sábado, 17 de setembro de 2016

Ep Sol Entre Nuvens / Vento Motivo - Por Luiz Domingues


Prolífico e profícuo, são dois adjetivos que cabem bem ao Vento Motivo, um grupo de Rock que já tem uma carreira de respeito, currículo e muitas histórias para contar. Todavia, como se não bastassem tais predicados tão positivos, creio que o Vento Motivo tem ainda mais a oferecer e tal grupo prova isso a cada lançamento que anuncia.

É o caso do seu novo EP, recém saído do forno, e denominado: “Sol Entre Nuvens”.

Tal nova obra fonográfica, começa muito bem com: “Tenha Fé na Estrada”, a se tratar de uma canção com múltiplos atrativos, musicais e poéticos. Com várias mudanças de andamento e climas insinuantes, chama a atenção pelo mapa pleno de nuances e um excelente arranjo. 

Gostei muito do sabor Country-Rock do seu início, com acordes soltos na guitarra base, acentos de baixo; bateria e teclados muito empolgantes e um delicioso backing vocals, a la sixties, ao estabelecer um “Tchu Tchu Tchu” bem Bubblegum. O refrão cai em um blues vigoroso, muito bem apoiado pelo poderoso órgão Hammond, ora a alternar o compasso de 6/8, com 2/4, a mostrar uma riqueza rítmica admirável. O solo proporcionado por Marcião Gonçalves é melodioso, belíssimo e arranca suspiros, até conduzir a música a um final épico.

Como de praxe nos trabalhos do Vento Motivo, as melodias são muito caprichadas e as letras muito sofisticadas, por uma razão que não é toda banda que pode ter esse luxo, ou seja, há um poeta nato em suas fileiras.
Fernando Ceah tem uma capacidade ímpar para escrever e expressar com rara poesia o cotidiano.

Não dá para não ficar empolgado quando ele diz coisas como: "Era só mais um Bob Dylan paulistano, vagando no asfalto do cotidiano sobre rodas possantes, jogando aos porcos, diamantes"...

E através de um trecho adiante, quando fala: "Se o desamor aponta o canhão, e o desarmado acaba no chão, e resolveu então fazer a sua parte, a nobre arte de cuidar da própria vida". Tremendo recado, hein?

E ainda houve tempo para deflagrar mais uma verdade: "Tenha fé na estrada, não importa quem deu a partida. Quem deu a largada... não importa ganhar a corrida, o que vale é a chegada"... ou seja, uma cajadada nos pessimistas que gastam o dia inteiro na Internet a publicar o indefectível, "mimimi".

A segunda faixa tem uma releitura que cabe bem na postura artística do Vento Motivo. Quem, senão, Guilherme Arantes, teve a capacidade de ser Rocker, Pop e poeta, tudo ao mesmo tempo?
Não há como negar que Fernando Ceah tem muito dessa vibração do velho mestre Arantes e assim, a releitura de "Um Dia, um Adeus", encaixa-se como uma luva. 

O começo em estilo Reggae, é muito bem tocado e a mescla com a outra roupagem mais condizente com a versão original do Guilherme Arantes é uma boa sacada do arranjo. Gostei muito da linha de baixo e do seu timbre, e isso fica bem acentuado quando Ivan Soldi busca um andante bem engendrado. Novamente o apoio do órgão Hammond foi fundamental. Apreciei muito da batida bem criativa na caixa e da estratégica "queixada", contribuições ótimas do criativo baterista, Binho.  E mais uma vez o convidado, Marcião Gonçalves, brilha (e quando que ele não brilha em tudo o que faz?), com um timbre de guitarra de tirar o fôlego, no seu solo. 

Chegamos à terceira faixa, que dá título ao EP, "Sol Entre Nuvens". Com um belo violão batido, dá o ar folk muito bonito e quando a banda entra junto, fica tudo muito "sixties", com aquele colorido todo a trazer o aspecto lúdico. Mesmo por que existe um efeito mezzo Leslie na guitarra, e aí, é como estar com Willy Wonka a passear em uma incrível fábrica de chocolates. Tudo bem que o refrão é meio oitentista, com batida de ska, e particularmente eu não gosto dessa estética, mas há o solo duplo de guitarra que busca o "lado Brian May", que o Marcião traz consigo e... como isso é bonito...

E Ceah, sempre a mandar recados fortes através da sua poesia: "Uma corrente de ar, a areia molhada sob os pés descalços. Será que ainda sei discernir nossas quatro estações"?

"Arma de Brinquedo" tem sabor de música de raiz, não só pela obviedade do acréscimo do acordeon executado por Thadeu Romano, mas por uma feliz conjunção de ideias bem resolvidas dentro desse arranjo. Guitarras e violões passeiam em delicadas tessituras de arpejos e harmônicos muito descolados. O baixo faz glissandos muito bonitos, com bicordes e a batida da bateria é deveras inspirada, com o uso dos tambores muito bem pensados, a mesclar-se com momentos de batida seca, precisa. A harmonia dessa canção é muito bela, ao oferecer ao Ceah, a oportunidade de ter criado uma melodia Pop de alta qualidade. É uma canção pronta para figurar em uma trilha de novela rural, daquelas que fazem sucesso às 18 horas, apesar de deter um título inusitado e que contrasta com a sua singeleza. É impossível não destacar mais uma vez a poesia de Ceah. Ele começa bem forte, a contrastar com a doçura da canção: "Ela atirou em mim sem nenhuma maldade, sem saber que a arma de brinquedo era de verdade"... depois entra firme na "DR": "E se eu falei o que não era para ser dito, diz qualquer coisa, que em você eu acredito"...

Mas essa música tem um defeito, sim... é tão bonita que é imperdoável que seja tão curtinha...

Para fechar esse trabalho, o Vento Motivo apresenta: "Nem Tanto ao Céu", um Rock mais vigoroso, quase um Hard-Rock, eu diria, em alguns aspectos. Com um baixo bem agressivo e bem tocado, e vários acordes de guitarra soltos, lembrou-me o The Who em sua volúpia. E como é uma marca registrada do trabalho do Vento Motivo, as junções incomuns de partes surpreendem mais uma vez. Um refrão absolutamente festivo, com ares circenses, como se os ouvintes fossem teletransportados para um Parque de Diversões, é muito agradável. E certamente que as palmas a reforçar a percussão nesse momento, ajudam nesse fator alegre. Binho brilha mais uma vez com belas batidas e viradas na bateria.

Ceah canta com vigor algo mais atual do que nunca, ao enfocar os ânimos acirrados dos brigões virtuais: "Mas acabo navegando pelas redes sociais, tentando desviar do assunto que ofende mais. E quando a paciência está mais curta que o pavio, parece mais prudente abandonar esse navio"...

E vai adiante a cantar: "Não importa a fortuna, não importa o vintém, Entre o certo e o errado, o esperto e o culpado. O desejo e o pecado, há todo um aprendizado. Então não compro briga por um
mísero trocado, por que nunca tem razão quem não enxerga o outro lado"... 

E finalmente, chega a uma conclusão sensata: "Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno. As vezes faz frio no verão e também faz calor no inverno. Chame alguém pelo nome, só o amor é moderno.

"Sol Entre Nuvens" foi gravado no Estúdio Curumim de São Paulo, com Luizinho Mazzei a pilotar o console da nave. A mixagem ficou a cargo do "lampadinha", no estúdio "Casa do Lampadinha".
Fotos sóbrias da banda compõe o visual da capa em clicks de Marco Estrella, que capturou a banda a posar em uma estrada deserta, perto de uma represa e em meio à construções antigas, possivelmente em locações interioranas. E houve também o apoio de Vanessa Anchieta em algumas imagens.
Ouça acima na íntegra o novo trabalho do Vento Motivo, o EP: "Sol Entre Nuvens"

Um ótimo áudio como resultado final, a mostrar a nova formação do Vento Motivo, agora como trio, com Fernando Ceah (Voz; Guitarra e Violão); Binho (Bateria e Percussão) e Ivan Soldi (Baixo). Participaram do disco como convidados, os excepcionais: Marcião Gonçalves, que tocou guitarra em todas as faixas e brilhou como de praxe; Rodrigo Hid, persona que fica até chato eu elogiar, pela nossa jornada tripla de carreiras compartilhadas, ao perfazermos vinte anos de parceria. Como sempre, Hid manejou o Hammond como se deve, em toda a sua glória sessenta/setentista, e também o acordeon inspirado de Thadeu Romano. 

Em síntese: trata-se de mais um ótimo trabalho do Vento Motivo a ser espalhado ao máximo que pudermos, em todas as brechas das nuvens, em todos os raios do sol.  

domingo, 11 de setembro de 2016

Filme: My Boyfriend's Back - Por Luiz Domingues


O Rhythm and Blues, ou mais conhecido pela sua abreviatura, “R’n’B”, foi uma corruptela cunhada pela revista Billboard, nos anos 1940, para classificar um derivado do Blues que detinha características mais comerciais, no bom sentido do termo, por ser, digamos, mais palatável ao público em geral, notadamente a audiência das pessoas com a etnia caucasiana nos Estados Unidos. Mais que isso, R’n’B, passou a denotar um tipo de música Pop, e dotado de um forte poder dançante,  com raiz negra, e dotado de um forte poder dançante, mas aberta também a abraçar o romantismo de certa forma.
No entanto, foi a partir de meados dos anos 1950, que tal vertente ganhou força e ao tornar-se muito popular, explodiu através das emissoras de rádio e na TV, para lançar dúzias de artistas e entre eles, muitos que se consolidaram icônicos para a história da música mundial.
Doravante professado em maioria pela população negra, do R’n’B derivou a Soul Music e o Funk, e nem vou perder tempo nesta resenha para explicar a questão do "Funk" que cito, ser o “verdadeiro” e não o simulacro, cuja nomenclatura foi usurpada décadas depois etc. 

De volta ao cerne da questão, em meio à explosão dos artistas R’n’B na década de cinquenta, notabilizou-se alguns artistas solo, cantores e cantoras, mas o formato mais usual para os artistas dessa vertente, foi em torno de grupos vocais masculinos e femininos, para variar as suas formações entre trios; quartetos e quintetos, predominantemente. Em sua maioria esmagadora, foram grupos formados por pessoas negras, mas depois da explosão do Rock’n' Roll (este a poder ser considerado um irmão caçula do R’n’B e filho do Blues, igualmente), eis que a plateia branca havia aderido em massa ao estilo, e claro, não demorou para aspirantes a artistas formarem seus grupos vocais nesse estilo, mas sendo criados por rapazes e moças da raça ariana.
Quando começou a surgir grupos vocais nessas características, formados por jovens brancos, houve também uma certa diluição, ao criar-se um tipo de R’n’B um pouco diferente do original, mais diluído ou açucarado, pensemos assim, por ser mais Pop em sua atribuição, ainda que normalmente praticado pelos artistas negros. Portanto, grupos formados por jovens brancos sorridentes a usar "sweaters" comportados, e parecer-se com formandos para apresentar-se em festas da High School, quando não em seus famosos “Proms”, os bailes de formatura que tem significado muito importante na cultura dos norte-americanos e tirante o horror movido a humilhação de “Carrie, a Estranha”, o evento do Prom, normalmente é o dia mais esperado por rapazes e moças adolescentes em vida escolar, ao justificar ficar-se o ano todo a pensar nele, no sentido das expectativas juvenis em torno de imaginar-se com quem a pessoa vai fazer par e sonhar em ser parte do casal consagrado como “Rei e Rainha” do baile, em seu ápice. 

Pois é nesse clima de “R’n’B de branco”, para tocar-se em bailes "Pom", mais proeminente ao final da década de cinquenta e começo dos anos sessenta, que concebeu-se a história de um grupo vocal feminino fictício, chamado: “The Bouffant’s” (“as toucas”, para fazer menção aos penteados exagerados e armados desse começo de década, e que quase todas as garotas norte-americanas usavam no seu cotidiano).
Aqui, cabe salientar que o termo “fictício” é parcial, pois tudo gira em torno da reunião do trio vocal a convite de uma emissora de TV que deseja realizar um especial nostálgico sobre esse breve período da história da música norte-americana, e a contar com alguns de seus expoentes para cantar ao vivo em um palco de um Night Club.
Causa uma certa estranheza portanto, pois se “The Bouffant’s” é um conjunto vocal fictício, e por conseguinte, tudo gira em torno da canção que vão apresentar nesse especial e que seria o seu principal sucesso lançado em 1962, denominado “My Boyfriend’s Back” (aliás, o título do filme), para quem acompanha a história da música Pop norte-americana, sabe bem que essa canção é um sucesso real, e não inventado para o filme e fez a fama de um grupo verdadeiro daquela época, chamado : “The Angels”, formado por três garotas brancas.
No "still" acima, uma imagem do grupo vocal real, "The Angels", cuja música, "My Boyfriend's Back", fez sucesso em 1963
 
Então o filme é uma biografia do “The Angels”, mesmo velada? Pois aí é que está a confusão, pois não é o que parece, mesmo subliminarmente. Ao passar a imagem de ser uma obra fictícia, não há nenhum indício de que os produtores tenham tido a intenção de mencionar o trio verdadeiro, mesmo de longe, mas apenas usou-se a canção para dar mote à produção, sob uma interpretação livre e sim, fictícia da história.
Tudo bem, estamos diante então de uma história inventada sobre um grupo R’n’B vocal e feminino dos anos 1950/1960, mas não ambientado nessa época, e sim, ao enxergar pelo lado das artistas envelhecidas, ao tratar-se de um show em tom de reunião saudosista, ao final dos anos 1980. 

Portanto, a minha dose de paciência como espectador, pôs-se a diminuir na medida em que o mote mais interessante diluiu-se cada vez mais, porém, entusiasta da música que sou, e especificamente do R’n’B; da Black Music em geral e desse período da história (refiro-me à décadas de cinquenta e sessenta, deixo claro), arrisquei assistir, por que haveria por conter alguma menção salutar, nem que fosse uma eventual cena a conter uma memória, com um das senhoras protagonistas da história, a relembrar fatos de sua juventude e da carreira do grupo (isso na verdade, só ocorre e bem de leve, nos créditos iniciais do filme, infelizmente).
Com essa expectativa e esperançoso de que no mínimo a música haveria de salvar a experiência ou paciência em perder-se noventa minutos para assistir, infelizmente os minúsculos lampejos desses fatores citados, não abonam o filme como um todo.

Senão vejamos: a começar pelo roteiro, o filme é permeado por clichês típicos de obras baseadas em cinebiografias a focar na carreiras de astros musicais. O primeiro ponto é retratar a abordagem do produtor da TV, Harry Simon (interpretado por John Sandford), para cada senhora remanescente do grupo. Pois a realidade ao final da década de oitenta, é bem diferente das vividas pelas três adolescentes de 1962, portanto, o que poderia render boas piadas ou drama, mais parece enredo de “Soap Operas”, os novelões insuportáveis dos norte-americanos, que chegam a ser mais cafonas que as nossas novelas e até mesmo que as novelas mexicanas, geralmente hors concours nesse quesito.
Sim, uma dessa personagens, Vicki Vine (interpretada por Judith Light), ainda canta e sobrevive da música, mas completamente decadente, costuma ganhar a vida a apresentar-se em um salão de boliche, a cantar covers, acompanhada de um tecladista patético e para ser retumbantemente ignorada pela plateia formada por boçais que só prestam atenção no serviço de alto falante do estabelecimento, que fornece informações sobre o funcionamento das suas pistas. 

Já foram produzidos inúmeros filmes para abordar artistas decadentes a lutar contra os seus fantasmas interiores e a humilhação de estar no limbo e na miséria, muito melhores, com profundidade psicológica e poesia, caso por exemplo do palhaço, Calvero, interpretado por Charles Chaplin em “Luzes da Ribalta” (“Limelights”), e para citar um exemplo mais moderno, o filme, “Birdman”, com a boa atuação do ator, Michael Keaton. 

Mas em “My Boyfriend’s Back”, o mote é mal explorado, com bastante superficialidade e nem através dos momentos que deveriam ser engraçados, funciona, com algumas piadas que no máximo, arrancam um sorriso tímido de quem assiste, para não dizer constrangimento em tom de "vergonha alheia".
A seguir em frente, a segunda senhora do grupo é Chris Henry (interpretada por Sandy Duncan), que se tornou uma dedicada dona de casa, mãe de família e que encara a carreira como algo do passado, um devaneio da juventude, plenamente superado, portanto. Moderada, tem uma atitude realista como mãe de família sensata, mas quando recebe o apoio do marido, sente-se segura a aceitar o convite para a reunião.
E a terceira componente é Deborah McGuire (interpretada por Jill Eikenberry), e esta senhora tem vergonha de seu passado como artista, visto ser agora uma mulher de negócios bem sucedida e nesse mundo corporativo, a mentalidade é assim mesmo, ou seja, tendem somente a valorizar o mundo dos negócios e apenas respeitam artistas, se eles forem mega populares e denotam isso em dinheiro conquistado, portanto, essa é a única aferição de sucesso que essa parcela da população, entende. Deborah é a mais relutante, pela evidência até do que descrevi acima, mas finalmente, mediante a insistência da parte dos produtores, e das ex-companheiras, ela é convencida pelas colegas de que seria divertido conviver juntas por duas semanas, ao considerar-se os ensaios e compromissos de imprensa prévios até participar do evento. 

Nesse ponto, ainda estamos a esperar algo que remeta ao R’n’B cinquenta/sessentista, mas a atmosfera é mesma na ordem dos ares oitentistas e tudo é aborrecido ao extremo. Até as menções à música antiga, são decepcionantes, visto ser retratadas pela ótica dessa década e aí que perdoem-me, mas como músico, é insuportável aguentar aquele padrão de áudio típico dessa época... não dá para ouvir som de bateria com “dez toneladas” de reverber, teclados com timbres indecentes; guitarras chochas etc. Perdão pelo desabafo, mas se você que estiver a ler esta resenha for músico, há por entender-me...
Daí em diante, o filme prossegue a tropeçar nos clichês. As diferenças de outrora entre as agora senhoras, mas que foram jovens em 1962, voltam à baila. Nos ensaios, as senhoras demonstram que tirante a personagem, Vicki, que continuou a cantar profissionalmente, as demais enferrujaram e tal discrepância explode quando Deborah, que era a cantora principal do trio nos tempos áureos, não desempenha bem nos ensaios e os impacientes produtores sugerem a substituição, com Vicki a assumir o “lead vocals” e Deborah a unir-se a Chris, nos “Backing Vocals”. Mais que uma troca de posições meramente a pensar-se no desempenho vocal melhor do conjunto, isso suscita problemas. 

Escancara-se por exemplo a inveja que Vicki sempre nutriu em silêncio, por Deborah brilhar mais, nos tempos de outrora, por ter sido a cantora principal e considerada a mais bonita pelos fãs e imprensa. E por sua vez, Deborah que não estava mesmo tão confiante nessa reunião do grupo, faz as malas de madrugada e deixa o clássico “bilhetinho” sobre a mesa, e assim, dá-lhe novelão... 

Bem, segue o curso do folhetim, com as demais desapontadas a voltar para as suas vidas no cotidiano e no caso de Vicki, a lutar para retomar o seu emprego no Boliche, ao agregar mais humilhação por esse detalhe, inclusive. Todavia, Debbie arrepende-se... e propõe voltar e cumprir o compromisso. 
Uma catarse íntima e básica entre as três, acontece, onde até a normalmente ponderada, Chris, queixa-se por ter sido sempre a apaziguadora das brigas surgidas entre elas, portanto costumeiramente a apartar as brigas e não ser devidamente reconhecida pelo seu sacrifício na época e agora também, nessa reunião.
Todavia, tudo caminha para o final feliz, com a realização do show ao vivo pela TV, direto de um Night Club. 

Nesse instante, o que restar-me como expectativa para haver algo realmente significativo  que dignificasse o R’n’B, frustrou-me como espectador que perdeu tempo a esperar por algo a mais, visto que nem as participações de artistas veteranos reais dessa cena de 1962, dentro desse gênero (The Penguins; Mary Wells; Gary Puckett; Peggy March e Gary Lewis), chega a empolgar, visto que a sonoridades apresentadas no filme, é  feita sob arranjos e timbres típicos dos anos oitenta e aí o ouvido é bastante machucado (eu não tenho nada contra o efeito do “reverber” em si, mas nunca nesse patamar cavalar com o qual era usado pelos produtores musicais dessa década... falem sério, senhores produtores musicais oitentistas : vocês realmente achavam “bom” acrescentar essa gosma insuportável que colocavam na mixagem final das canções que produziram?).
Enfim, além da decepção pelos arranjos e timbres a assassinar o R’n’B, o mau gosto absoluto impera na questão visual. O tal show parece um reedição do “Clube dos Artistas”, de Ayrton e Lolita Rodrigues, de tão cafona que é nos figurinos; adereços e cenários. Tudo bem que o norte-americano médio tem uma mentalidade cultural ao estilo “SBT” (na verdade é o contrário, eu sei), elevada ao cubo, mas tudo tem limite, até para shows Kitsch em cassinos de Las Vegas...
E assim, clichê dos clichês, o final chega, a culminar com o sucesso do grupo nessa empreitada, a propiciar que Vicki tenha um lampejo de consciência, segundos antes de entrar em cena, ao entregar o microfone para Deborah reassumir o vocal solo. 

E no palco, as três empolgam-se com a boa receptividade do público, e estabelecem uma apresentação como nos velhos tempos, ao menos na empolgação, ao interagir entre si, positivamente a demonstrar estarem felizes pela reunião.


Certo, trata-se de um "TV Movie" (filme especialmente produzido para a exibição em emissoras de TV), mediante baixo orçamento e concebido para ser visto na sala de recepção do dentista, em um dia útil, no período vespertino, eu sei, mas ao pensar em "Rock Movies", ou quase isso, visto ser outra ambientação musical paralela mas igualmente interessante, quando soube de sua existência, é claro que interessei-me em vê-lo e por tal oportunidade, criei uma expectativa maior. De fato, na perspectiva em enfocar-se uma manifestação artística interessante de um período rico da música mundial, mesmo sob o prisma deslocado para outra época e a mostrar os seus artífices envelhecidos e sob outro cenário, poderia ter sido melhor explorado. Sobra alguma coisa positiva, então?
Sim, a música: “My Boyfriend’s Back”, que dá título ao filme e justifica a sua existência, é muito boa, mas como já observei anteriormente, após ouvi-la com aquela roupagem oitentista, o melhor é fazer é correr para o YouTube e procurar ouvir a gravação original do grupo vocal, The Angels”, e esquecer aquele maldito reverber paquidérmico...


O filme foi lançado em 1989, e recebeu críticas moderadas da imprensa. Hoje em dia, muitos críticos dizem que Tom Hawks viu e analisou bem os erros dele para compor o seu: “That Thing You Do”, cinco anos depois. Faz sentido, e se for verdade, o velho Hawks fez a sua lição de casa direito, pois não há termos de comparação entre ambos, visto ser o seu filme, muitíssimo superior. Mesmo com a abordagem diferente, eu sei, ao ambientar-se em 1964, e mostrar a briga (no bom sentido), entre as bandas britânicas e norte-americanas de Rock ("British Invasion x American Reaction").
Para encerrar, o roteiro foi escrito por April Campbell e Bruce Jones. A direção ficou a cargo de Paul Schneider, um diretor especializado em TV, com longa lista de trabalhos realizados em seriados, tais como: "Baywatch"; "Beverly Hills 90210" (conhecido no Brasil como : “Barrados no Baile”), "L.A. Law" etc. E por falar nisso, as três atrizes protagonistas são atrizes recorrentes na TV norte-americana, a demonstrar um currículo enorme de seriados e programas de variedades realizados, para cada uma delas. Foi lançado em setembro de 1989.
Acrescento alguns atores não citados ao longo da resenha e que participaram: Alan Feinstein (como Bobby Henry), Robert Costanzo (como Nick), David Bowe (como Eddy, e o nome desse ator geralmente é confundido com o astro do Rock britânico, David Bowie, e claro que não é a mesma pessoa, embora Bowie tenha sido ator, também. Além da grafia do nome ser sutilmente diferente, por conta da falta de uma letra {a letra"i"}, este rapaz é norte-americano e figura recorrente em telemovies e seriados de TV norte-americanos), Carol Gustaffson (como Millie), Stewart Nesbit (como Art), Kenneth Lloyd (como Donald), John Patrick Wagner (como o apresentador de TV) e outros.

Como eu já salientei ao longo da resenha, este filme ficou restrito ao circuito de TV e mais tratado como um drama leve do que um Rock Movie, e foi programado para ser exibido em sessões vespertinas, a clássica "sessão da tarde", mesmo. Desconheço a existência de sua versão em VHS, mas existe cópia em formato DVD. Na Internet, nos dias atuais de 2016, é encontrado com facilidade no YouTube. Se eu recomendo?

Ouça acima, a versão original de: "My Boyfriend's Back, com The Angels


Bem, se você não estiver a fazer nada absolutamente melhor e tal obra passar em um canal de TV aberta, cujo monitor se encontrar fixado na parede, e a recepcionista do seu dentista ainda não autorizou-lhe a entrar no consultório...

Esta resenha foi revista e ampliada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll e pode ser encontrada através de seu volume I, a partir da página 357

 

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Livro: Um Brilho nas Sombras / Walter LP Possibom - Por Luiz Domingues




Vivemos um momento auspicioso na literatura voltada ao campo musical, com um grande número de livros sendo lançados, a abordar inúmeros aspectos dessa forma de arte. A maioria centrada em biografias ou autobiografias de artistas de várias vertentes musicais e quase todos são leituras permeadas por curiosidades muito interessantes da carreira desses grandes artistas, a tornar a sua leitura, algo muito estimulante aos seus fãs. Especificamente a citar o universo do Rock, o fenômeno repete-se, e claro que é muito bem-vinda essa safra de lançamentos a rechear as prateleiras das livrarias brasileiras.


Para ir de encontro à essa premissa, eis que tomo conhecimento que um amigo pessoal meu, que reputo ser um dos maiores agitadores culturais na cena Rocker da cidade de São Paulo, anunciou o lançamento de um livro de sua autoria.

Walter LP Possibom é músico e um blogueiro da pesada, super atuante nas redes sociais da Internet. Fora o fato de ser médico e perito judicial, portanto já ter experiência pregressa como autor de livros técnicos publicados, e assim, claro que de antemão a minha expectativa sobre este livro anunciado, foi a melhor possível, visto que não foi uma novidade que haveria de ser bem redigido.


A grande questão foi: qual seria o teor de seu livro? Seria um compêndio sobre o Rock? Ensaio; tratado, biografia de algum artista que ele admira, ou a sua própria autobiografia? Nada disso, Walter anunciou o lançamento de um romance chamado: “Um Brilho nas Sombras”, que segundo o próprio autor, trata-se de uma história fictícia, ou como usou como subtítulo: “Uma Fábula de Rock and Roll”.

Ótimo, que maravilha, eu pensei... uma abordagem diferente, para fugir do padrão normal dos livros que temos visto a falar sobre o Rock. E naturalmente que a minha curiosidade foi despertada para descobrir o que Walter desenvolvera como um romance ambientado pela atmosfera do Rock and Roll.


“Um Brilho nas Sombras” conta a história de um jovem que descobre no Rock, um sentido para a sua vida e justamente por tornar-se Rocker, descobre o sentido do amor. A grande teia de acontecimentos encadeados nessa saga, sustenta a história com desenvoltura, e Walter soube construí-la muito bem. A atenção do leitor é fisgada sem parcimônia desde o seu início de narrativa e isso é um mérito que nem todo romancista consegue realizar a contento. Portanto, já é um ponto no placar, mas que vale por muitos. Para falar da história em si, mas sem contá-la inteiramente para não estragar a expectativa dos leitores que ainda irão degustá-la , “Um Brilho nas Sombras” conta a trajetória de um casal formado pelos jovens apaixonados, chamados Andy e Lady Jane.

O foco maior é centrado em Andy, um rapaz jovem, que teve uma vida difícil ao ser entregue a um orfanato, ainda bebê, apesar de ter uma tia consanguínea, que poderia tê-lo criado, mas isso não ocorreu. Na iminência de completar a maioridade, Andy rebela-se e foge do orfanato, ao ir procurar tal tia que o abriga, mas meio a contragosto. Acostumado a ter que se prover sem ajuda, ele arruma emprego em uma loja de discos, a mais incrível da cidade e o seu dono chama-se, Eddie, um músico que alcançou relativa fama no patamar underground da cena Rocker dessa localidade, e como todo bom dono de loja de discos especializados em Rock, é uma enciclopédia humana sobre o assunto. Nesse ambiente promissor, rodeado dos melhores discos da história e com um expert a lhe dar todo o suporte técnico e teórico sobre o assunto, Andy mostra-se arrebatado pelo Rock, ao estabelecer muitas amizades.


Surge o ímpeto de envolver-se na música mais diretamente e Eddie dá todo apoio para que Andy estude guitarra e abre as portas da sua loja para que ele ensaie com a sua futura banda. Andy conhece então, Doug e Allan, jovens como ele e com o mesmo sonho em mente para formar-se uma banda, eis que surge então, “Wild Side Band”. 

Todavia, o melhor ainda estava por lhe acontecer. A garota mais linda que conhecera em sua vida, demonstra que também afeiçoara-se à ele. Tal musa inspiradora chama-se, ou melhor usa o apelido: Lady Jane.


Walter Possibom acertou o ponto doravante, porque construiu uma trama plena de delicadeza para contar a aproximação do casal, portanto a extrair o máximo em termos de dramaticidade e poesia, para explorar tal tema.

Tudo parece bem demais, Andy e Lady Jane apaixonam-se intensamente, a banda vai de vento em popa e o Rock a embalar tudo, com direito a muitas citações Rockers muito pontuais para quem conhece esse universo, e onde duas menções em específico, são chaves da história e eu posso revelá-las antecipadamente sem prejuízo de cometer “spoiler”:  a música “Wonderful Tonight”, do guitarrista, Eric Clapton, e um show de David Bowie que o casal assiste com entusiasmo.


Entretanto, como todo bom romance, há uma virada súbita na história. Entra em cena o rival de Andy, Harold, também músico e igualmente encantado com a beleza e doçura de Lady Jane, e aí, a disputa na música e no amor gera a maledicência. A corrosiva força que a inveja causa não tem precedentes, e sempre traz a reboque a estupidez da destruição do que é belo. É assim o sentido da guerra, seja no macro, ou no micro cosmo da sociedade.


E no meio desse turbilhão de acontecimentos inesperados e terríveis, há brecha para uma tragédia paralela, onde os personagens da Tia Anita e o bondoso Sr. Robert, um homem mais velho que aparece na história, ganham importância vital para a trama. Sobre o teor maior dessa virada na história, não revelarei os fatos, e assim convido o leitor a descortiná-lo nas páginas do livro. Só antecipo que gera angústia e torcida, portanto, mais méritos para o autor.

O capítulo final traz uma resolução para tirar o fôlego do leitor. Ao misturar romantismo, com a força seminal do Rock, gera a sensação de “alma lavada”, e tal desenvolvimento apresenta-se sob um efeito emocional em forma crescente impressionante e se permitem-me, já que o romance tem motivação Rocker, deu-me a sensação do trecho final da música, “A Day in the Life”, dos Beatles, com aquela progressão cromática que conduz o ouvinte ao infinito.


Em suma, trata-se de um romance muito bem construído, com todos os elementos clássicos do gênero e ricas alusões ao universo do Rock, como adendo. Aliás, são tantas as citações ao Rock das décadas de sessenta e setenta, que tal dado deve ser ressaltado para todo entusiasta dessa escola de Rock clássico. Da loja, “Tye Die” à banda “Glass House” de seu proprietário; o bar Blue Oyster Pub, cenário de muitas reuniões dos personagens e a própria banda de Andy, “Wild Side Band”, são todas elas, referências explícitas ao Rock.

Tirante isso, muitas bandas e músicas reais são citadas diretamente, para reforçar o conceito desse cenário por onde transitam os seus personagens. Outro aspecto, os personagens ostentam nomes britânicos e toda a ambientação sugere que a história se passa em uma cidade inglesa na década de setenta, mas em momento algum isso é explicitado. O autor optou por deixar tais dados em aberto, e assim oferecer assim a oportunidade da imaginação dos leitores determinar qual cenário e época em que transcorre a trama.

Gostei bastante da arte da capa, com uma ilustração em tom pastel, a conter o casal protagonista a caminhar sob o belo entardecer de uma rua, que lembra bastante a arquitetura de Londres. Arte de Vasco Lopes sobre uma foto do acervo de Jeremy Segrott, obtida através do Flickr e Hrynevich Yury/Shutterstock. Parte gráfica a cargo de Marco Martins e edição de Mayara Facchini. Lançado pela editora Chiado de Portugal, que vem a mostrar-se muito ativa, ao abrir portas para autores brasileiros novos, o que é ótimo.
Tive o prazer de buscar o meu exemplar do livro na tarde de autógrafos de seu autor. Da esquerda para a direita, Walter LP Possibom e Luiz Domingues, na livraria Martins Fontes em São Paulo, em uma tarde de julho de 2016. Foto de Érica Possibom

Acima de tudo, “Um Brilho nas Sombras” fala mesmo é sobre o amor e devo dizer, o Rock sabe tratar desse aspecto da vida, também, e Walter Possibom soube explorá-lo com maestria em seu romance. Que venham outros!