quinta-feira, 25 de maio de 2023

Filme: Mr. Rock'n' Roll - The Alan Freed Story - Por Luiz Domingues

Muitos anos após o lançamento do filme, “American Hot Wax”, uma outra cinebiografia a respeito do radialista, Alan Freed (neste caso, um telemovie), foi produzida e lançada, a trilhar o mesmo caminho de uma cinebiografia sobre o mesmo personagem. Em “The Alan Freed Story”, o primeiro aspecto a ser salientado, é o fato de se tratar de um telemovie, ou seja, filmes produzidos para passar exclusivamente na TV, que são necessariamente feitos com um orçamento infinitamente mais baixo que um filme produzido para o cinema.

Portanto, a perspectiva é sempre em torno de um aparato mais modesto e assim, cabe aos roteiristas; o diretor e os atores, dar o seu máximo para que a obra atinja um bom nível, visto que se depender dos recursos técnicos, a tendência de um "telemovie" será sempre a de obter um resultado final, em termos de uma média geral, aquém de um filme feito para o cinema, por uma questão lógica em termos de investimento financeiro.
Bem, feita essa ressalva sobre este filme, é nítido que existe um mérito nesta produção, por mostrar alguns aspectos da vida e obra do radialista, Alan Freed, em comparação com a obra similar, não exibidos no filme, “American Hot Wax”, lançado em 1978. E o lado negativo, dá-se coma algumas falhas anacrônicas que são observadas, e nesse caso, fica sempre a suspeita em torno da opção proposital cravada no roteiro, por adequações cinematográficas imprescindíveis à fluidez da obra. Entretanto, a constatação para o observador mais criterioso de uma biografia, e aos mais atentos ainda aos aspectos específicos a envolver a história do Rock, é lógica ao sinalizar que falhas assim são consideradas gritantes e desapontam.
 
Um dos méritos, ainda que tenha sido algo sutil (deste filme em relação ao anteriormente citado, lançado em 1978), foi que ele recuou na cronologia um pouco além do que foi mostrado no filme anterior. Isso possibilitou mostrar um momento crucial da biografia de Freed, que no meu entender, foi vital para entender o porquê desse citado radialista ter se entusiasmado com o Rock’n’ Roll. 
 
A despeito desse importante recuo, no entanto, o filme inicia-se com Alan Freed, já muito famoso a comandar os famosos shows ao vivo que ele produzia com muito alarde. Ele apresenta o guitarrista/cantor e compositor, Bill Haley (interpretado por Michael Daingerfield), e assim, inevitavelmente o flashback é proposto, ao nos levar ao passado. Nessa perspectiva, o filme mostra Alan Freed (interpretado por Judd Nelson), a assumir o microfone da emissora WJW, em Cleveland / Ohio. Ele também costumava sonorizar festas e/ou bailes e em uma cena que o mostra em tal atividade, o tal baile é retratado como algo absolutamente recatado, formado por famílias brancas tão somente e com os adolescentes a se portar de um forma muito comedida, com excessivo recato.

O som que ele usa para animar a festa, baseia-se principalmente em música instrumental orquestrada, então já antiquada (com a devida ressalva de que eu particularmente não acho com isso que seja uma música ruim, e muito pelo contrário, tem muita qualidade), em torno de temas executados por Big Bands dos anos 1930 e 1940, predominantemente. 
 
Então, fortuitamente um jovem coloca, sem que ele veja, um compacto em uma das pick up’s que ele comanda. Ao acionar tal vitrola para dar continuidade à trilha sonora, explode no salão o som de: “Tutti-Frutti”, obra do genial pianista/cantor e compositor, Little Richard. 
A celeuma fica grande no ambiente, com alguns adultos conservadores extremamente indignados por aquela música de negros estar a invadir o seu baile familiar, enquanto alguns jovens esboçam gostar da novidade e os mais ousados, inclusive, a iniciar uma dança. Freed é duramente repreendido pelos mais indignados, e enfim interrompe a execução. No entanto, no semblante da personagem, fica claro que tal movimentação chamara-lhe a atenção. Um reacionário ali presente, exige que ele só toque "boa música" e Freed, impactado pelo som de Richard e a reação espontânea dos jovens ante a execução da canção, responde-lhe: -“o que significa boa música?”
 
Ele então guarda o disco de Little Richard e resolve sair em campo, para empreender uma investigação mais apurada. Freed visita a seguir uma loja de discos e fica impressionado por ver muitos jovens, inclusive brancos, a comprar com entusiasmo, discos de artistas negros orientados pelo estilo, Rhythm and Blues (conhecido pela sigla: “R’n’B”), que vem a ser um derivado do Blues, a se mostrar mais balançado ao ponto de provocar o instinto dos ouvintes a dançar, e fortemente centrado no aspecto Pop, em torno de melodias criadas mediante a observação de uma candura empática e com o poder imediato para impressionar qualquer ouvinte, à primeira audição. 
Então, sob uma primeira análise, digo que a representação dessas cenas citadas é um simbolismo sobre o fenômeno do R’n’B, produzido por artistas negros, que subitamente interessou alguns jovens brancos e não havia nenhum tipo de incentivo para que tal fato ocorresse, em tese. Mostrar Alan Freed a tomar contato com tal realidade e como ele tratou por investir todo o seu esforço para incrementar tal ação e ser responsabilizado pelo nascedouro do Rock’n’ Roll, foi certamente algo positivo neste filme. 
 
Ao analisar mais criteriosamente, no entanto, a cena do baile é sugerida como se houvesse ocorrido por volta de 1952, mas a canção, “Tutti Frutti”, só foi gravada em 1955, portanto, eis aí novamente a clássica, “licença poética”, usada em um filme, como uma praxe na construção de um roteiro.
O filme segue com Alan Freed a todo vapor, a tocar R’n’B no seu programa, desta feita já em outra emissora de maior porte, a WINS de Nova York, ao acrescentar cenas com artistas a abordá-lo, que se sucedem. Prática recorrente em sua vida, realmente artistas o procuravam com material em mãos e muitas vezes a exibir-se às pressas, a cantar na calçada enquanto Freed aproximava-se da porta da entrada do prédio onde costumava trabalhar todos os dias nessa estação de rádio.
Em cena não abordada no filme de 1978, “American Hot Wax”, Freed resolve fazer uma aula de dança pois estava a cada dia mais famoso e precisava ter uma postura mais desinibida nos shows ao vivo em que estava a comandar. No filme de 1978, a sua vida pessoal não foi bem explorada, mas neste filme, o roteiro privilegiou a exploração de tal faceta. Pois foi então nessa aula de dança que ele conheceu e encantou-se com a professora, com a qual rapidamente iniciou um romance e casou-se. 
 
Tal moça, que é muito bonita, chama-se no filme, Jackie McCoy (interpretada por Mädchen Amick), mas eis aqui uma invenção não explicada pela produção, pois o nome dessa mulher, que foi a segunda esposa de Freed, era na realidade: Marjorie J. Hess. Portanto, a única dedução plausível por tal uso de um nome fantasia, deve ser creditada a algum problema com a própria senhora, ainda viva em 1999, quando do lançamento desse filme, ou com os seus filhos e netos ao vetar-se a sua real identidade. 
 
Ainda a abordar a cronologia falha, na vida real, Freed havia casado com Jackie/Marjorie, em 1950, e este filme recuara até 1952, ao mostrar Alan Freed ainda disponível, sem mesmo mencionar que fora casado anteriormente com outra mulher (Beth Lou Bean), e divorciara-se em 1949. Bem, o filme mal iniciou-se e já falta bastante com a verdade. 
Cenas a mostrar Alan Freed, como um convicto homem progressista a enfrentar as ideias reacionárias, são inseridas. Não pode-se afirmar que ele tivesse de fato tal pensamento, ou se apenas tolerava a miscigenação pois vislumbrara com tal postura, o seu próprio sucesso pessoal. Entretanto, no filme, tal qualidade de seu caráter é exaltada ao mostrar Freed a enfrentar reacionários e a discutir com eles, frontalmente, por estar a divulgar artistas negros, influenciar a juventude branca e promover shows para dar vazão ainda mais para tal influência, que aos reacionários, certamente deve ter sido assustadora, com o devido terror em perder o controle totalmente do comando na sociedade. 
E tal conceito se reforça também em uma cena fortuita, quando Freed e Jack Wilson (cantor negro orientado pelo R’n’B, e que é conhecido como um dos primeiros a transitar para uma nova vertente surgida posteriormente, a "Soul Music" e neste filme, interpretado por Leon Robinson), estão em uma lanchonete e Freed percebe que dois homens brancos estão indignados em vê-lo a conversar com um homem negro em clara posição de amizade. Pois Freed resolve provocá-los, ao tomar bebida e fazer questão de trocar de copos com Jackie e também compartilhar um cigarro, para demonstrar naturalidade e assim, uma briga quase chega às vias de fato, pois os homens racistas não suportam a provocação.
 
Cenas a mostrar os shows promovidos por Freed, que também atendia pelo apelido: “Moondog”, são muito boas. Aliás, isso surpreende, pois no filme de 1978, isso não foi muito bem explorado e neste telemovie, muito mais modesto, houve um esforço para demonstrar tal escalada de sucesso de Freed com os seus shows e inclusive a promover excursões pelos Estados Unidos. 
 
Frases de efeito para edulcorar a sua pessoa, são proferidas, como por exemplo, quando o próprio Freed afirma para um interlocutor, ante o sucesso dos shows: -“você está a ver o futuro”. Nesses termos, situações a mostrar artistas famosos da época, são muito boas, a caracterizar a melhor parte do filme, sem dúvida. E não apenas nos shows em teatros, arenas e casas noturnas, mas também em situações inusitadas, como por exemplo, quando aparecem: Bo Diddley (interpretado por Michael Dunston) e Buddy Holly (interpretado por Joe W. Davis), a tocar pelos corredores da estação de rádio, em cenas diferentes ao longo do filme.
Freed sofre um acidente automobilístico, ao dirigir cansado e por consequência, dormir no volante. Ele recupera-se com um certo grau de sofrimento. Volta a trabalhar, ao improvisar um mini estúdio no próprio hospital e volta à normalidade, a seguir. Cartas indignadas escritas por pais de ouvintes do programa comandado por Alan Freed, reclamam veementemente sobre a inclusão de artistas negros na programação, para se ter a noção de que a situação fora pesada na ocasião.
 
Freed é considerado o criador do neologismo: “Rock’n’n Roll”, ao estabelecer um nome para uma vertente inusitada, quando uniu o som negro via Blues e R’n’B ao Country & Western de raiz branca e criou-se o novo gênero. Tal nomenclatura, inclusive, teria na verdade uma conotação chula, ao designar o ato sexual, segundo consta em algumas explicações sobre as origens do Rock.
A esposa de Freed mostra-se insatisfeita com a associação que o seu marido estabelecera com o empresário da noite, Morris Levy (interpretado por David Gianopoulos). Levy foi proprietário do clube noturno, “Birdland”. Em determinado ponto, inclusive, eles brigaram por conta do uso da palavra: “Rock’n‘ Roll”, pois Levy reivindicou para si a autoria do termo.

Em cena muito rápida, mas a configurar-se bem interessante, mostra-se a figura de Freed a filmar cenas de alguns dos seus vários filmes lançados naqueles anos nos quais foi muito famoso, ao final de década de cinquenta. Nessa simulação de um set de filmagem, Freed grava uma cena com Little Richard (interpretado por Walter Franks). Mais artistas são mostrados a apresentar-se nos shows: Lymon and the Teenagers (Frank Lymon, interpretado por Le Roy de Brazile) e The Shantelle’s.
 
Cenas a mostrar os bastidores das excursões com vários artistas são mostradas a bordo do ônibus, a percorrer a estrada e intermeadas por cenas de shows, com Jerry Lee Lewis (interpretado por James C. Victor), a jogar o piano na plateia, entre outras loucuras. O FBI investiga Freed, e de fato, os tumultos relatados nos shows que ele organizava, preocupou as autoridades, porém, tumultos esses como um fruto da excitação juvenil e superlotação, é verdade, no entanto, sem outra motivação fora da Lei. 
 
Em um determinado show ocorrido em Boston, Massachusetts, a polícia pega pesado e exige que o público assista o show de uma forma comportada, com as pessoas a manter-se sentadas nas cadeiras do teatro, mas isso torna-se impossível, quando a música reinicia-se e a euforia faz com que todos dancem freneticamente. Sob ataque da força policial, todos tem que fugir às pressas, incluso Freed e os artistas, a portar os seus instrumentos em mãos. 
O filme chega à 1959 e Freed briga com o seu sócio, Levy. Nessa altura, Freed já possui filhos do seu segundo casamento, mas a esposa está bem descontente com os acontecimentos a envolver o seu marido. Para agravar a situação, Freed mantém um caso com uma funcionária da emissora, Denise Walton (interpretada pela atriz e coreógrafa & bailarina, Paula Abdul). Denise era compositora e também quis emplacar as suas músicas através de Freed, mas no filme, isso é insinuado bem levemente.
 
Toda a questão a envolver a famigerada “Payola”, ou seja, a instituição do ágio para tocar-se músicas, cobrado dos artistas, gravadoras e/ou dos empresários, e que determinou a derrocada de Freed, é praticamente ignorada. A insinuação é mínima e apenas mostra-se que Freed fora demitido, quando na vida real foi tudo muito mais sério e envolveu prisão. Bem, no filme, Freed apenas apanha a sua maleta, com a qual fora mostrado no início do filme e deixa a emissora WINS, de Nova York. Uma tarja arremata com os dizeres: Alan Freed nunca mais fez locução em rádio e morreu cinco anos depois em Palm Springs, na Califórnia, aos 43 anos de idade”. Posteriormente, outra informação é anexada: “em 1986, ele foi o primeiro indicado para ser inserido no “The Rock’n‘ Roll Hall of Fame”, em Cleveland, Ohio.
Em suma, este telemovie tem muitos pontos positivos, apesar das falhas estruturais em termo de anacronismo, cometidas em seu roteiro. Se o espectador assistir o filme com a esperança de ter obtido uma aula sobre a vida e obra de Alan Freed, e consequente influência na história do Rock, pode ter apenas uma certeza: Alan Fred de fato foi um comunicador que muito contribuiu para o implemento do Rock’n’ Roll para uma camada gigantesca da população e ajudou muitos artistas sensacionais. Se cobrou ou não a famigerada, “Payola” (um neologismo em tom de gíria a unir as sílabas: “Pay” do verbo "pagar" e o sufixo “ola”, a designar “vitrola” ou “radiola” e assim estabelecer a conotação com a radiodifusão), apesar dessa mácula, se foi o caso, a sua contribuição foi vital para o movimento.
 
A cena inicial, com Freed já famoso e a apresentar um dos seus shows e mostrar Bill Haley em ação, é complementada ao final do filme, a estabelecer uma junção com o ponto da narrativa em voga. Bill faz um solo de guitarra com bastante influência jazzística, mas observadores mais atentos reclamaram da cena, pois ele não costumava solar em sua guitarra, na realidade. Mais uma licença poética, portanto a fugir da verdade.   
 
Ainda a participar deste filme, menciono os atores: Fulvio Cecere (como Pete Bell), Aaron Tager (como o terrível policial, J. Edgar Hoover), e Daniel Kash (como “Hooke”).
O filme foi baseado em um livro chamado: “Big Beat, Alan Freed and the Early Years of Rock’n’ Roll”, escrito por John A. Jackson. Não tive a oportunidade de ler tal livro, portanto paira-me a dúvida, se os erros anacrônicos observados neste filme, também estão inseridos em tal obra literária ou na adaptação do “teleplay”, optou-se por tais modificações? Quero crer que a segunda opção predominou, pois não é possível que um livro biográfico tenha sido publicado com tantos erros.
Este telemovie foi lançado em outubro de 1999, e teve a direção de Andy Wolk. Repercutiu modestamente, apesar do cinebiografado ter sido uma personalidade muito importante na história do Rock. Passou bastante em canais da TV a cabo, existe em cópia no formato DVD para a venda e encontra-se facilmente no YouTube, em versão integral. 

Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 66.

domingo, 7 de maio de 2023

Filme: American Hot Wax (Viva o Rock'n' Roll) - Por Luiz Domingues

Se há uma personalidade que não foi músico, mas tem uma importância enorme no estopim do Rock’n’ Roll como algo muito maior que um simples gênero musical, na década de cinquenta, esta pessoa foi: Alan Freed. Radialista, Freed foi um dos primeiros, senão o primeiro a perceber algo novo no panorama da música norte-americana no início dos anos cinquenta, inicialmente ao descobrir uma variação do Blues tradicional, ao mostrar-se algo mais dançante e com alto teor Pop, no caso o Rhythm and Blues, conhecido pela sigla: “R’n’B”. 
 
Corajoso, em meio a uma sociedade extremamente pautada pelo racismo, encantou-se pela música produzida pelos artistas negros, de uma maneira geral e por conta desse seu entusiasmo, primeiramente com o Blues e o R’n’B, percebeu o potencial desse novo galho oriundo da raiz primordial da música negra. Posteriormente, ao perceber que a música negra ao fundir-se com o tradicional Country & Western, a poderosa raiz do cancioneiro da cultura branca, haveria por produzir uma música explosiva, rica e capaz de abranger um público miscigenado, a englobar brancos e negros e assim: “boom”, a explosão consumou-se em torno do Rock’n’ Roll. 
A importância de Alan Freed nesse processo é tão grande que é atribuído à sua pessoa, esse ponto de fusão que gerou o estilo. Exageros à parte, Freed ficou responsabilizado por ter criado o neologismo: “Rock’n’Roll. Independente desse fato ser verídico ou mero exagero em tom de boato e/ou lenda urbana, o fato foi que Freed foi um difusor do Rock, com um fervor impressionante e mais que isso, Freed organizou shows com muitos artistas da cena, inclusive a configurar uma periodicidade e também por gerar filmes, vários, nos quais o próprio Freed atuou, a interpretar a si mesmo e cercado por artistas musicais sensacionais.
Bem, Alan Freed também foi controverso. A despeito de ser reconhecido como um agente para a propulsão do Rock na década de cinquenta e enaltecido por uma série de artistas que foram beneficiados diretamente pela sua força midiática inconteste, todavia, por outro lado ele foi duramente perseguido pelas autoridades, por conta de seus shows realizados em salões e teatros, irremediavelmente a gerar tanta euforia espontânea.
 
Por conta de tal frenesi despertado, muitas vezes os jovens a dançar freneticamente, quebraram cadeiras e objetos em geral de tais locais, a suscitar muitas intervenções policiais truculentas. 
Porém, o incômodo maior, foi óbvio, e sob uma outra monta, ao tocar-se em um assunto delicado ao extremo na sociedade norte-americana de então, ao propor subliminarmente, que garotos brancos pudessem entusiasmar-se com a música dos negros. E ainda houve um terceiro elemento a demolir a sua imagem, e fato grave que praticamente o derrotou em sua credibilidade: a acusação que pairou sobre a sua reputação em torno do recebimento da chamada, “Payola”, que foi o neologismo criados pelos norte-americanos para designar o que no Brasil é conhecido como “Jabaculê”, ou “Jabá” na forma mais simplificada. 
 
Em síntese, a prática amoral da cobrança de um ágio, para a execução de músicas dos artistas nas estações de rádio. A “Payola” (a junção de sílabas das palavras: “Pay”-pagar, com “ola”, a sugerir “vitrola”, “radiola”, ou seja, aparelhos para ouvir-se música etc), foi uma prática abominável que gerou uma discussão sobre ética no âmbito da cultura, fortemente nos Estados Unidos, nessa época.
 
Pois em 1978, um filme cinebiográfico foi lançado para trazer à tona a pessoa de Alan Freed, a enaltecê-lo como um grande difusor do Rock’n’ Roll. Claro que isso foi verdade, a despeito de alguns aspectos negativos de sua biografia, como eu mencionei acima. Longe de estabelecer qualquer tipo de julgamento de minha parte, eu sei que o aspecto negativo em torno do escândalo da Payola foi grave e desagradável, no entanto, no cômputo geral, a sua contribuição ao Rock foi e sempre será inquestionável. 
Em “American Hot Wax” (no Brasil, tal filme recebeu o título: “Viva o Rock’n’ Roll”), o roteiro privilegiou a cronologia já a mostrar Alan Freed a viver o início de sua explosão como radialista. Em uma das primeiras cenas, Alan Freed (interpretado pelo ator, Tim McIntire), é duramente repreendido por um executivo da emissora (WINS de Nova York), por estar a tocar o sucesso de Little Richard, “Tutti-Frutti”, e ele ouve a verborragia irritada do sujeito, passivamente, a denotar uma atitude de deboche e assim deixar claro que não iria obedecer nenhuma ordem da direção para mudar a sua programação.
 
Destaca-se a presença da secretária, Sheryl (interpretada por Fran Drescher), que mostra-se engraçada, ingênua e dá o tom cômico do filme ao ser assediada o tempo todo por muitos homens, visto que além de ser uma personagem engraçada, Sheryl/Fran Drescher (e bem jovem nessa época), era muito bonita. E do motorista de Freed, “Mookie” (interpretado por Jay Leno, que anos mais tarde tornar-se-ia muito mais famoso ao apresentar um talk-show prestigiado na TV). Mookie mostra-se engraçado também em alguns momentos, mas na verdade, é um personagem dúbio, ao denotar não estar comprometido inteiramente com o seu patrão.
 
Cenas com Freed a comandar o seu programa, intercalam-se à outras, onde é realçada a repercussão entre os jovens e isso é alvissareiro para demonstrar o poder da difusão radiofônica nesse processo. E nesse bojo, vem também o contraponto com os pais dos adolescentes a mostrar-se muito revoltados com tal influência, e assim pressionar profundamente os seus filhos em sinal de reprimenda e sob a sua visão tacanha, certamente vir a desnudar o seu racismo indelével, entre outros aspectos nada louváveis.
 
Uma cena ainda mais forte sobrevém, ao mostrar uma pressão que Freed sofrera da parte de um comitê em prol dos “bons costumes”, a reclamar sobre ele estar a difundir essa tal música tóxica e assim, gerar um desserviço ao país etc. e tal. 
 
Outro aspecto bem interessante do filme, foi ter mostrado com bastante ênfase, inclusive, a questão sobre o assédio direto que Freed recebia, diariamente da parte de artistas e até aspirantes a artistas. Fato concreto, isso realmente foi uma constante na trajetória de Alan Freed, que costumava ser abordado por artistas na porta do prédio onde funcionava a estação de rádio, para mostrar os seus dotes musicais. Cenas nesse sentido são interessantes e até divertidas, pois chegou-se em um ponto onde as pessoas o confundiam com um produtor caça-talentos de alguma gravadora e a todo custo, o procuravam. Até mãe a levar filhos pequenos para atormentá-lo ao obriga-lo a assistir os seu pimpolhos a cantar (e desafinar), a capela, em seu gabinete. 
Destaca-se a presença de uma jovem compositora chamada, Louise (interpretada por Loraine Newman), que não apenas compõe canções ao piano, como ajuda um grupo vocal negro, orientado pelo R’n’B, para arranjar e ensaiar os rapazes. Essa personagem é acintosamente inspirada em Carole King, uma artista sensacional e que de fato, bem nova, ainda nos anos cinquenta, forjou-se no mercado musical como uma compositora e até chegar ao ponto de ser contratada por uma gravadora, definitivamente. 
 
Verdade histórica, Carole King insistiu bastante em abordar pessoas ligadas ao show business, através do apoio de grupos vocais R’n’B, formado por rapazes (ou moças), negros com os quais os alimentava com as suas composições.
 
Outra cena interessante no filme, mostra um garoto muito novo, que abordou Freed, ao se apresentar como o presidente de um fã clube do genial cantor/compositor e guitarrista, Buddy Holly. Pois Freed abriu o microfone e o garoto deu um depoimento emocionado, ao ponto de embargar a voz e deduz-se que isso ocorrera em setembro de 1959, pois ele estava ali a comemorar a data de nascimento do artista e emocionara-se ao citar perda de Buddy (falecido por conta de uma acidente aéreo), o que ocorrera em fevereiro desse ano. 
 
Uma cena forte ocorre quando o pai de Louise a repreende por estar envolvida com homens negros e ela revolta-se, pois a sua paixão pela música falara mais alto que o preconceito de sua família conservadora. Se a personagem foi inspirada em Carole King, vale destacar que Carole, na vida real, passou por esse tipo de aborrecimento com o seu pai, que foi um empresário poderoso e este frustrou-se com a decisão de sua filha de não ser uma boa herdeira obediente, para preferir viver de música e andar com “más companhias”. Enfim, no filme, não é explicitado tratar-se de Carole King e a condição social da personagem é bem mais modesta, alojada na classe média.
Enquanto isso, cenas do show de primeiro aniversário do programa radiofônico que Freed protagonizava, realizado no teatro Paramount, mostra o tumulto gerado pela super lotação e principalmente pela euforia proporcionada pelos jovens. Vê-se de tudo, incluso artistas fantasiados. 
Um músico de rua, a tocar uma bateria improvisada com um tambor de óleo, é notado em alguns "frames". Um pedaço da performance do sempre exótico, "Screamin" Jay Hawkins, mostra-o a grunhir, literalmente e encerrar a sua apresentação e entrar em um caixão, algo bem chocante para os padrões da época, muitos anos antes de Alice Cooper teatralizar os seus shows. Aliás, Alice nessa época, 1959, era só um garoto estudante, fã de Rock’n’Roll e certamente a ouvir o programa de Alan Freed no rádio.
 
Cena desagradável, mas que corresponde à realidade, de fato as autoridades usaram a polícia para reprimir o show. O clima fica tenso na coxia, quando o aparato policial cerca tudo e ameaça parar o show a qualquer instante e pior ainda, efetuar prisões a esmo, incluso os artistas que estão ali a apresentar-se. Uma ordem é proferida a dar conta que a polícia não toleraria nenhum jovem em pé, a dançar. Todos deveriam assistir tal show sentados e caso alguém desobedecesse, o espetáculo seria sumariamente encerrado, ou seja, uma tremenda arbitrariedade abominável.
Chuck Berry e Jerry Lee Lewis, em pessoa, apresentam-se. A produção convidou os dois artistas o que foi simpático, mesmo porque, ambos foram muito amigos de Alan Freed e apresentaram-se muitas vezes nesses espetáculos produzidos pelo radialista, na vida real. Tenho certeza que os dois participaram do filme com muito prazer pela homenagem ao seu saudoso amigo, Freed, no entanto, ao pensar no filme, a licença poética ficou descabida, pois ambos, na casa dos quarenta anos de idade nos anos setenta, quando este filme foi produzido, não foram maquiados para parecer mais jovens, e assim, com quarenta e poucos anos a interpretar a si próprios com vinte e poucos, ficou bem forçado. 
 
E mais um detalhe, a sobre a sonoridade dos shows, não houve nenhuma preocupação em buscar-se um áudio mais compatível com a realidade dos anos cinquenta. Detalhe, eu sei e compreendo igualmente que a licença poética justificou-se pela homenagem prestada, no entanto, se tal encenação houvesse sido feita com atores mais jovens e os dois super astros cinquentistas aparecessem de outra forma, a homenagem estaria representada dignamente, acredito.
 
De volta ao filme, a cena em que a polícia pressiona na coxia do teatro chega aos ouvidos de Jerry Lee Lewis, que estava no palco a apresentar-se. Ele pede calma aos jovens, mas em seguida, ele mesmo já sobe em cima do piano e comanda a rebeldia total (bem típica a reação do “The Killer”, por sinal). A polícia manda cortar a energia elétrica e sai a bater e prender todo mundo que conseguiu agarrar, em meio ao tumulto e correria.
A última cena é muito simbólica. Aquele rapaz que cantava e tocava um tambor de óleo na rua, é mostrado com a rua deserta após o tumulto. Nada mais simbólico, pois se a repressão tentou barrar (e tentaria muitas vezes no futuro), o fenômeno, na verdade o Rock sobreviveu, tal qual o percussionista improvável das ruas continuou a tocar, incólume aos acontecimentos policialescos.
 
Uma tarja com dizeres, apenas afirma que Alan Freed foi morar na Califórnia, posteriormente. Então, nada mais é esclarecido, portanto, a questão sobre o “Payola” que o prejudicou ao ponto de ser demitido da rádio, não foi mencionada a justificar a decadência do radialista e a sua morte em 1965, decorrente do alcoolismo e certamente pela tristeza gerada pelo ostracismo forçado.
Enfim, trata-se de uma obra que maquiou bastante a trajetória do radialista, nos aspectos mais obscuros de sua biografia. Entretanto, mostrou méritos ao exibir a sua importância para a cena. E contém igualmente algumas pontuais passagens da sua vida e obra, interessantes. 
 
A direção de arte não foi das mais caprichadas o que causa um espanto, ao tratar-se de uma produção norte-americana. Não é nada gritante, mas observa-se no figurino e no visual das personagens, um certo anacronismo, que não é compatível ao padrão norte-americano que é sempre tão rigoroso nesse quesito em específico sobre filmes ambientados em épocas mais antigas. Não basta comprar figurinos em brechós para encenar uma dramaturgia ambientada em algum ponto do passado. É preciso fazer uma pesquisa mais apurada etc. e tal. 
O mesmo em relação ao áudio. Não é necessário ser um engenheiro de som para notar que o som cinquentista que soa na trilha sonora do filme, a excetuar-se trechos de músicas extraídas de discos da época, na verdade é óbvio tratar-se de uma sonoridade setentista e Pop, para ser mais preciso. 
 
O ator que interpretou, Alan Freed, Tim McIntire, tinha uma aparência pessoal semelhante ao cinebiografado, porém, nitidamente mais robusto. Brincadeiras surgiram a dizer que McIntire havia composto a personagem de Freed, após um tratamento intensivo realizado em bons restaurantes italianos.
 
Outros atores que participaram do filme: Moosie Drier (como Artie Moress), Jeff Altman (como Lennie Richfield), John Lehne (como DA Coleman), Charles Greene (como Chuck Otis) e Richard Perry (como um produtor de estúdio). Uma curiosidade especial, o cineasta e crítico musical, Cameron Crowe, faz uma participação especial, com um entregador. Nessa época ele era bem jovem, mas precoce, era crítico de Rock da revista Rolling Stone, já desde o início dos anos setenta.
 
Outros artistas musicais que participaram: The Chesterfields (representado por atores), The Delights (representados por atores), Brenda Russell, Timmy and The Tulips (representado por atores) e The Planotones (representado por atores). 
O roteiro foi escrito por John Kaye e a direção ficou a cargo de Floyd Matrux. Foi lançado em março de 1978. O resultado prático revelou-se muito mal na bilheteria das salas de cinema assim que entrou em cartaz e recebeu críticas pouco animadas, inclusive mediante menções ao filme ter edulcorado a biografia de Alan Freed e dessa forma, ignorar os pontos negativos, como o caso da “Payola”, por exemplo. Circulou na TV, com muitas reprises. Está disponível em formato DVD e encontra-se na íntegra para ser assistido no YouTube, ao menos neste instante em que escrevi esta resenha, em 2019.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz, Câmera & Rock'n' Roll", em seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 58.