sábado, 30 de março de 2013

Filme : Paths of Glory (Glória Feita de Sangue) - Por Luiz Domingues



O cinema, de uma maneira geral, costuma privilegiar a II Guerra Mundial, quando produz filmes sobre guerras do Século XX. Portanto, bem mais modesta, tanto entre os norteamericanos, quanto europeus, é a produção a enfocar a Primeira Guerra Mundial, como se esse conflito bélico terrível, que consumiu vidas; sofrimento e penúria social sem precedentes, fosse um evento menor na história.
Para início de conversa, essa guerra foi conhecida como "a guerra para acabar com todas as guerras", tamanha a amplitude de suas implicações geopolíticas. Um exemplo raro nesse sentido cinematográfico, deu-se através de uma produção norteamericana, relativamente modesta, dirigida pelo diretor britânico, Stanley Kubrick, e lançada em 1957.
Trata-se de "Paths of Glory" (em português, "Glória Feita de Sangue"), uma história baseada em fatos reais e que representa uma mácula na história do exército francês, e para ir além, uma vergonha que ultrapassa fronteiras e constrange qualquer corporação militar, seja de qual nacionalidade for. Baseado no livro homônimo, de Humphrey Cobb, lançado em 1935 (que aliás, não alcançou grande sucesso à época), os seus direitos foram adquiridos nos anos cinquenta, por uma módica quantia, e houve uma explicação para essa desvalorização : além do pouco sucesso do livro, uma tentativa para adaptá-lo ao teatro, também fracassara.
Entretanto, Kubrick tomou essa determinação para si, e mesmo ao saber que a história ali narrada mostrava-se polêmica, foi até o fim, para lançá-lo em 1957. A história passa-se em 1916, bem no meio do período onde a I Guerra Mundial ocorreu. Enquanto um batalhão francês enfrenta um duro embate contra os alemães no front, dois oficiais de alta patente travam um diálogo de gabinete, cujo teor, colocaria tais homens sob uma situação de alto risco.
O General-Chefe do Estado Maior, George Broulard (interpretado por Adolphe Menjou), um homem maquiavélico e arrogante, dá ordens para que o seu subordinado direto, o general de campo, Paulo Mireau (interpretado por George McReady), no sentido de que tal batalhão avance imediatamente contra as forças alemãs. Tal oficial subalterno, Mireau, contra-argumenta que seria uma estratégia muito arriscada pelas circunstâncias, e tenta demover o comandante dessa ordem, mas este o suborna, ao oferecer-lhe uma promoção.
Contaminado por essa oferta infame, Mireau vai ao front e dá a ordem do ataque, mesmo ao saber que dificilmente essa ação lograria êxito e pelo contrário, muitas vidas seriam sacrificadas inutilmente. Porém, inebriado pelos seus interesses pessoais, ele insiste na ordem, e enfurece o coronel Dax (interpretado por Kirk Douglas), que percebe ser uma ordem descabida e sem objetivo militar, mais a denotar ser uma loucura suicida.
Chega o período noturno e tudo fica ainda mais perigoso e absurdo. Mireau altera-se e chega a arrancar um soldado da trincheira e o jogar na mira dos alemães, para que alvejado, inevitavelmente, mexa com os brios dos soldados. É quando um batedor é enviado para análise e um outro arremessa uma granada, para matá-lo.
Ao promover esse evento para justificar o ataque, Mireau enfurece-se e ordena o avanço, mas Dax, usa do expediente do regimento interno, e recusa-se a dar ordem aos homens, e exige de seu superior, a ordem do Comando Maior, por escrito. Mireau ameaça abrir fogo contra todo o batalhão, mas Dax o impede, corajosamente.
Contudo, o episódio chega ao conhecimento da cúpula, com o General Broulard frustrado por ter o seu plano pessoal arruinado e dessa forma, não perde tempo e abre uma Corte Marcial, para visar julgar e condenar à morte, todo o batalhão, por covardia e deserção. O coronel Dax enlouquece, ao sentir que toda essa ação não passara de uma situação orquestrada, para visar usar a vida daqueles pobres soldados, apenas como um joguete de interesse pessoal a envolver dinheiro de suborno e política baixa. Como Dax também tinha formação como advogado em sua vida civil, ele em pessoa oferece-se para defender os seus homens, na Corte Marcial.
Com muito custo, ele consegue reduzir a sanha de Broulard e Mireau, e sob um acordo, isenta o batalhão inteiro de culpa, contudo, três homens são escolhidos para absorver essa infâmia, em forma de sacríficio. Dessa maneira, o tenente Roget (Wayne Morris), por ser comandante de um destacamento; Maurice Ferol (Timothy Carey); por ser considerado um "pária", e o recruta Arnaud (Joe Turkel), este último simplesmente escolhido mediante um sorteio aleatório, são os homens levados ao tribunal.
O julgamento dessa Corte Marcial é obviamente uma farsa e Dax, mesmo ao fazer uso de todos os seus recursos como advogado e muito indignado por ver a injustiça militar conspurcar a honra da corporação, não consegue evitar o veredicto em torno de cartas marcadas.
Os três homens são condenados e fuzilados, a despeito de sua total inocência. Na manhã seguinte, Broulard convida Dax para um café da manhã, bem indigesto.
Quando Dax chega ao gabinete do general, encontra-o com Mireau, ambos a regozijar-se pelo fuzilamento dos pobres inocentes.
Todavia, Mireau surpreende ao dizer para Dax que vai indiciar Broulard, ao responsabilizá-lo pela ordem do ataque suicida.
Broulard fica abalado com tal revelação, que obviamente é uma traição, e um ato de descarte. A seguir, Mireau tenta subornar Dax, quando oferece-lhe uma promoção que o catapultaria a uma posição de destaque na cúpula do poder, do exército francês.
Dax explode, rasga o código de decoro e solta o verbo, ao acusar Broulard de ser um homem mesquinho, preocupado apenas em obter o poder para usufruir dele em questão pessoal, portanto, ser uma vergonha para a corporação e a pátria. Enquanto isso, os homens daquele batalhão estão em uma taverna, a relaxar um pouco, depois de passar semanas no inferno das trincheiras do front, e abalados com a Corte Marcial injusta que queria condená-los a morte e ceifou três colegas, indevidamente. E o sentimento por estarem vivos fora meramente aleatório...
Na Taverna, surge uma oportunidade para relaxar, quando uma garota alemã é forçada a subir no palco e cantar, para entretê-los. Teoricamente, ela não corria o risco de ser abusada e ferida, mas o pavor estava em seus olhos, diante daqueles homens rudes; inimigos de seu povo e sedentos por uma válvula de escape, ainda mais com o elemento sexual em voga.
Acuada e muito assustada, ela não vê alternativa a não ser começar a cantar uma canção folclórica de sua terra. Começa então, timidamente, a cantarolar : "Der Treue Husar", sob os risos de escárnio e deboche, ao ouvir provocações humilhantes. Mas algo surpreendente acontece... os homens começam a silenciar os seus insultos e pilhérias, ao sentirem-se vencidos por uma estranha emoção, que paulatinamente começa a arrebatá-los. Alguns mudaram o semblante, outros começaram a cantarolar a canção e subitamente, a emoção generalizou-se.

Cortes rápidos mostram rostos cansados e rudes, a verter lágrimas, e a demonstrar dificuldade para engolir a saliva. O motivo dessa comoção, foi o fato dessa canção ter calado fundo na honra desses homens injustiçados. A canção fala sobre honra; amizade e lealdade, e naquele instante, fora a ferida comum à todos.
Nesse instante, o Coronel Dax observa os seus homens aos prantos dentro da taverna, e orgulha-se desse sentimento espontâneo da parte deles. Um mensageiro aborda-o na porta da taverna e comunica-lhe que o batalhão recebeu ordens imediatas para voltar ao front, mas o coronel Dax compadece-se, e ordena que os homens tenham mais alguns minutos de relaxamento na taverna, antes de voltarem ao inferno das trincheiras. O filme chega ao fim, sem um final feliz e a deixar para o espectador, o amargo da injustiça na boca, elemento difícil para ser digerido.
Kubrick foi hábil nesse final, ao usar tal emoção para exprimir toda a indignação proposta na história, por conta do ato de injustiça perpetrada pelos poderosos, por questões meramente mesquinhas. O filme não foi um super sucesso à época, mas gerou algum desconforto de ordem política. Na Espanha, por exemplo, foi vetado pelo ditador, Franco, porque foi considerado como uma espécie de propaganda antimilitar. Na Alemanha, foi evitado, por poder fomentar sentimento anti-francês, e na França, gerou protestos por macular a imagem de seu exército.
Outra curiosidade, foi que Kubrick teve problemas com o ator, Timothy Carey, que culminou em ter sido demitido antes de concluir as filmagens. Como o seu personagem foi importante, por interpretar um dos três condenados ao fuzilamento, a solução foi concluir as filmagens com um dublê; evitar tomadas reveladoras e certamente a cortar diálogos. Mais uma curiosidade interessante, deu-se com o ator, Adolphe Menjou. Kubrick queria que ele atingisse o auge da agressividade para uma cena de grande relevância dramática. Menjou era um ótimo ator, e interpretava profissionalmente as suas cenas no set, mas Kubrick queria algo a mais.
Dessa forma, o diretor usou uma estratégia perigosa, mas que revelou-se eficaz. Na manhã onde deveria filmar tal cena, Kubrick o obrigou a fazer mais de vinte tomadas da mesma cena, ao cobrar-lhe mais convicção na interpretação. Profundamente irritado, Menjou enlouqueceu no set, quando Kubrick anunciou que não haveria pausa para o almoço, até que terminasse a filmagem dessa cena.
Aos berros, Menjou propiciou um chilique no set e calmamente Kubrick ouviu os xingamentos para em seguida, convidá-lo a filmar uma última tentativa. Com essa raiva natural à tona, Menjou interpretou exatamente como Kubrick esperava, e todos foram almoçar felizes, pela missão cumprida...


Outro fato interessante, a garota alemã que interpretou a assustada cantora na taverna, chamava-se Christiane Harlan. Nos créditos do filme, ela apareceu com um nome artístico, Susanne Christian. Essa atriz, casou-se na vida real com Kubrick, e foi sua esposa até o seu falecimento, em 1999. Hoje em dia, 2013, cuida do acervo do seu falecido marido, e tornou-se a curadora da exposição sensacional, que viajou pelo mundo, onde exibiu-se grande parte de sua memorabilia.  

Eis um raro filme ambientado na I Guerra Mundial, que vai além do conflito em si, e versa sobre a injustiça; honra; companheirismo; lealdade etc.
Não é o melhor filme da carreira de Stanley Kubrick, certamente, mas eu o considero um grande trabalho. E a cena final, é primorosa. É difícil não emocionar-se com o efeito psicológico proporcionado pela canção, sobre os soldados.

quinta-feira, 21 de março de 2013

A Liberdade e o Sol Nascente - Por Luiz Domingues


O Japão é o chamado país do Sol nascente. A sua tradição e cultura são admiráveis sob todos os aspectos e as qualidades advindas de tais traços, influenciaram diversas outras culturas do planeta, isso é um fato inquestionável. A partir de 1908, quando o primeiro navio lotado com imigrantes japoneses atracou no porto de Santos, nunca mais fomos os mesmos, no melhor sentido do termo pois a extraordinária cultura nipônica veio para ficar e trazer-nos inúmeras lições, ao agregar-se à nossa.
Ao espalhar-se principalmente pelo interior de São Paulo e do norte do Paraná, os primeiros imigrantes vieram para trabalhar na lavoura, inicialmente. Todavia, não demorou muito e a crescente industrialização da cidade de São Paulo, os atraiu em grande número, também.
Com esse enorme contingente a chegar, tais imigrantes misturaram-se aos italianos; portugueses; espanhóis; gregos e sírios / libaneses, colônias que já eram muito numerosas na cidade. Claro, com um pouco mais de dificuldade de adaptação, devido à língua e cultura muito diferentes, mas ao ganhar espaço a cada dia, na sociedade paulistana. Com o avançar do tempo, algumas associações culturais abriram as suas portas para exibir uma produção audiovisual japonesa, especificamente dirigida à colônia, sem a preocupação em manter legendas em português.
O bairro da Liberdade, próximo ao centro da cidade de São Paulo, a tornou-se um reduto natural dos nipônicos e ao seguir a tendência crescente em termos de lojas e restaurantes típicos, ali abertos, tais centros culturais foram abertos em profusão, com enorme sucesso para a colônia. Quando a II Guerra Mundial eclodiu, um tempo muito difícil para a colônia, chegou. Enquanto o governo Vargas flertou com o Eixo, mal a disfarçar a sua simpatia por Hitler, Mussolini e Hirohito, tudo correu bem para os imigrantes japoneses, mas com a sua súbita guinada, mediante a adesão aos aliados através do pacto de mútua ajuda com Roosevelt, Vargas fechou o caminho para as colônias formadas pelos alemães; italianos e japoneses.
Por isso, proibiu-se a exibição de filmes japoneses em tais salas, ao frustrar o público que tinha através delas, um contato direto (e único, na verdade), com a sua terra natal. Com o fim da guerra, contudo, mesmo timidamente, as exibições voltaram e a partir dos anos cinquenta, e a atravessar boa parte da década de sessenta, chegou ao seu apogeu, pois nessa altura, filmes de alto teor artístico também passaram a fazer parte da programação, além dos filmes populares. Abriu-se então, cinemas propriamente ditos, com estrutura adequada, a partir da inauguração do Cine Niterói, em 1953.
Isso chamou a atenção dos cinéfilos paulistanos e tornou-se uma coqueluche nessas duas décadas, poder assistir filmes assinados por grandes diretores japoneses, tais como : Akira Kurosawa; Shohei Imamura; Kenji Mizoguchi; Masaki Kobayashi; Yasujiro Ozu; Mikio Naruze; Heinosuke Gosho, entre outros.
Cineastas brasileiros, como Carlos Reichenbach; Rogério Sganzerla e Walter Hugo Khoury, tornaram-se frequentadores assíduos de tais salas, fascinados pelo cinema japonês clássico e de vanguarda.
Lembro-me de ter lido uma entrevista de Carlos Reichenbach, nos anos noventa, onde ele descreveu essa experiência, inclusive ao narrar como a ausência de legendas, naturalmente um empecilho nesse caso, não os desestimulava a assistir e pelo contrário, gostar muito desse contato com tal extraordinária escola de cinema.

O Cine Niterói, foi uma das principais salas, mas também fizeram história, os cines : Nikkatsu e Nippon. Pois a tocar nesse assunto, acaba de ser lançado um livro sensacional, que visa contar toda a história desses cinemas nipônicos de São Paulo. Trata-se de : Cinema Japonês na Liberdade", de autoria do antropólogo, Alexandre Kishimoto.
Através de uma extraordinária pesquisa iniciada como material que  usou para defender a sua tese na USP, Kishimoto reuniu elementos para lançar esse livro, uma joia rara para a história do cinema paulistano.  Recomendo a aquisição e leitura, sem pestanejar.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu e republicada na Revista Cinema Paradiso, em sua edição de n° 331, ambas em 2013.

sexta-feira, 15 de março de 2013

A Minha Fase com a Patrulha do Espaço : Resgate das Próprias Raízes da Banda - Por Luiz Domingues


A Patrulha do Espaço foi fundada em 1977, e o seu primeiro Concerto foi em grande estilo : em setembro, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, ao participar de um Festival de Rock latinoamericano, onde artistas brasileiros e argentinos dividiram o palco em um show que entrou para a história do Rock Brasileiro. É bem verdade que Arnaldo Baptista havia insinuado a criação da banda anteriormente, com a formação da "Space Patrol", em 1974, junto ao Zé Brasil, este, futuro líder do "Apokalypsis". Tratou-se inicialmente de um trio vocal, acompanhado por violões, ao estilo Folk Rock.
Mas como a banda não teve continuidade e por conta disso ter ficado circunscrita a poucas apresentações, foi a formação de 1977, que passou a ser considerada como o ponto inicial da Patrulha do Espaço, formalmente. Em sua primeira formação, contou com Arnaldo Baptista nos teclados e voz; Rolando Castello Junior na bateria; Osvaldo "Cokinho" Gennari no baixo, e John Flavin, na guitarra.

Nesses tempos setentistas, toda a orientação artística ainda fora calcada pela sonoridade do Rock 1960 / 1970, sob influências óbvias e muito boas, naturalmente. Arnaldo deixou a nave ainda em 1978, mas o Junior não esmoreceu e assumiu a cabine de piloto.
Saiu também a seguir, o guitarrista, John Flavin, e com Eduardo "Dudu" Chermont a assumir as seis cordas, a Patrulha do Espaço estabeleceu-se como um poderoso "Power Trio", pronto para avançar pelos anos de 1979 e 1980, alheia à fase terrível em tom de derrocada do Rock brasileiro, sob ventos tenebrosos que sopravam da Europa, ao anunciar tempos difíceis para quem gostava da sonoridade e estética cultural / comportamental das décadas de 1960 e 1970.
Em 1980, a banda lançou com muita ousadia, um LP independente, que foi um escândalo para a época, pois a pressão das gravadoras era massacrante e um ato desses costumava ser considerado uma rebeldia inadmissível, ao gerar até boatos sobre elas, as gravadoras, buscar elementos jurídicos para que pudessem impedir o lançamento de discos oriundos de artistas independentes. Saiu o baixista, Cokinho e entrou Sergio Santana em seu lugar, em meados de 1981, ao dar-se prosseguimento ao trabalho.


Heroicamente, a fazer das tripas coração, o trio lançou mais três discos e obteve uma chance de ouro ao abrir os três shows da banda norteamericana, "Van Halen" em São Paulo, no início de 1983. Abro um parêntese para destacar um fato particular, pois foi quando eu iniciei as minhas atividades com "A Chave do Sol", que conheci o Junior, pessoalmente, ainda na metade do ano de 1982.  No primeiro show d'A Chave do Sol, o Junior emprestou-nos um pedaço do equipamento de P.A. da Patrulha do Espaço, para que pudéssemos apresentarmo-nos com qualidade.
Eu assisti dois desses concertos do Van Halen e a abertura da Patrulha do Espaço foi muito boa nas duas ocasiões, ao arrancar aplausos sinceros da plateia formada por cerca de doze mil pessoas aproximadamente, em cada noite em que fui testemunha ocular e auditiva de tais concertos.
Em julho de 1983, A Chave do Sol realizou o show de abertura da Patrulha do Espaço em um clube em Limeira, no interior de São Paulo. Ficamos encantados e gratos pela oportunidade em termos podido tocar para cerca de três mil e quinhentas pessoas, naquela noite gelada de inverno.
Infelizmente, ao final de 1984, A Patrulha do Espaço teve um rompimento com a sua formação estável, quando perdeu o seu ótimo guitarrista, Dudu Chermont. Todavia, o Junior sempre foi um abnegado e não por deixar o ânimo arrefecer, engendrou um novo álbum, ao recrutar direto da Argentina, Norberto "Pappo" Napolitano, um dos maiores guitarristas do Rock latinoamericano, e assim, em 1985, lançou-se um novo disco, ao dar mostras de que a nave permaneceria em voo regular.
Infelizmente, ao meu ver, apesar de contar com um guitarrista monstruoso, a banda enveredou por um caminho espinhoso ao tentar adequar-se ao mercado de metade dos anos oitenta, e esse disco de 1985, tem esse espírito no limiar do Heavy-Metal, que desaponta-me, como fã.  E assim, a banda deu uma esmorecida, e só ao final dos anos oitenta, voltou com força e estilo.
Recrutaram o grande, Rubens Gióia, meu ex-companheiro d'A Chave do Sol e como trio, pareceu em princípio que resgataria-se a sonoridade clássica, e assim estariam a voltar ao seu plano de voo seguro, entretanto, eis que um duro golpe sobreveio, com o falecimento prematuro e muito sentido do baixista, Sergio Santana. Sem forças para continuar, Rolando Castello Junior ainda tentou estabelecer uma nova formação em 1992, e assim lançou um LP, denominado : "Primus Inter Pares", ao visar homenagear o baixista, Sergio Santana.
Ao contar com Rubens Gióia, Junior também recrutou o vocalista, Percy Weiss; o excelente baixista, Renê Seabra, e mais um guitarrista, o então jovem, Xando Zupo, que anos mais tarde viria a tornar-se o meu companheiro no "Pedra". O disco é muito bem tocado, mas peca por dois aspectos, em minha opinião : 

1) Contém arranjos orientados pelas estéticas do Hard-Rock e Heavy-Metal oitentista, em demasia para o meu gosto e; 

2) Tem poucas músicas inéditas, com a maioria, a revelar-se composta por regravações do próprio material antigo da Patrulha do Espaço, ao requentá-lo e maltratá-lo, no sentido estético.

Depois disso, o Junior armou formações sazonais e emergenciais  para shows, mas somente em 1999, surgiu enfim uma oportunidade para dignificar-se para valer, o valor dessa nave. Eu entro aí, nessa fase da história da banda. Contudo, devo retroceder um pouco para o leitor entender o contexto em que eu encontrava-me anteriormente. 


Em 1996, eu estava inserido no grupo, "Pitbulls on Crack", uma banda regida pelo Indie Rock noventista, basicamente, mas que continha uma forte influência do Glitter Rock setentista, ainda bem e foi o que segurou-me em suas fileiras, certamente. Eu já vinha há anos a ensaiar reaproximar-me enfim da sonoridade e estética que tanto amo, ou seja, a envolver a produção contracultural das décadas de sessenta e setenta.
E o CD que lançáramos em 1996, com essa banda, trazia em seu aparato mercadológico, toda uma aura sessenta / setentista, muito em função da pressão que eu mesmo exercera nas reuniões marcadas para provocar o dito "brainstorm" com a banda e os marqueteiros da gravadora Primal / Velas. Todavia, apesar disso, o "Pitbulls on Crack" não fora a plataforma adequada para eu exercer esse resgate que pessoalmente ansiava, em sua totalidade. Por isso, apesar de ser muito amigo dos companheiros, saí da banda e dispus-me a buscar esse sonho acalentado desde os anos setenta, quando eu iniciei a minha trajetória na música.
Pareceu uma atitude insana sair de uma banda que detinha gravadora; vídeoclip com execução radiofônica maciça e um nome sedimentado, pelo menos no patamar underground do show business, após cinco anos e meio de trabalho, mas eu precisava buscar essa raiz primordial que motivara-me a ingressar na música e elo esse que havia perdido, desde os anos setenta. Formei assim o "Sidharta", com o então adolescente, Rodrigo Hid, que eu conhecera por ser guitarrista da banda de um aluno meu, desde 1993.  O "Sidharta" nasceu desse embrião inicial, com o forte propósito para criar uma estética artística totalmente calcada em ícones sessenta / setentistas.
Queríamos buscar a atmosfera de outrora, não só pela sonoridade das músicas, mas também por evocar signos em termos de vestuário; cenários; ambientações etc. Avançamos por 1998, a trabalhar fortemente nesse sentido, e após a saída do guitarrista, Deca (depois desse episódio, ele veio a tornar-se um membro do "Baranga"), que deveria ter sido componente do Sidharta, também, convidamos outro jovem multi instrumentista e ultra talentoso membro, chamado : Marcello Schevano.
Com a presença de José Luiz Dinola, o meu velho companheiro d'A Chave do Sol, na bateria e vocais, fechamos nesse quarteto, e por um ano ensaiamos e compomos vinte e duas músicas. No início de 1999, o José Luiz resolveu não prosseguir e decidimos então procurar um baterista que vibrasse nessa predisposição retrô, integralmente.
Convidamos assim, o baterista, Rolando Castello Junior, com direito a uma armadilha que não cabe revelar aqui, mas da qual eu já narrei no texto da minha autobiografia (história disponível em detalhes nos meus Blogs 2 e 3 e a ser lançada em livro tradicional impresso, oportunamente), e o Junior também já contou na sua visão, através das páginas do CD "Dossiê Volume 4", álbum que contém a história da Patrulha do Espaço, contada por ele em punho, através dos respectivos encartes dos 4 volumes lançados, e há a perspectiva em lançar-se um eventual volume 5, em algum momento. Então ele aceitou o desafio, no entanto, dissuadiu-nos a usar o nome : "Sidharta", ao fazer-nos acreditar que seria muito mais fácil lançarmo-nos como, "Patrulha do Espaço", a entrarmos no mercado com uma banda iniciante e desconhecida, em termos de nome no mercado musical. Claro, fez muito sentido...
Em março de 1999, começamos a ensaiar e incorporamos quase todo o repertório do "Sidharta", como material novo da Patrulha do Espaço, ao mesclá-lo ao repertório clássico da banda. O Junior adorou a proposta e então, foram momentos envoltos em muita alegria em minha percepção pessoal, pois além de eu estar a trabalhar em prol do meu objetivo Rocker, versado pelas mais belas prerrogativas em torno da estética 1960 / 1970, alegrara-me ser um agente no resgate da própria banda em favor de suas raízes.


Explico : foi um prazer estar a colaborar para que a Patrulha do Espaço pudesse voltar às suas origens e logo de início, a encampar em prol da banda, o fato de que Rodrigo Hid e Marcello Schevano serem ambos, guitarristas e tecladistas, proporcionou à Patrulha do Espaço, a oportunidade para resgatar o repertório da época do Arnaldo Baptista, material esse que a banda não tocava desde 1978, quando da saída do próprio, Arnaldo.
E logo no primeiro show, surpreendemos os fãs que estavam acostumados aos últimos tempos da Patrulha do Espaço com o som pesado que tocava há anos, ao apresentar um repertório regido por  clássicos da banda, a moda original, sem ranços oitentistas, e assim resgatamos uma aura Hippie, há muito perdida. As músicas novas agradaram em cheio; a possibilidade para tocar várias da época do Arnaldo, idem. Todavia, não foi apenas isso que conseguimos desenvolver...
Os shows assemelhavam-se a um túnel do tempo, com detalhes que passamos a adotar e que encantou o público sob observação mais arguta. Para início de conversa, os nossos shows tiveram o odor dos incensos. Resgatamos com força esse hábito há muito esquecido no Rock brasileiro, e quando o público costumava ingressar em um ambiente onde tocaríamos, e não importava se fosse uma casa noturna; salão ou teatro, eis que queimávamos dúzias de incensos.
Mesmo a lutar contra a falta de recursos para fazermos produções sofisticadas, esmerávamo-nos em compor cenários, a constituir-se de verdadeiras tendas hippies, que muito lembrava a atmosfera de shows ocorridos nos lendários auditórios Fillmore e Winterland, nas décadas de sessenta e setenta. Usamos projeção a provocar bolhas psicodélicas (ainda que primitivamente, por falta de recursos melhores); caprichávamos no figurino "hippie Chic", tínhamos flores para ornar o palco, sempre que possível...
Pequenos detalhes cênicos também fizeram parte de nossos esforços. Ornamentos em cima dos amplificadores, pelos cantos do palco e sobre teclados e praticável de bateria, iam de estátuas de Deuses orientais à um porta-retrato com a foto de Timothy Leary; castiçal de velas à echarpes de seda, jogadas, e até um boneco de um "ET" em tamanho natural, foi usado certa vez, quando causou um efeito visual bastante chamativo. Foram tempos anacrônicos e indiferentes para tal estética, e nem sempre o público entendeu a nossa proposta e sequer o significado de tudo isso.
Lembro-me por exemplo de um programa de TV, ao vivo, onde a despreparada apresentadora achou engraçado o porta-retrato com a imagem de Tim Leary em cima do órgão Hammond, e inquiriu-me a respeito, mas simplesmente ignorou a minha explicação...

Enfrentamos públicos alheios, e às vezes até hostis... lembro-me de um show em 2001, para uma grande multidão, onde as principais atrações foram duas bandas : uma famosa nos anos oitenta, e outra que fora a crista da onda no início dos anos 2000, e continha estética agressiva e portanto antagônica aos nossos ideais. Dessas de moleques de bermudas, a fazer um som agressivo e a escrever letras recheadas com palavrões. Quando subimos ao palco, ouvimos vários insultos do público dessa tal banda, e bastava olhar para eles e ter a certeza de que nunca haviam ouvido falar sobre os Beatles; Jimi Hendrix; Janis Joplin. Porém, tivemos também momentos vividos sob enorme satisfação. Foram várias as vezes em que tivemos a surpresa agradável em contar com um público antenado.
Em muitas cidades interioranas de São Paulo e principalmente nos três estados do Sul do país, encontramos plateias extremamente jovens, com essa garotada a vibrar como se vivesse em 1968, e ansiar por aquela sonoridade, pois reconhecera de pronto todo o nosso esforço em reproduzir essa atmosfera mágica, em todos os sentidos. Não foram poucas as vezes onde eu saí do palco profundamente emocionado com a recepção de um público muito jovem e a desejar mergulhar nesse sonho, como se estivessem a viver aquela época, de fato.

E assim, gravamos três discos de estúdio ("Chronophagia", em 2000; ".ComPacto", em 2003; e "Missão na Área 13", em 2004). Houve também no meio do caminho, o lançamento da coletânea,"Dossiê Volume 4"(em 2001), onde o Junior estava a contar toda a história da banda, ao ter lançado os três primeiros volumes anteriormente e nesse n° 4, há o início da história da formação de 1999, comigo e os talentosos : Hid e Schevano.

E, mesmo quando essa formação desmanchou-se em 2004, ainda houve um lançamento póstumo, com "Capturados ao Vivo no CCSP", em 2007, a tratar-se de um CD ao vivo, obtido mediante  a gravação de shows realizados em 2004, no Centro Cultural São Paulo (CCSP), nos estertores dessa formação.  A nave da Patrulha do Espaço prosseguiu com formações improvisadas, mas a manter-se no ar, até quando chegou na formação atual, ponto onde lançou no ano passado (2012), um novo CD a apresentar canções inéditas, denominado : "Dormindo em Cama de Pregos".
É uma boa e sólida formação e conta com um jovem guitarrista, um desses músicos sensacionais que vibravam o sonho 1960 / 1970, e que conhecêramos na estrada em 2001, chamado : Danilo Zanite.  Pois que siga em frente com muita sorte, para manter a chama do Rock, acesa.
De minha parte, foi assim a minha participação nessa banda, entre 1999 e 2004, onde apesar das dificuldades, exerci o sonho e senti-me verdadeiramente inserido em uma banda de Rock a moda antiga, cercado por ícones contraculturais que amo, e a realizar uma música carregada com "Boas Vibrações Aquarianas"...

E assim, só faltou tocarmos no auditório Fillmore, mas ainda tenho a esperança em obter esse prazer quase messiânico...
Matéria publicada anteriormente no Blog Limonada Hippie e republicada no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2013