segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Filme: You Are What You Eat - Por Luiz Domingues


Após o advento do “Human-Be-In”, e do festival de Monterey Pop, eventos fortes que definitivamente marcaram o "verão do amor" em 1967 (verão no hemisfério norte do planeta, bem entendido), multiplicou-se de uma forma geométrica a profusão de filmes, documentários e até animações a buscar retratar o movimento hippie, a extrapolar inclusive as fronteiras da música e de outras áreas da atuação artística e cultural, todavia a enfocar sobretudo, a repercussão sócio/comportamental que o movimento gerou, espontaneamente e é bom frisar, de uma maneira avassaladora.
Dessa forma, em meio a tantas peças audiovisuais interessantes, produzidas com tal teor, entre a metade dos anos sessenta e a metade dos anos setenta, uma delas foi: “You Are What You Eat”, lançada em 1968, ou seja, em meio ao furacão dos acontecimentos ainda em curso e portanto, a capturá-lo sob o frescor de sua força popular. Dirigido por Barry Feinstein, teve entre alguns produtores associados, a figura de Michael Butler, ou seja, o produtor da peça teatral, “Hair” que estrearia nesse mesmo ano de 1968, e que seria um fenômeno contracultural a difundir o ideário Hippie, dali em diante.
Sobre “You Are What You Eat”, ele foi anunciado como um semi-documentário, a denotar ser uma peça híbrida a não apenas documentar fatos como uma revista audiovisual comum, mas a interpretar, embora não haja nenhum dramaturgia envolvida, ou seja, a passar uma impressão interpretativa ao espectador, por mais sutil que seja tal prerrogativa, observo. 

Trata-se na prática, de uma colagem de imagens e situações a mostrar o fenômeno hippie que invadira as ruas, através de muitas personagens anônimas e outras, pelo contrário, bem conhecidas, pelo bem (muitos artistas da música), ou até pelo mal, caso do drugdealer (traficante de drogas), conhecido pelo sugestivo apelido de : “Super Spade”, todavia, até aí cabe a ressalva de que se eu descarto a ideia em fazer apologia às drogas, certamente, não posso deixar de registrar que tal persona, apesar de exercer tal função apócrifa, foi também uma figura folclórica no famoso quadrante, Haight/Ashbury, o epicentro do movimento Hippie na cidade de San Francisco/Califórnia. 

Impressiona ver a euforia espontânea dos jovens (e alguns não tão jovens assim, misturados), pelas ruas, a cantar, dançar e brincar, ou seja, verdadeiramente a viver um sonho lúdico. 
Mescla-se com cenas em casas noturnas sob uma vibração absolutamente psicodélica, ao som de bandas de Rock, em meio a uma explosão de luzes e bolhas multicoloridas projetadas pelas paredes. São muitas as cenas também capturadas em contato com a natureza, tais como praias, montanhas e no deserto rochoso da Califórnia, onde mostra-se uma incrível cena com músicos a produzir um som primitivo, eminentemente percussivo, a sugerir algo tribal, mas certamente que a celebração ali fora apenas algo a produzir uma euforia natural e de forma alguma ligada a qualquer orientação religiosa; seita; organização secreta e que tais. 

Mostra-se interessante o contraponto, onde algumas cenas pinçadas de shows realizados pelos Beatles, em 1965, foram inseridas. Aquela histeria, com jovens a berrar freneticamente, enquanto outros corriam para chegar próximos ao palco e eram contidos por policiais atônitos, certamente foi anexada ali para marcar uma alegoria, talvez a criticar a massificação imposta pelo sistema, possivelmente. Há um “frame”, inclusive, onde destacou-se uma garota a chamar pelo nome do baterista, Ringo Starr, quase como uma súplica desesperada.
O cantor, Tiny Tin, canta, e a sua figura que era bem caricata, normalmente, acentua-se pelo gestual e sobretudo pela sua insistência em cantar em falsete (recurso usado por cantores a imitar cantoras, ao forçar cantar com um registro agudo, feminino), a deixar a sua performance bastante indigesta, mas convenhamos, esteve acompanhado por uma banda espetacular, simplesmente com muitos membros da “The Band”, a acompanhá-lo. 

Outras participações musicais são excelentes, tanto como aparições efetivas, quanto a soar simplesmente como trilha sonora. Casos de David Crosby, Peter Yarrow (do trio Folk, Peter; Paul & Mary e coprodutor desse filme), Paul Butterfield, Eleanor Barooshian, Harpes Bizarre, John Simon e uma eletrizante participação de Frank Zappa, a tocar junto com a ótima banda, The Electric Flag. 

Ainda a falar dos aspectos musicais, a intervenção do sintetizador, Mini Moog, foi uma das primeiras a registrar-se, ao demonstrar um campo sonoro inteiramente novo e considerado como algo “futurista”, na ocasião, portanto a despertar um interesse a mais para tal peça audiovisual. 

Há também o lado mais pesado, com hippies fora do controle a demonstrar estar sob alucinação total, porém a revelar o aspecto da dita, “Bad Trip” e também os debochados de plantão, mas aí é questão de índole pessoal, e não seria possível cobrar um comportamento padrão para todo mundo, aliás, como em qualquer circunstância em âmbito social. 

E mais um aspecto, o lado esotérico que o movimento deflagrou, a revelar-se através de vários signos inerentes, tal como a meditação transcendental. Mais festivais de Rock ao ar livre são mostrados, com típicas dançarinas colocadas em plataformas suspensas e muitos freaks a ostentar pinturas psicodélicas, feitas in loco, pelo corpo todo e isso chocava fortemente a sociedade tradicional da época (tanto quanto o advento dos cabelos longos por parte dos rapazes), isso eu asseguro, por lembrar-me das opiniões dos adultos que cercavam-me em 1968, e apesar de ter tido apenas oito anos de idade na ocasião, eu simpatizava fortemente com os hippies, em contraponto aos adultos conservadores que os execravam.
Contém igualmente a presença de Rosko, que foi um DJ famoso na época e certamente que a insistência em mostrar uma ilustração a conter a face da veterana e então reclusa atriz hollywoodeana, Greta Garbo, teve a sua intenção implícita em favor da glamorização de sua imagem como um fenômeno Pop redescoberto, algo inclusive em sintonia com a Art Pop no ramo das artes plásticas, praticada por artistas avantgarde tais como: Andy Warhol e Lichtenstein, na mesma época.
É isso, trata-se de um retrato muito interessante da época, a mostrar com liberdade, muitas nuances do que foi a euforia gerada pela sensação de liberdade total que o movimento hippie proporcionou e certamente cercado de boa música, sob diversas vertentes, mas com o Rock a trabalhar como carro chefe. Mais que isso, é um bom retrato do que foi o ano de 1968, sob esse ponto de vista mais agradável, visto que geralmente as pessoas em geral tendem a lembrar-se desse ano em específico, pelo seu aspecto político, e convenhamos, nesse sentido, houve acontecimentos dramáticos em todo o mundo, praticamente e no Brasil em específico, a barra pesou.

“Você é o que você come”, é uma frase e tanto para exemplificar muitas características do Ser Humano e da civilização como um todo. Portanto, “You Are What You Eat”, é um bom semi-documentário para qualquer pessoa que nutra simpatia pela contracultura e também para historiadores e estudiosos sobre o período. 

Produzido por Michael Butler; Barry Feinstein e Peter Yarrow, com a participação dos produtores associados, Phil Ramone e A. Joseph Tandet. Direção de Barry Feinstein. Foi lançado em 1968. 

Circunscrito ao circuito de cine-clube, não teve penetração na TV, ao menos que eu saiba. Há cópia disponível no YouTube, no entanto, neste instante de 2019, e também no formato DVD, para quem quiser colecionar. 
Este livro foi escrito para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" e está alojada em seu volume I, disponível a partir da página 418