quarta-feira, 20 de março de 2019

Livro: Negociação de Crises e Reféns / Cristiano Rocha Affonso da Costa - Por Luiz Domingues


No imaginário popular, toda a situação que envolve um ato de bandidagem, terrorismo & afins, principalmente a conter reféns, é uma pequena amostra de como tal situação limítrofe é passível de ocorrer em qualquer instante e certamente dispara-nos o sentimento imediato da solidariedade para quem está a sofrer, incluso os familiares de quem esteja envolvido no conflito. 

Além desse sentimento, advém a automática identificação com o sofrimento alheio, no mais previsível e humano dos sentimentos, ou seja, logo projetamos como seria estarmos a viver aquela situação, e assim a correr risco de morte iminente e nesse caso, é incomensurável o sentimento de angústia. Além do fato de que não importa a situação em que possamos estar inseridos, isto é, se vitimados diretamente ou se alguém de nossa família ou que pertença ao rol de amizades estiver a passar por tal conflito, a angústia gerada pela gravidade da situação, é a mesma.

Posto isso, em meu caso particular, como um entusiasta do cinema, desde criança assisti a vários filmes centrados nesse tipo de ocorrência policial ou no âmbito da geopolítica internacional a envolver atos de espionagem e intervenções militares, ou de agências de inteligência e portanto, achava e ainda acho bastante estimulante acompanhar o desenrolar das situações e pelo menos na ficção, sempre impressionei-me com a riqueza de detalhes nesse tipo de operação a ser resolvida da melhor maneira possível, ou seja, malfeitores capturados e reféns libertos, sãos e salvos.
Sendo assim, foi com muita satisfação que recebi em minhas mãos um livro técnico sobre o assunto, da parte do seu próprio autor. E o curioso foi que esse amigo eu conheci por circunstâncias muito diferentes, a envolver outro tipo de interesses em comum e embora eu saiba que ele seja um militar com alta patente, não poderia supor que fosse uma autoridade nesse assunto em específico e muito menos um escritor eloquente. 

Diante dessa agradável surpresa, assim que recebi o exemplar de sua obra, experimentei duas sensações primordiais: primeiramente, fiquei feliz e de pronto animei-me a ler, com muito gosto e ao mesmo tempo, elucubrei se eu teria a capacidade para entender um livro técnico a versar por um tema do qual sou um completo leigo. 
Qual seria a minha credencial para entender um livro dessa natureza? E de nada valeria a minha lembrança sobre ter visto alguns filmes a abordar tal tema, pois é evidente que a ficção não pode ser levada em consideração, em detrimento de um assunto tão complexo como esse, e sem exagero, eu até imaginei que mesmo para policiais, militares das forças armadas e agentes de órgãos de inteligência governamental de segurança, tal livro seria difícil e portanto passível para ser digerido por poucos, apenas circunscrito à nata desses profissionais super preparados.

Qual não foi a minha surpresa, no entanto, quando iniciei a leitura e constatei, que sim, o livro é muito bem embasado, escrito com todo o rigor técnico para atender as necessidades desses profissionais citados, mas foi escrito com uma linguagem coloquial, a garantir a plena acessibilidade para qualquer cidadão leigo no assunto, dessa forma, apesar de tratar-se de um livro direcionado para os profissionais sob alto nível, pode ser lido pelo cidadão comum e neste caso, serve como um excelente meio para entender-se como é minuciosa a ação de um negociador de conflito, para conduzir a situação ao melhor resultado possível, ou seja, não ceder aos meliantes, porém a garantir a integridade de todos os envolvidos, incluso os geradores do caos. 

Em suma, torna-se fascinante notar como neste livro, o autor explica com bastante propriedade todos os passos que o negociador precisa percorrer para desarmar os ânimos acirrados e conseguir libertar os reféns sãos e salvos e também garantir aos malfeitores que a sua vida e direito à defesa serão observadas, dentro dos parâmetros da lei, sem arbitrariedades. 

O nome do livro é: “Negociação de Crises e Reféns” com o seguinte subtítulo: “O Trabalho de Negociador no Gerenciamento de Eventos Críticos”, e o seu autor chama-se: Cristiano Rocha Affonso da Costa. 

Militar com alta patente no exército brasileiro, Cristiano tornou-se um estudioso sobre o tema e hoje é considerado um mestre no assunto, com um currículo farto, a arrolar muitos cursos ministrados para militares, agentes policiais e da inteligência e outros profissionais da área da segurança e justiça, com uma infinidade de palestras proferidas e treinamento para diversos grupos especializados para cobrir diversos eventos governamentais, cerimoniais e até no âmbito esportivo, caso da Copa do Mundo de 2014 e dos jogos Panamericanos e Olimpíadas do Rio, em 2007 e 2016, respectivamente, além de mega eventos de outra natureza.

Sobre a obra em si, foram muitos os pilares em que chamou-me a atenção. Como por exemplo, ao estabelecer um paralelo histórico que o autor arrolou, ao citar diversos conflitos históricos que foram amplamente divulgados e repercutidos pela imprensa, alguns deles que redundaram em fracasso. Neste caso, o objetivo foi mostrar como nesses erros, lições foram aprendidas e daí, houve um esmero da parte dos estudiosos para aprimorar as técnicas de negociação, aliadas aos avanços da tecnologia, para minimizar e se possível evitar a todo custo, que tais tragédias ocorressem novamente. 

Um exemplo clássico foi o ato terrorista durante a Olimpíada de Munique/Alemanha, em 1972, quando a delegação israelense foi duramente atacada e a observar muitas baixas dentro do alojamento dos atletas. Várias ações perpetradas por grupos terroristas na Europa, durante os anos setenta, também formam mencionadas (IRA, ETA, Baader Meinholf etc).

Outro exemplo que o autor citou e eu achei muito interessante, foi a repercussão negativa que a série de TV norte-americana e setentista, “S.W.A.T.” gerou nos meios de segurança, por passar uma imagem truculenta e deveras atabalhoada da ação policial em situações dessa natureza, ao disseminar a ideia de que seria correto resolver os conflitos sem ter muito (ou nenhum, na verdade), cuidado com as vítimas e apenas a visar exterminar os bandidos, ou seja, a ideia simplista em torno de eliminar um problema mediante a detonação de uma bomba, onde mata-se os malfeitores, mas vão também os inocentes e para em seguida dizer-se, laconicamente: sinto muito...

Segundo o autor, foi com o Departamento de Polícia de Nova York que tal estudo aprimorou-se, ainda na década de setenta e passou-se a considerar todas as variantes em casos assim tão complexos, inclusive a observar com carinho o campo da psicologia, psicanálise e a psiquiatria, onde novas luzes surgiram para os agentes de segurança, para melhor lidar-se com tais pessoas perturbadoras da ordem social. 

Cristiano cita diversas técnicas nesse sentido, tais como a famosa “Síndrome de Estocolmo”, o uso da técnica do "rapport", um expediente clássico do mundo da programação neurolinguística, a pirâmide de Abrahan Maslow e outras tantas, como a escuta analítica, primordial para o negociador entender exatamente o que passa pela mente de uma pessoa que forja uma situação a ameaçar inocentes, em sua ação criminosa. 

Um aforismo citado pelo autor fecha a questão nesse assunto, definitivamente: “Comunicação não é o que você fala, mas o que o outro entende”.

Entre as técnicas, ficou claro que o fator “tempo” é primordial por uma série de fatores, que são esmiuçados com bastante precisão e foi engraçado o contraponto de que a opinião pública, alimentada pela mídia, tende a achar que se houver demora para se resolver um conflito, é sinal de incompetência do negociador, quando na verdade, muitos fatores estratégicos estão em curso. Postulados como: “Mediação”, “Arbitragem” e “Negociação”, são muito valorizados pelo autor e após tomar-se ciência da sua vasta argumentação, fica claro o por que da sua ênfase em enumerá-los

E mais uma surpresa agradável, o autor cita muitos filmes, que abordam conflitos dessa monta e como os negociadores da ficção atuaram, com erros e acertos. 

Além de peças cinematográficas, a bibliografia consultada impressiona, a denotar que a pesquisa empreendida por Cristiano, foi imensa e daí, justifica-se plenamente o seu gabarito profissional nessa área. Aliás, mais um, pois eu sei que ele tem inúmeras qualificações em paralelo, em assuntos diversos e completamente diferentes, portanto, competência e cultura avantajada são seus atributos naturais.

Por fim, apesar de ser um livro técnico para profissionais de alto gabarito, reitero que trata-se de uma leitura em linguagem coloquial, portanto acessível para qualquer pessoa leiga e que, acrescenta informações importantes para todos, visto que ninguém está imune a estar no interior de uma agência bancária, lotérica ou qualquer outro estabelecimento e subitamente estar inserido em um conflito armado por conta de um assalto, algo rotineiro em nosso cotidiano, infelizmente, ou até sob ações terroristas, motivadas por grupos com objetivos políticos, radicais fundamentalistas religiosos, grupos racistas etc. 
Tomara que não, para qualquer pessoa, mas após ler esta obra, ajuda-me saber que a arte da negociação é muito complexa e se um dia eu passar por isso, reconfortar-me-á saber que um bom negociador, munido dessa técnica e treinamento proposto pelo Cristiano, estará a conduzir o processo para resolver o problema.

A apresentação gráfica do livro é muito sóbria e não poderia ser de outra forma, dado o seu caráter pedagógico. Ilustração e lay-out a cargo de Victoria Costa. Revisão por Carlos Augusto Rodrigues Lerina e foto do autor, na orelha do livro, por Saulo Adami. Foi lançado pela Matilda Produções, de Curitiba-PR, em 2016, e editado via Clube de Autores.


O autor disponibiliza um contato via e-mail:


Recomendo a leitura, pois como eu já salientei, na sociedade em que vivemos, toda a informação que visa o nosso bem estar como cidadão, é importante em linhas gerais e neste caso, saber como funciona o trabalho de um negociador pode ajudar-nos a ter tranquilidade, na medida do possível, caso um dia algo nesse sentido ocorra para nós ou a envolver algum ente querido. 

Entre os muitos aforismos ricos que o autor deixou ao longo dos capítulos, encerro esta resenha com um que sintetiza a obra, em minha percepção: “A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar” (Sun Tzu)

domingo, 10 de março de 2019

Livro: Conspiração Andron / Áureo Alessandri Neto - Por Luiz Domingues



No próprio prefácio da obra, o autor menciona que em linhas gerais, o gênero da ficção científica não é muito apreciado no Brasil, em termos literários. 

Quando eu li essa observação, de pronto concordei com a menção, mas ao mesmo tempo, pensei que o problema talvez não fosse o gênero em si, dado o apreço que a juventude brasileira nutre pelos filmes, seriados de TV, games e pelo universo das histórias em quadrinhos, onde o estilo Sci-Fi é predominante. Portanto, elucubrei que a dificuldade maior talvez resida no fato de que a leitura não seja um hábito cultivado pelo povo brasileiro, desde sempre, em decorrência das nossas mazelas estruturais terceiro-mundistas e com forte incidência no campo da educação, ou melhor a explicar-me, a sua recorrente falta.

Bem, reflexão sobre cultura e educação a parte, o que importa aqui é dizer que o livro, “Conspiração Andron”, é uma peça que tem o gênero Sci-Fi como mote, mas vai além, bem além, aliás, pois consegue agregar em sua trama, muitos outros gêneros misturados e muito bem alinhavados por sinal, ao passar pelas teorias da conspiração, meandros dos segredos governamentais no âmbito da militaria, a salvaguardar a geopolítica internacional, uma boa dose de espionagem ao estilo da literatura de Ian Fleming e congêneres, e drama, com doses de romance folhetinesco, mas sob uma dose sutil, certamente, neste último aspecto citado. 

E igualmente contém o espírito da aventura com toques de mistério, permeada por chaves muito bem pensadas a conferir o elemento dos enigmas sepulcrais ao estilo de Indiana Jones e certamente a resvalar em Dan Brown. Em suma, trata-se de uma obra de ficção completa, capaz de prender a atenção do leitor, principalmente por dois aspectos:

1) Por ser eletrizante e suscitar a curiosidade sagaz do leitor e;

2) Por conter muitas chaves e daí forçar o leitor a prestar atenção aos detalhes (portanto, sob tal particularidade, ao acrescentar o gênero da literatura policial, mais um mérito da obra).
Sobre as citações, muitas delas são feitas em latim e é desse próprio idioma, que surgiu o título, visto que a palavra, “Andron”, significa “corredor” (ou passagem), na antiga língua usada no Império Romano. 

A história baseia-se em torno do chamado, “Projeto Andron”, em questão, que é um experimento científico desenvolvido por renomados físicos em torno de um equipamento capaz de abrir um portal através do tempo & espaço e fazer com que pessoas e/ou objetos possam ser transportados de uma localidade a outra em fração de segundos, ou seja, uma possibilidade que poderia revolucionar a evolução da humanidade, desde que não fosse usurpada por interesses escusos. 

Evidentemente que a cúpula governamental e militar tomou a ideia como algo a ser usado com todo o cuidado e já a projetar o seu uso em termos bélicos, tomou o controle total de seu desenvolvimento. E na contrapartida, forças opositoras ameaçam apoderar-se do experimento, naturalmente.

É nesse cenário que a trama desenvolve-se, a envolver personagens que lidam diretamente com o projeto, instalado secretamente em uma localidade remota, em meio a canyons, mediante a aridez do deserto do Novo México, nos Estados Unidos. 

É o caso do cientista, Paul Judd, sobrinho de um cientista agraciado com o prêmio Nobel de física (Dr. Robert Henderson), que leva adiante o legado de seu tio, em torno de tal teoria que ele desenvolvera. No entanto, a trajetória de Paul conturba-se sobremaneira por conta de diversos fatores, inclusive de ordem pessoal a envolver a sua namorada, Christine Murray. Daí em diante, uma trama espetacular a suceder diversos acontecimentos em torno das ações de espionagem, ocorre, com muitas viradas na história, muito bem engendradas pelo autor, por sinal,  ao manter o suspense e a desconfiança do personagem central, em torno das pessoas com as quais envolve-se, inclusive a sua namorada, Christine e cuja particularidade misteriosa em si, não posso revelar para não tirar o prazer da primeira leitura de quem ainda não teve tal oportunidade. O que posso adiantar, apenas, é que as aparências e intenções, sobretudo, enganam e na realidade, Paul Judd não pode confiar em ninguém, a grosso modo e por isso, corre risco de vida, o tempo todo.

Sobre mais um outro mérito da obra, há saltos temporais muito bem planejados a dar sustentação às chaves propostas e isso logicamente ajuda a prender a atenção do leitor, sem dúvida. 

Mais um ponto interessante, Áureo Alessandri Neto deixou claro em seu prefácio que é fã de alguns escritores significativos e entre eles, JJ Benítez. Pois tal influência do famoso escritor espanhol que escreve ficção como se fosse realidade e sucinta a crença ao leitor, de que o que escreve não é uma mera história inventada mas um relato real, eis que o autor conseguiu imprimir igualmente em sua obra, tal intento. Por ser engenheiro em sua formação e um apaixonado por literatura Sci-Fi, Áureo usou várias referências científicas e escreveu de uma forma a conferir credibilidade, portanto o leitor empolga-se também por esse aspecto, por sentir que não trata-se de uma fantasia a esmo, mas por ser induzido a crer no que lê, como se fosse a realidade, ou seja uma marca nos livros de Benítez, igualmente, portanto, a sua influência confessa a expressar-se. E mais um ponto importante, tudo isso é feito com linguagem coloquial, sem rebuscamento, portanto, apesar de usar termos científicos e também recorrer aos aforismos em latim, Áureo escreveu de uma forma muito elegante, porém acessível ao grande público.

Mais um aspecto que impressionou-me positivamente, foi o senso das reviravoltas na história que o autor criou em seu romance. A usar de técnica literária, o seu roteiro foi muito bem elaborado a garantir a emoção, do começo ao final. Mais uma nuance, os capítulos são curtos ao induzir o leitor a nutrir a curiosidade para avançar mais e mais, e assim configurar uma estratégia perfeita para manter o ritmo frenético do desenvolvimento da trama. Trata-se de uma obra que facilmente poderia ser adaptada como roteiro para o cinema e ouso dizer, Áureo já o projetou com tal intenção deliberada, ao mostrar-se semi pronto para ganhar as telas e certamente a resultar em um ótimo filme, com muita ação e mistério.

Sobre o projeto gráfico do livro, trata-se de mais um livro muito caprichado para o portfólio da Editora Chiado, que aliás, notabiliza-se por ser uma editora aberta e incentivadora dos autores novos na literatura de língua portuguesa. 

Sob a arte de Prasad Silva, vê-se uma belíssima ilustração que sugere a ideia do espaço-tempo, o mote da história, sob tons sóbrios, mas muito bonitos a transitar entre o azul e o verde, predominantemente. O lay-out gráfico ficou a cargo de Vera Sousa. Edição de Vitória Scritori e a revisão, providenciada pelo próprio autor, Áureo Alessandri Neto.

Áureo é um grande músico, também, e aliás, eu o conheci inicialmente por tal campo de atuação, ao interagir com ele na cena musical paulista-paulistana-brasileira, ao vê-lo a atuar como guitarrista; cantor e compositor em bandas tais como: The Blues Riders e Delta Crucis. 

Eu sabia de sua atuação na engenharia em paralelo à carreira artística, sendo um especialista em questões ferroviárias e já o admirava por tais atributos, portanto, quando soube que também revelara-se como um escritor ficcional, fiquei muito feliz por tomar conhecimento de mais uma faceta de sua versatilidade. E quando li a obra, não surpreendi-me inteiramente com a qualidade do texto que criou, pois já sabia de sua potencialidade intelectual e cultural, entretanto, tal leitura só fez aumentar ainda mais a minha admiração pelo artista.

Obra consistente, muito bem escrita e com diversas qualidades literárias reunidas em um livro só, eu recomendo a sua leitura, sem dúvida. A obra encontra-se disponível nas boas casas do ramo, no setor tradicional das lojas físicas; também em alguns portais para venda virtual e no site da editora Chiado: 

www.chiadoeditora.com