ideia ocorreu-lhe: portanto, não teve dúvidas em ligar para o produtor musical, Michael Lang (interpretado por Jonathan Groff), em Nova York e deu-lhe a ideia de usar a área do seu motel para a realização do festival que Lang estava a tentar fechar em outras cidades vizinhas e ainda não conseguira firmar um contrato. 
É engraçada a cena em que a comitiva de Lang chega ao motel, El Monaco, para uma inspeção, com vários automóveis e o próprio Lang a chegar mediante o uso de um helicóptero, a assustar os pais de Elliot. Decididos, a turma da inspeção examina rapidamente o local e desanima-se, por ele ser minúsculo ante a sua projeção, fator esse que Elliot desconhecia, pois imaginara ser um festival com pequena proporção e não algo monstruoso como Lang planejava efetuar. 
No entanto, Elliot aventa outra possibilidade, quando menciona uma propriedade rural pertencente a um amigo seu, o fazendeiro, Max Yasgur (interpretado por Eugene Levy). Lang e a sua equipe (a destacar-se a sua assistente pessoal, a jovem hippie, Tisha, interpretada por Mammie Gummer), deslocam-se até a propriedade de Yasgur, e em princípio consideram-na inadequada por conta de sua topografia. Elliot força a barra e propõe um mutirão com homens a usar tratores para estabelecer uma terraplanagem, mas a ideia é rechaçada de pronto. No entanto, Yasgur, que interessou-se pelo negócio, também insiste e ao pedir uma quantia que acha muito alta, mas aos olhos dos organizadores, mostra-se ao contrário, irrisória (cinco mil dólares), faz com que Lang aceite realizar o festival ali mesmo, a despeito de algumas dificuldades de ordem estrutural, por conta dos declives ali apresentados. Nesse ínterim, Elliot rapidamente oferece o motel de sua família para ser a base da produção do festival e assim, fecha um aluguel que praticamente salvará a propriedade da família do confisco perpetrado pelo não pagamento da hipoteca ao banco local. 
Apesar dessa solução encontrada por pura sorte para solucionar o dilema da família, a mãe de Elliot fica possessa por saber que hospedará um banda formado por Hippies, todavia é engraçado, pois ela muda de ideia repentinamente quando o filho joga um pacote sobre a mesa e ela descobre em seu interior, vários maços de notas de dólares, pois Lang pagara antecipadamente pelo aluguel e em espécie. O valor não apenas resolveria a dívida bancária, mas ainda sobraria bastante.
Uma cena tipifica bem a mentalidade do cidadão norte-americano médio, ao mostrar Elliot a adentrar em uma lanchonete onde conhece todo mundo, do dono aos clientes, desde a infância e a ser hostilizado por todos. O motivo : a população tomara conhecimento que Elliot autorizara a realização do festival e ninguém ali estava feliz por saber que cerca de cinquenta mil hippies invadiriam a cidade. Ledo engano nesse projeção, pois essa cifra multiplicar-se-ia por dez, no computo geral da vida real. Um dos mais exaltados dentro da lanchonete, é Dan (interpretado por Jeffrey Dean Morgan), irmão do veterano da guerra, Billy, aquele rapaz que tornara-se um hippie cabeludo e a fingir ser um traumatizado pelo conflito.

Tisha, a secretária de Lang, deixa vazar a informação de que já estavam vendidos mais de cem mil ingressos e tal informação chegara ao fazendeiro, Yasgur. Astuto, ele pede uma nova reunião com Lang e os seus assessores e nessa nova conversação, firma ter repensado o valor do aluguel da fazenda e agora reivindicava a soma de setenta e cinco mil dólares. Bem, isso gera um desconforto óbvio, pois Lang afirma que essa soma seria suficiente para comprar definitivamente a fazenda, mas Yasgur retruca ao dizer que cem mil pessoas ali na sua propriedade a urinar, defecar e tomar banho, seria um impacto tremendo para a sua propriedade. Enfim, ambos tiveram razão em seus depoimentos, mas mesmo com essa pedida mais alta e astronômica em relação ao primeiro combinado, ainda assim tal cifra coube no orçamento do festival e o acordo foi selado, enfim.

À medida que os preparativos para o festival avançam, situações ocorrem, algumas engraçadas, até. Fiscais a serviço de órgãos governamentais e que raramente apareciam, é claro que surgem e estabelecem exigências e sem as quais, ameaçam o motel da família de Elliot, mediante multas pesadas. A população começa a hostilizar os membros da organização do festival, mas à medida que os primeiros hippies chegavam à localidade, muitos mudam de ideia ao ver os seus negócios movimentar um lucro incomum, dada a crescente demanda.

Uma observação muito interessante precisa ser feita neste ponto, pois o filme resgatou uma tradição antiga, e muito usada no documentário oficial do festival, ao usar o recurso da tela dividida em duas; três ou até quatro partes para mostrar a mesma ação simultânea sob vários ângulos ou ações diferentes. Foi uma homenagem, não tenho dúvida.
A chegada dos freaks é mostrada com uma fidedignidade muito boa no quesito da recriação de época, via direção de arte, figurinos/maquiagem/acessórios etc. Menções aos ônibus psicodélicos com freaks vindo de comunidades diversas, é total e com direito à menção ao nome de Timothy Leary. A mãe de Elliot está enlouquecida com a possibilidade em lucrar mais, e em meio à sua sanha desenfreada, ela divide o quarto em biombos para abrigar mais hóspedes, ou seja, deve ter sido a precursora do conceito do hostel. Pior ainda, cogita cobrar por fora para ceder sabonetes e toalhas aos hóspedes. 
Outra cena que parece engraçada, mas revela uma verdade que existe no mundo inteiro, eis que dois mafiosos chegam ao motel e oferecem o famoso serviço de “proteção privada”, mediante a cobrança de uma “módica” quantia de dez mil dólares mensais. O pai de Elliot, mesmo a mostrar-se debilitado pela doença que o minava, os coloca para fora aos pontapés, mas é bem sabido que não assim que lida-se com mafiosos. Eis que surge a figura de Vetty Von Wilma (interpretada por Liev Schreiber), que vem a ser um travesti, mas que trabalha como segurança. Ex-fusileiro naval e experiente em ações de segurança, embora vestida como se fosse uma mulher loura e sensual, “Vilma” é prontamente contratada por Elliot, talvez pelo fato dele ser gay e ter a certeza que se precisasse, Vilma deixaria a sua feminilidade de lado e agiria com força viril.

Uma coletiva de imprensa é convocada e Elliot é convidado a participar por ter sido a autoridade local a permitir a sua realização ali. No entanto, ele fuma maconha antes da entrevista e desacostumado com o artefato, descontrola-se e afirma uma bobagem impensada, ao anunciar que devido à procura, a organização havia decidido liberar a cobrança de ingressos. Com tal declaração a repercutir na televisão, as mais de cem mil pessoas esperadas, multiplicaram-se, ao chegar-se na casa de quinhentas mil. A pergunta que fica: foi por conta dessa falha de comunicação que o festival ganhou tal dimensão? Parece uma licença poética muito grande do filme e consequentemente do livro, que foi escrito pelo próprio Elliot real, portanto, fica também sob suspeita essa colocação.

Na praça pública da cidade, o festival prosaico que Elliot costumava organizar, acontece, com uma banda de Rock local formada por adolescentes, e muito ruim. O pessoal do grupo teatral que costumava ensaiar em um galpão ao lado do motel El Monaco, apresenta-se e em dado instante, os atores, rapazes e moças, despem-se e chocam as famílias ali presentes. Os atores, tomaram tal atitude certamente empolgados com a presença de muitos hippies na cidade. 

Eis que ouve-se os acordes da magnífica canção, “Wooden Ships” de Crosby; Stills & Nash e o festival está para começar. As estradas estão completamente congestionadas e na TV, intercaladas com cenas da guerra do Vietnã, o noticiário repercute o caos no trânsito, com milhares de jovens a tentar chegar ao festival.

Um sucessão de cenas rápidas, mostra-se significativa nos contrastes. Jovens empolgados e pessoas conservadoras a reagir com repulsa e reacionarismo, são mostradas. O festival inicia-se e o travesti/segurança, Vilma, diz à Elliot que ele deveria ir ao festival para aproveitar, nem que fosse um pouco. Elliot não é nenhum “freak”, propriamente dito, mas acata a sugestão e desloca-se até a fazenda, para assistir um pouco. 
 
Essa parte do filme é tratada quase como uma experiência onírica, ao mostrar a euforia generalizada dos freaks e a tomada de consciência de Elliot sobre a dimensão e sobretudo, a vibração emitida pela comunhão de ideais ali demonstrada. Outro mérito deste filme, muitas cenas oriundas do documentário, foram recriadas de uma forma muito sutil e bonita, certamente, mas vista por outro ângulo, que é o ponto de vista da personagem de Elliot. A bondade surpreendente de um policial que mostra-se solícito e compreensivo ao ponto de apoiar os freaks, e até exagera-se na brincadeira ao imputar-lhe a fala, quando ele afirma que está até a estranhar a sua docilidade naqueles dias e que certamente isso deveria ser atribuído ao fato que ele estava com o seu estado mental alterado devido a estar a respirar, mesmo que involuntariamente a maconha que exalava pelo ar. Fez sentido.
Mesmo as cenas que mostram o produtor, Michael Lang nos preparativos do festival a cavalgar em seus deslocamentos, são perfeitas, pois isso é visto no documentário real sobre Woodstock. E muito mais cenas, como a das freiras flagradas em meio à multidão de Hippies na estrada, que é mostrada no documentário; jovens a usar telefones públicos para falar com os pais e tranquiliza-los sobre estar “tudo bem” consigo; o senhor humilde, funcionário da limpeza a limpar banheiros químicos e declarar ter um filho a lutar no Vietnã e outro ali a apreciar o festival e que sentia orgulho de ambos, enfim, uma linda homenagem ao festival e ao seu documentário oficial.

Não é mostrado o palco, apenas vê-se alguns relances sobre ele, bem longe e ouve-se o som de Arlo Guthrie e Richie Havens. Elliot chega perto de uma Kombi psicodélica e conversa com um casal de hippies que o convida a entrar no carro, após todos ingerir doses de LSD. Ali dentro, com uma decoração que é uma tenda hippie multicolorida, o ácido faz efeito e Elliot tem alucinações louquíssimas. Ele sai da van e vê o palco do festival, muito longe dali e ele pulsa, literalmente, certamente graças ao efeito alucinógeno proporcionado pela droga, mas há o lado metafórico, pois é lógico que a vibração do festival provocara aquela comunhão a promover uma pulsação única, como se fosse de fato, um corpo só. Essa cena provoca lágrimas, pois é muito bonita a exemplificar o maior tesouro gerado por Woodstock: a sua alta vibração. O casal de hippies que compartilhou tal experiência com Elliot, foi interpretado pelos atores, Paul Dano e Kelli Garner, mas as suas personagens não tiverem os seus nomes especificados.

Elliot entra na vibração e ao encontrar-se com o seu amigo de infância, Billy, ambos entram na brincadeira de deslizar na lama gerada pela chuva intensa que caíra, junto e dezenas de freaks. De fato, os gritos e a batucada indígena a clamar pela não concretização da chuva, não houvera sensibilizado os Deuses do Rock e a chuva aconteceu e foi forte na vida real. Ouve-se o som da The Band e Country Joe McDonald, mas como sempre neste filme, a não recriar as cenas de palco com os artistas, como uma opção em tratar apenas dos bastidores do festival e servir assim fielmente ao roteiro adaptado do livro.

Elliot volta para a sua casa, ou seja o motel El Monaco e está diferente. Vilma, a travesti percebe que a experiência em ter vivido o festival, repercutira no interior do rapaz. Uma cena engraçada, Vilma coloca maconha em um bolo que prepara e os pais de Elliot ficaram enlouquecidos. Elliot os vê sob uma euforia desmesurada por conta da perda de controle total. Certamente que ele nunca vira a sua mãe em estado de alegria, pois ela sempre vivera sob um mau humor crônico. Em meio aos acordes da linda canção, “Cant Find My Way Home”, do Blind Faith, sobre o festival em si, (que fique claro, essa banda, magnífica, por sinal, não participou do evento, portanto, apenas usou-se essa música para emoldurar a cena), praticamente só mostra-se daqui em diante os hippies, que prontificaram-se a colaborar com a limpeza posterior ao seu término e um depoimento rápido de Michael Lang a dizer que agora a vida voltava à realidade, ou seja, a luta diária par ganhar-se dinheiro, o que é emblemático enquanto mensagem subliminar. E mais um dado, ele diz que já estava empenhado no próximo festival que seria realizado em um autódromo na Califórnia e que teria como maior atração, os Rolling Stones. Ou seja, mencionou-se o Festival de Altamont e que infelizmente não foi realizado com o mesmo astral de Woodstock e pelo contrário, até morte protagonizou em meio à plateia.
E o final do filme reserva espaço para a dramaturgia focar mais na questão pessoal de Elliot e sua família. O seu pai comunica-lhe que estava a morrer, desenganado pelos médicos e ainda ocorre uma grande decepção com a sua mãe, quando após ela ter adormecido, exausta após a euforia que teve por conta em ter ingerido bolo com maconha em sua composição, ela descuidara-se e deixara um compartimento secreto aberto, a revelar que escondia uma quantia absurda de dinheiro em espécie e assim, faz com que Elliot e o seu pai descubram que ela nunca pagara as prestações da hipoteca do Motel, para economizar e por consequência, nunca houvera acontecido o risco real da perda do estabelecimento por falta de dinheiro, mas por uma falcatrua de sua parte. Em suma, uma atitude nada fraternal, nada hippie, nada a ver com o espírito do festival de Woodstock. Fim do filme e em meio aos caracteres, ouve-se no som de Jefferson Airplane e Richie Havens: “Volunteers of America” e “Freedom” calam fundo no velho coração psicodélico, woodstockeano.

Para encerrar, é um filme muito bem produzido, que revela-se singelo, certamente ao mostrar o aspecto subliminar do festival, com direito à citações e bonitas homenagens. Contém uma boa direção de arte, atores talentosos, trilha sonora muito boa e agrada não apenas quem tem a exata noção da importância contracultural do festival de Woodstock, mas é capaz de agradar um público abrangente, exatamente pela sua leveza, apesar das menções às drogas e sexo livre e que certamente pode chocar em outro contexto.

Ainda a citar alguns atores: Adam Pally (a interpretar um dos coprodutores do festival, Artie Kornfeld), Dan Flogler (como Devon, o diretor da trupe de teatro), Skylar Astin (como John P. Roberts, o patrocinador do festival), Katherine Paterston (como Penny) e outros.

Roteiro de James Schamus e direção de Ang Lee. Foi lançado em agosto de 2009, alguns dias após o aniversário de quarenta anos da realização do festival.

A recepção do público foi fraca. O filme redundou em fracasso nas bilheterias das salas de cinema, infelizmente. Talvez por ter sido lançado em uma época já dominada por filmes estrondosos sobre Super-Heróis, a docilidade hippie não tenha feito sentido e deixo claro que sou fã dos heróis dos quadrinhos, sobretudo do Universo Marvel, portanto, não se trata de uma queixa de minha parte sobre tais ícones da literatura dos Comics, em si. A crítica também queixou-se e por motivos diferentes. Alguns reclamaram sobre o filme ter omitido quase que inteiramente o fato de Elliot ter sido um militante gay e sem fazer menção alguma aos acontecimentos de Stonewall, onde ele fora um dos artífices, aliás, fato ocorrido pouco tempo antes da realização de Woodstock, na vida real. 
 
De fato, no filme, há uma menção discreta, quando em meio a uma festa hippie ainda antes do festival, ele beija um rapaz, mas segundos antes, Elliot beijara uma garota, também, a denotar que estava ali em um embalo motivado pela ingestão de bebida alcoólica e não exatamente por ser um gay assumido. Outra observação é sobre a inexistência de cenas do festival em si, com a recriação dos artistas no palco. Ora, este crítico realmente não entendeu a proposta do filme. E outros reclamaram de algumas cenas a tentar recriar o clima libertário da época, por considerá-las forçadas, tolas ou até a transformar o filme em um pastiche sobre o movimento Hippie. 

Tal filme teve um sucesso relativo nas salas de cinema brasileiras, foi lançado em formato DVD/Blue Ray com direitos a extras e também com a inclusão de comentários do diretor, Ang Lee. Passou rapidamente pela cadeia da TV a cabo, mas se atingiu a TV aberta, foi muito rapidamente e não prosperou com muitas reprises. Na internet está disponível no YouTube, apenas em trechos. Para assisti-lo na íntegra, somente em versão paga. É uma taxa módica, mas ela existe, portanto a caracterizar algo nada fraternal, nada Hippie...

Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III, e está disponibilizada para a leitura a partir da página 211.

domingo, 30 de junho de 2024

Livro: Diário da Moraes/Kátia Moraes - Por Luiz Domingues

Antes de falar sobre a obra em si, há de se destacar que a sua autora tem um currículo enorme e a apontar para uma completo ecletismo que se mostra absolutamente empolgante, na minha opinião. Nestes termos, Kátia Moraes é poetisa, sim, e das boas ao demonstrar através desta obra: "Diário da Moraes" uma capacidade enorme para explanar sobre múltiplas percepções de mundo e sempre a colori-lo de uma forma sagaz, a imprimir doses generosas de esperança a ser captada pelos seus leitores. 

Mesmo quando a autora aponta para temas mais penosos, por exemplo a denunciar a injustiça e a desigualdade que permeia a caminhada desta humanidade tão egoísta e demarcada pela falta de empatia em nome de interesses escusos, ela o faz com a devida contundência que enobrece a revolta dos que se rebelam e se importam com seus semelhantes, e melhor ainda, sem perder a ternura jamais, como salientou um sábio personagem do passado.

A cantora que pinta, a pintora que transforma poesia em cores e formas...essa é Katia Moraes, uma artista completa

O que amplifica a sua sensibilidade como poetisa, sem dúvida alguma é a sua bagagem gigantesca como artista multifacetada. Portanto, ela dispõe de um cabedal de informações e sobretudo é amparada com tal estrutura que possui, exatamente por saber fazer uso de outras ferramentas além das utilizadas pela arte literária para transformar a sua poesia em algo substancial, no sentido de que as palavras que escreve tem o poder das cores pinceladas nas telas e das vibrações musicais emitidas por instrumentos. Em suma, essa diversidade que ela ostenta é seu predicado como artista total.

Kátia Moraes em plena performance ao vivo como cantora. Fonte: internet

Pois é, Kátia Moraes tem uma carreira vitoriosa no campo da música, com diversos CD's lançados, a arrolar participações em inúmeros projetos de fino trato no campo da MPB e também com o Pop Rock midiático, no sentido de que foi componente do grupo: "O Espírito da Coisa", uma banda de Rock dos anos oitenta que explodiu na percepção popular "mainstream" ao destilar um repertório construído mediante forte carga de ironia, quando tratou de aspectos da sociedade, em torno de seus maneirismos e contradições. O deboche usado com inteligência foi um trunfo dessa banda, que teve na canção, "Ligeiramente grávida", o seu momento maior de popularidade e tanto foi assim, que esse termo "pegou" como um bordão popular de intensa repercussão ao ponto de se tornar ouvido nas ruas, comumente.

Kátia Moraes também teve aproximação forte com o teatro, ao caminhar junto com membros do descolado grupo teatral, "Asdrúbal Trouxe o Trombone" e encenou Brecht em alto estilo (O Círculo de Giz Caucasiano), em pleno Parque Laje no Rio de Janeiro.

Já nos anos noventa, ela se mudou para Los Angeles, na Califórnia, e lá se envolveu com músicos norte-americanos de alto nível, a cantar e participar de muitos shows e gravações. Tempos depois formou uma banda com forte identidade brasileira e que brilhou ao gravar muitos discos (Sambaguru), que inclusive foi nomeada para o Grammy Latino graças a um dos seus discos ("Tribo").

Kátia Moraes a brilhar pelos palcos. Fonte: internet

Ela também comandou o projeto: Brazilian Heart Celebration, um espetáculo temático a homenagear grandes personalidades da MPB, de Noel Rosa a Tom Jobim, a passar por muitos outros nomes de enorme peso da música brasileira.

Como se não bastasse essa carreira musical prolífica, Kátia Moraes também atuou com a dança, pois sim, ela é igualmente uma dançarina expressiva que trabalhou com a Companhia de Dança Viver Brasil, entre outros trabalhos, e sabe interpretar a música pelos movimentos do corpo.

Locutora, atriz e dubladora da pesada, Kátia tem agenda cheia com as produções audiovisuais. Fonte: internet

Não obstante todos esses predicados somados, o cinema a capturou e a atuação como locutora, dubladora e atriz lhe rendeu muitos trabalhos significativos, ao atuar com filmes, seriados e animações.

Algumas amostras dos produtos baseados na arte exuberante de Kátia Moraes. Fonte: internet

E tem mais...por ser artista plástica talentosa, ela desenvolveu uma espetacular linha de produtos diversificados que comercializa através de seu site, devidamente ilustrados com a sua arte peculiar e muito bonita. Não vou me aventurar a definir a sua estética, pois não tenho esse conhecimento para tal, mas ao ver a capa do livro "Diário da Moraes", devidamente ilustrado pela própria poetisa e constatar no seu site que a linha mestra de sua atuação nas artes plásticas segue o mesmo estilo, foi então que eu tive as minhas epifanias.

Dessa forma, eu acredito que posso ao menos interpretar de forma livre que o intenso colorido do qual ela faz uso e também pelos traços que desenvolve normalmente no seu trabalho como artista plástica, me sugere que há muita similaridade do seu estilo com artistas brasileiros fortemente influenciados pela brasilidade com forte teor afro, a lembrar o conceito do tropicalismo, na explosão de cores conquistada de forma acentuada. E eu senti também um quê de Art Pop sessentista. Posso estar redondamente equivocado na minha percepção por esse aspecto, mas passou-me a impressão de ser uma explosão de cores proporcionada pelo choque de Di Cavalcante com Andy Warhol, acrescido de pitadas do carnaval da Bahia, Carmen Miranda, Zé Celso Martinez e a laranjada batizada do Ken Kesey, tudo isso jogado em um liquidificador e assim, devidamente misturado, o resultado é impressionante.

 A exuberante arte multicolorida de Kátia Moraes. Fonte: internet

Ainda a falar sobre a capa do livro, essa alegria é expressa pelas cores vivas, a sugerir o sol como fonte de energia primordial e dessa maneira, a vibração psicodélica que colore os cabelos do rosto humano feminino ali presente, denota no seu semblante a sensação de paz de espírito. Não achei uma nota oficial da parte da autora, mas quero crer se tratar de um auto-retrato e se eu estiver certo, ilustra de uma maneira muito feliz o conteúdo da obra, pois passa a sensação de bem-aventurança como um sinal de esperança na humanidade, apesar de todas as mazelas observadas no desenvolvimento da nossa espécie descritos através de muitas poesias por ela criadas, ao menos no meu entendimento.

Como é muito bem expresso pela autora do prefácio, a também escritora, Tereza Souza: "Kátia Moraes deveria se chamar 'Kátias', por sua multiplicidade de pessoas em uma só". Muito bem colocado, concordo com essa definição.

Um preâmbulo tão grande para falar sobre a autora se tornou uma necessidade óbvia para a composição desta resenha, pois explica a alta expressividade da poesia contida no livro: "Diário da Moraes". Posta essa última observação, falo sobre a obra em si. 

Alguns dos poemas contém a sua tradução literal para o inglês, que advém na página seguinte, certamente a prestigiar os seus muitos amigos e fãs norte-americanos, sobretudo.

Logo no primeiro poema, "A Lista", há uma reflexão livre sobre a decrepitude da vida e que se amplia no sentido de buscar o questionamento sobre a desigualdade social que esbarra no vergonhoso colapso final do ser humano ante o descaso dos poderosos. A fé na boa intenção de quem sinceramente busca solucionar tal desequilíbrio social predomina através dos versos finais, ainda que a autora mensure realisticamente que isso vai demorar para ocorrer.

A infância é citada, em "Juíza", mas de uma maneira sui generis, ao retratar a perfeita sintonia da criança com a sua espontaneidade e que normalmente gera desconforto entre os adultos, ou seja, é para considerar se quando crescemos não perdemos muito ao abandonar  essa visão despojada e livre das amarras impostas pelas normas sociais.

As reminiscências pessoais abundam em "Foto na caixa", mas neste caso, não é preciso conhecer a história pessoal da autora, tampouco carece de explicações da parte dela, pois as imagens escolhidas para compor esta poesia nos proporciona uma viagem. É como assistir um filme, que não é seu, mas isso não importa, pois os pontos de confluência estão ali disponíveis para qualquer leitor acessar. E é bonito.

A questão da maternidade é colocada na pauta pelo poema: "Eu Discordo". De fato, é tão ampla a questão da reprodução que abre campo para uma licença poética ampla que extrapola os limites da biologia. As artes em todas as suas manifestações podem gerar frutos que podem ser considerados filhos de seus criadores. Nesse sentido, o artista deixa muitos filhos neste mundo, não resta dúvida.

Daí em diante (e para não provocar mais "spoilers"), a autora nos apresenta outros poemas a desenvolver sobre muitas questões muito interessantes. Ela discorre sobre a sensibilidade, também sobre a sensação do improviso que todo músico sente no palco, e sim, Kátia Moraes é uma ótima adepta da poesia cantada, igualmente.

Misturam-se muitos signos libertários e progressistas a denunciar a dor do preconceito e da opressão. O Blues que evoca a dor, mas que também espelha a beleza. O teatro como instituição e que provoca a reflexão e os raros políticos que não conspurcam a nobre arte do diálogo em detrimento do vergonhoso conluio fisiológico. São muitos poemas a abordar tais temas e a homenagear personas proeminentes que muito se esforçam em torno das nobres causas.

A artista, a sua arte na parede e no peito a estabelecer uma perfeita sintonia sensorial. Fonte: internet

A dança que expressa todos os sentimentos e sensações pelos poros do corpo, as impressões sobre a vida como o brasileiro a leva e pela ótica dos estrangeiros, o medo infantil pelas admoestações e histórias exageradas contadas pelos adultos para assustá-las, tudo isso consta nos poemas ricos de ideias e de fácil leitura pelo poder da síntese, que é muito bem observado pela autora. 

A comida, ah... depois de tantas cores, notas musicais e suspiros provocados pelos poemas, na parte final do livro eis que o tema da gastronomia foi abordado. Sensorial na mesma intensidade, os sabores também merecem a exaltação e assim, Kátia Moraes nos prova que os poemas também podem ser degustados, com tempero.

Para encerrar a obra, a "Pescaria" nos revela que o poeta não pode ficar desatento. As ideias vem e vão e sob uma velocidade estonteante, a nadar freneticamente para abandoná-lo. É preciso estar atento e forte como Gal Costa nos dizia com feliz propriedade, pois o poeta precisa pescar as palavras com enorme precisão antes que elas fujam, simples e decididamente, já que elas escapam sob uma velocidade estonteante. 

Como análise final, acrescento que a leitura se mostra leve pelo seu estilo, mas intensa pela riqueza das imagens propostas. Impressiona também a diversificação de temas abordados, pelas citações e até pelas dedicatórias ali expressas.

Livro saboroso, tátil, colorido, enfim, que espelha com fidedignidade a alma artística multifacetada da sua autora, uma artista talentosa e que se expressa de inúmeras formas, incluso como poetisa inspirada.

Ficha técnica:
Livro: "Diário da Moraes"
Autora: Kátia Moraes
Edição: Henrique Lopes e Kalyne Vieira
Projeto gráfico e capa: Editora versiprosa
Ilustração de capa: Kátia Moraes
Editora Versiprosa
https://www.editoraversiprosa.com.br/

Para conhecer melhor os muitos atributos artísticos de Kátia Moraes, acesse:

Canal de YouTube para conhecer a sua carreira musical:
https://www.youtube.com/@katiamoraes9893/featured

Instagram para conhecer a sua atuação nas artes plásticas:
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