sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Existe Vida em Marte, Sim... - Por Luiz Domingues



Quando eu soube que uma mega exposição sobre a carreira de David Bowie seria inaugurada em Londres, considerei a notícia espetacular, pois se existe um artista na história do Rock que construiu uma carreira longa e multifacetada, a extrapolar as fronteiras do gênero e até da própria música em si, esse foi David Bowie. Cantor; instrumentista; intérprete; compositor; letrista / poeta; ator / mímico; visionário e avantgarde... entre os grandes gênios do Rock, e refiro-me a um panteão inquestionável e recheado com personalidades monstruosamente importantes, Bowie já detinha a sua cadeira permanente e imortal em tal Olimpo dos Deuses do Rock, desde os anos setenta, sem dúvida alguma.

Pouco tempo depois dessa exposição realizada em Londres, eu soube que a Exposição viria para São Paulo, a minha cidade, em princípio para ser realizada no "MAM", o Museu de Arte Moderna, localizado dentro do Parque do Ibirapuera, bem perto da minha residência, ainda por cima, e claro que eu comemorei a oportunidade e já fiquei ansioso pela confirmação.

O tempo passou e veio mesmo a tão esperada confirmação, todavia, a realizar-se em um outro endereço, pois a exposição sobre David Bowie ocorreria no "MIS", o Museu da Imagem e do Som. Um museu charmoso, sem dúvida, porém, dotado de um espaço físico bem menor. Tudo bem, haveria por ser ótimo, mesmo assim. Foi divulgado então, o comunicado oficial da parte da curadoria da exposição, ao início de 2014, e no segundo dia de exposição aberta, eu prestigiá-la, acompanhado de um velho amigo, José Reis, fã do camaleão, igualmente e ex-roadie do Pitbulls on Crack, uma banda em que atuei nos anos noventa, ao lado do guitarrista / cantor e compositor, Chris Skepis, outro fanático fã de Bowie, e banda pela qual tivemos em nosso repertório, uma releitura da canção : "Cracked Actor", que adorávamos tocar ao vivo, e eu particularmente tinha o prazer de refazer a frase original da gaita (escutada na gravação original do Bowie), no baixo, em nossa versão.
                               Foto : Jani Santana Morales

Quando eu entrei naquela câmara labiríntica, com o fone de ouvido no máximo, a ouvir as músicas do mestre, foi como entrar em um mundo onírico. Tornei-me um personagem ambulante dentro da imaginação do próprio, Bowie, a poder mirar cada aspecto da sua genialidade artística em meio a um oceano de informações e sensações, pois mesmo nas primeiras alas da exposição, eu já estava convencido inteiramente de que seria difícil não mergulhar em uma comoção, e observe o leitor, que Bowie estava bem vivo naqueles dias, portanto, a sua falta ainda não era sentida com a devida carga dramática. Aliás, que genial a ideia do fone de ouvido obrigatório para cada espectador. Além de provocar a emoção sonora, evitava a tagarelice das pessoas, comum em exposições tradicionais e responsável por extrair grande parte do foco e do prazer de quem comparece a uma exposição para mergulhar nas obras e não ser distraído indevidamente por conversas inoportunas travadas a esmo por incautos ao seu redor.

Logo no início, contemplar a atmosfera espacial de 1969, e o quanto a música : "Space Oddity" tinha a ver com tudo isso, já mataria qualquer um. Quem estava vivo nessa época, sabe bem o quanto a imaginação voou longe com a chegada do Homem à Lua, o meu caso inclusive, no alto dos meus nove anos de idade na ocasião, e Bowie soube ser o menestrel a dar poesia à tal efeméride.
Na prática, chegar à Lua representou apenas um homem a pisar em um solo a mostrar-se como um deserto inóspito, sob baixa gravidade e a observar o silêncio sepulcral, mas Bowie deu vida para esse momento, ao torná-lo sublime... "can you hear me, Major Tom" ?  E lá fomos nós, para desbravar as outras alas...             
 

                                Foto : Jani Santana Morales 

Completamente presos nas teias das aranhas de marte, ao ver aquele material sobre os álbuns : "Ziggy Stardust", "Hunky Dory"; "The Man Who Sold the World"... ao sentir-me dentro de um caleidoscópio setentista e muito louco, voltei forte para o meu próprio tempo, com mil lembranças pessoais a misturar-se à do artista. Metalinguagem total, a misturar as sensações e reminiscências, as mais diversas.

Vi as personas de Ronson; Bolder & Woodmansey em meio à sua  fúria Rocker mais efusiva. Alienígenas andróginos e mergulhados na glória do Glam Rock; britânicos até a medula, mas a exercer uma arte Pan-Cosmopolita & interplanetária total... e eu ali a pensar no garoto brasuca e Rocker que eu fora nos anos setenta, a sonhar em embarcar na mesma nave de meus ícones. E ali, a sonhar acordado eu fui efetivamente, um deles... E o quinhão de Tony Visconti nessa história ? Como esquecer-se de tal realidade ?
                                 Foto : Jani Santana Morales

Ao pensar no quanto eu escutara os LP's "Alladin Sane" e "Pin Ups" entre 1973 e 1974, fiquei paralisado por alguns instantes, em frente àquelas peças oriundas da memorabilia do artista, a conter os seus figurinos; objetos; manuscritos; desenhos; croquis; instrumentos; vídeos, e a cada ala, as músicas correspondentes para cada fase enfocada da carreira dele, a tocar em trechos, a estabelecer um pout-pourri delirante, para emocionar, e claro, propositalmente, pois é claro que não bastava olhar, seria preciso ouvir e emocionar-se. Aquele piano ao estilo jazzístico, executado pelo grande, Mike Garson, com aqueles acordes mega dissonantes... o que foi aquilo gravado nos discos de David Bowie ?

                                Fotos : Jani Santana Morales

Eis que em outra ala, deparo-me com uma sessão de fotos da capa do disco "Diamond Dogs", e aquilo revelou-se uma emoção enlouquecedora. Eu conhecia algumas poucas fotos oficiais, mas a sessão completa revelou o processo pelo qual a produção da capa foi feita. Vejo o Bowie híbrido, meio humano / meio canino, e a minha imaginação a mil por hora a lembrar-me do ano de 1974, e o fascínio que esse disco exerceu-me na época, incluso a sua ilustração de capa, perturbadora. Concomitantemente, no headphone a insistir em um efeito "looping", “Do do, Do do”... e depois, "Rebel Rebel", e não importava se ele fosse um rapaz ou uma moça...

Ah, a fase norteamericana... Bowie a deixar de ser britânico e por conseguinte a andar pelas ruas da Philadelphia, com a ginga de um homem negro, a revelar-se como um "Soul Man"... que "swing", man... os jovens americanos e o pânico em Detroit : o camaleão chegou ! Fame fame, fame ! Em 1976, recordo-me, eu li em uma revista, que David Bowie era protagonista de um filme longa-metragem ao estilo "Sci-Fi". Ledo engano, no entanto, para os Rockers "tupinquins", que cunharam a frase : “Bowie largou a música e tornou-se um ator”. Ele sempre foi ator, a maioria é que não sabia ou não percebeu que as suas personagens na música haviam sido fruto de sua experimentação teatral e cinematográfica. Não sabiam que ele fora mímico, que estudara no curso de Lindsay Kemp, um grande mímico e filmara um curioso documentário em 1969, chamado : “Love You Till Tuesday”, a trabalhar com mímica ?
Em 1977, eu fui ao cinema para ver enfim : “The Man Who Fell to Earth” e saí convencido de que Bowie era mais que um grande artista multimídia, e que provavelmente não devia ser humano, tamanha a sua genialidade, aliás, exatamente a situação de sua personagem neste filme.  E as lendas urbanas sobre o seu próximo alter-Ego ?   

Quantas teorias foram espalhadas pelo ar, entre 1976 e 1978, para explicar quem seria afinal de contas o sombrio : “The Thin White Duke”. Bowie mergulha então na fase soturna e tecnológica de Berlim. Antecipou o Pós-Punk, quando o próprio Punk-Rock mal estava a impor-se em sua superestimação midiática. As sonoridades sombrias; robóticas e estranhas...
1ª Foto : Brian Eno quando foi componente do grupo de Rock, "Roxy Music". 2ª Foto : Bowie em sessão de fotos para a capa do álbum, "Heroes"

Pode parecer contraditório para quem conhece as minhas convicções na música, mas eu adoro aqueles três discos da fase alemã, e por conta dessa impressão que eu tenho, parei um bom tempo em frente ao sintetizador onde Brian Eno executou aquela textura toda, encontrada naqueles discos, enquanto a grandiloquente canção : "Warsawa", explodia no meu headphone ! Passei a seguir por uma ala com a memorabilia do mundo do teatro e cinema em que ele atuou. Como não lembrar-se que Bowie interpretou o “Homem Elefante” na Broadway, quase sem maquiagem, apenas a usar de expressão corporal e facial... qualquer ator faria isso ? Penso que não.
                         1ª e 2ª fotos : Jani Santana Morales

Chego a uma câmara redonda, com um cinema de 360º a exibir trechos de seus shows dos anos 1970. Predominam imagens da fase glitter, a minha predileta das prediletas, e ... inúmeras peças de figurino... aquela indumentária inacreditável dos seus anos de ouro como "Ziggy Stardust", que eu via e revia através das fotos e no vídeo do documentário produzido pelo grande, D.A. Pennebacker...
                                 Foto : Jani Santana Morales 

O pout-pourri estava a exaurir-me em meio a tanta emoção... Ziggy Stardust; Moonage Daydream; Sufraggette City, The Jean Genie, Starman; Queen Bitch; Velvet Goldmine... aqueles filmes a passar em 360º e os figurinos colocados em manequins, sobre dois púlpitos... senti-me inserido em um ritual surrealista de René Magritte; um filme de Federico Fellini; sob uma viagem psicodélica de Tim Leary. Ali, eu permaneci mais tempo do que o normal, encostei-me em um canto e absorvi aquele massacre emocional por todos os poros. Pessoas à minha volta choravam, e isso foi uma reação perfeitamente compreensível.
                                 Foto : Jani Santana Morales

Mais alas à frente e um mergulho na produção mais Pop de Bowie, através dos anos 1980 e 1990, não foram tão emocionantes para o meu gosto pessoal, entretanto, é óbvio que muito material interessante esteve ali para ser visto e ouvido, não restou dúvida. Vídeos experimentais louquíssimos; vídeos raros sobre os bastidores dos anos setenta, mais figurinos; vídeos munidos por depoimentos de personalidades e pessoas comuns a falar dele. As turnês oitentistas, "Serious Moonlight" e "Glass Spider", devidamente retratadas… 

Mais arrebentado emocionalmente do que os viciados em heroína jogados de "estação em estação" em Berlim, eu passei pelas últimas alas, já determinado que precisava de uma nova dose...
                                 Fotos : Jani Santana Morales 

Um pouco antes do Carnaval de 2014, combinei com o meu amigo Zé Reis, em voltarmos, e desta feita acompanhados de mais amigos que amassem Bowie, como nós. Eu necessitava dividir a experiência com outros amigos e assim, mandei E-Mail para os que achei que mais tivessem a ver com o grande Camaleão.
                                 Fotos : Jani Santana Morales

A maioria respondeu, mas nem todos confirmaram presença, é claro, mesmo sendo época de Carnaval e a maioria não tivesse compromissos musicais exatamente por ser Rocker e não atuarem musicalmente no mundo do Rei Momo. No entanto, muitos já haviam marcado outros compromissos na cidade, ou com viagens marcadas para aproveitar os feriados em outras localidades etc.
                                Fotos : Jani Santana Morales

Alguns confirmaram presença e entre essas pessoas, a editora / proprietária do Blog Limonada Hippie, pessoa que eu só conhecia virtualmente até então e que ao aproveitar a sua vinda para São Paulo (ela é de Niterói / RJ), para ver a Expo, finalmente  conheceríamo-nos pessoalmente. Pois então, acompanhado da querida amiga, Fernanda Valente, e diversos amigos que encontrei na fila, constatei que eu não fora o único fã de Bowie que teve a ideia de visitar a Expo em uma terça-feira de Carnaval ! Como assim ?  O Brasil não é a terra do Carnaval ? 
                        A fila que dava voltas no quarteirão...

Não foi assim para aquelas mais de duas mil pessoas que dobravam o quarteirão na Avenida Europa. Eu não consegui reunir os amigos na “Expedição Bowie”, título do E-mail que disparei ao fazer a convocação geral, por que assim que eu cheguei, acompanhado da amiga, Fernanda, a fila já estava gigantesca e nessa balbúrdia, eu avistei vários deles em pontos diferentes da fila, portanto, não foi possível ficarmos juntos.
                     1ª e 2ª fotos, clicks de Jani Santana Morales

Fiquei mais ou menos perto de Renata Martinelli, cantora superb; Kim Kehl & Lara Pap; Carlinhos Machado e o mais fanático dos Bowiemaníacos que eu já conheci, Chris Skepis, meu ex-companheiro de Pitbulls on Crack. Ali conheci o seu filho, chamado Brian Jones, ou seja, tal nome que ele escolheu para o seu menino, dispensa explicações. E com apenas anos de idade na ocasião, a mostrar-se um fanático por Rock setentista, e louco pelo "Gentle Giant"... enfim, a constatação foi que o Chris fez um belo trabalho educacional com o menino. José Reis, o nosso amigo em comum, estava perto de Chris; sua esposa, Lucia, e o jovem, Brian.

Avistei também a amiga e produtora cultural, Jani Santana Morales (que gentilmente cedeu-me muitas fotos particulares que havia feito com o seu celular, para ilustrar a matéria no Blog Limonada Hippie, e aqui no meu Blog 1, também). E ali, por incrível que pareça, também conhecemo-nos pessoalmente, visto que éramos amigos virtuais, até então.
                                 Foto : Jani Santana Morales


Foi uma espera cansativa, eu reconheço. Quando eu e Fernanda Valente entramos, contabilizamos mais de três horas de espera, mas valeu a pena levar os amigos e ter contato com aquela experiência sensorial novamente.  Bowie morreu no dia 10 de janeiro de 2016. Eu soube do ocorrido, apenas no dia 11.

Não postei nada nas redes sociais, mas apoiei postagens de alguns amigos a lamentar a perda que todos tivemos. Eu não havia escrito sobre a exposição de 2014, e achei que o tempo passara e uma matéria / resenha atrasada não valeria a pena.

Aí veio o dia 10 de janeiro de 2016, e Bowie a aparecer em diversas reportagens através da internet e na TV convencional nos dias posteriores, foi quando eu percebi que precisava repassar essa emoção aos leitores. Bye, bye, mestre camaleão, agora você volta ao seu planeta, e lá fará um som magnífico com Mick Ronson e Trevor Bolder que haviam partido antes. As Aranhas de Marte vão brilhar de novo no Cosmos...

Sempre que eu ouvia-o a cantar a premonitória e deveras melancólica canção : “My Death”, eu pensava secretamente que um dia isso chegaria de fato e chegou, naturalmente. Acho que eu precisava escrever e comemorar o fato de que fui à exposição, duas vezes em 2014, assim como fora em dois shows do Bowie em 1990, quando ele veio ao Brasil, antes tarde do que nunca.

No Rio de Janeiro, ele cantou : "Station to Station"; em São Paulo, "Life on Mars"... enfim, eu sou um afortunado por ter visto os dois shows...

E quer saber ? 

Este planeta fica insuportável sem David Bowie ! Hey, Major Tom, tem lugar aí no seu foguete para mais um ? 

Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2016.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

EP Teko Porã / Teko Porã - Por Luiz Domingues


Artistas de rua são muito comuns na Europa; Estados Unidos e outros países, não necessariamente de primeiro mundo, mas claro, predominantemente em tais territórios. No Brasil, cuja nação arvora-se em ser multifacetada, culturalmente a falar, e supostamente aberta a manifestações culturais não usuais, na prática, ainda existe um preconceito enorme para com artistas que  expressam-se pelas ruas; em meio às estações de metrô e outros locais públicos.

Nos últimos anos esse panorama tem melhorado, não posso negar, mas eu acredito que ainda esteja muito aquém do ideal. Em São Paulo, onde vivo, percebo que os espaços públicos vem sendo ocupados por muitos artistas versados por diversas vertentes, ao empreender as suas performances pelas praças públicas e estações do Metrô.

Eu já vi de tudo : de atores a declamar monólogos, a mágicos a perpetrar pequenas sketches de ilusionismos; muitos artistas sob vocação circense a realizar exibições acrobáticas; além de muitos artistas plásticos a pintar, desenhar etc. Mas a grande predominância da arte praticada pelas ruas das cidades, fica por conta mesmo dos músicos e de fato, aumentou muito a frequência de artistas a tocar instrumentos e cantar pelas ruas de São Paulo, nos últimos anos.

Mostra-se salutar pelo aspecto da livre expressão artística, no entanto, mantém também o seu lado obscuro, na medida em que não obstante ser uma experiência rica para o artista, o ato em estar a exercer a sua arte em meio ao povo, nas ruas, denota também a absoluta falta de oportunidades para a maioria esmagadora, que simplesmente vive à margem da difusão cultural "mainstream" e por conseguinte, das chances para apresentar-se em teatros; casas de espetáculos e centros culturais munidos por uma infra estrutura de som; luz; cenografia; camarins e conforto para o seu público poder apreciar a sua obra artística, de uma forma integral. Nesses termos, tenho visto artistas oriundos de diversos ramos da música a criar situações sob total improviso para apresentar-se.

De bandas de Rock sensacionais a combos de Jazz e Blues com músicos de alto quilate técnico; músicos sob a orientação da MPB mais intimista, na base do violão & voz; grupos folclóricos latino- americanos com instrumentos típicos; corais e percussionistas afrobrasileiros, enfim, a diversidade é enorme, ainda bem..

Um grupo que chamou-me a atenção em particular e cujo disco de estreia, homônimo, chegou às minhas mãos por intermédio do Rocker; ator, e agitador cultural, Kico Stone, é o Teko Porã.

Já os conhecia de vista, ao vê-los a circular por estações do metrô, notadamente as que eu mesmo mais uso, perto da minha residência, a citar as estações Ana Rosa e Vila Mariana do metrô de São Paulo. Jovens bem apessoados, com visual de artistas saltimbancos, mezzo-ciganos / mezzo Hippies sessentistas, chamam a atenção a andar pelas redondezas, a carregar os seus instrumentos.

Na formação desse primeiro EP, (o grupo já foi um sexteto, anteriormente), trata-se de um quarteto vocal e instrumental, formado por dois rapazes e duas moças, que utilizam instrumentos acústicos tradicionais (violão; violão de 7 cordas; violino; bandolim; acordeom; bandoneón; vários instrumentos de percussão etc.
Em meio às estações de metrô onde costumam apresentar-se, tocam costumeiramente as suas canções autorais e muitas releituras para clássicos da música brasileira e internacional, a encantar os transeuntes que dispõe-se a perder alguns minutos de sua vida acelerada, para parar um pouco o seu frenesi diário, respirar e ouvir uma boa música. Primeiro ponto : esses jovens são ótimos instrumentistas e vocalistas. Nem todo mundo que toca na rua possui essa qualidade, e isso já é um mérito a mais para o Teko Porã.
Segundo aspecto : no caldeirão de influências que a sua obra baseia-se, só há a predominância de ótimos exemplos como referências que eles tem em sua formação musical / cultural. Ao ouvir o seu EP de estreia e a assistir os vários vídeos disponíveis de suas performances ao vivo pelas estações do Metrô e praças públicas, fica patente que cresceram a ouvir música Folk proveniente de diversas etnias e culturas; MPB da Velha Guarda; música de raiz caipira; Jazz Cigano; Soft Rock em geral, e mais uma série de vertentes absolutamente incríveis e fora do esquadro da anticultura / subcultura que domina o panorama cultural do Brasil, há anos.

Isso explica o fato desse grupo, com tal quilate artístico, não frequentar o espaço na mídia, apesar do talento enorme que possui, fora a capacitação musical milhas acima da média, sob o ponto-de-vista técnico e teórico. Por um lado, ainda bem que não compactuam com o status quo dessa perversidade cultural que domina a difusão mainstream, mas por outro, o grupo padece pela falta de reconhecimento e apoio que merece obter em larga escala. 

Sobre o EP em si, a produção é muito enxuta, e assim, eu gostei demais do áudio, que foi sensível por privilegiar os timbres naturais advindos dos instrumentos acústicos usados. Contém a pressão sonora de uma gravação digital moderna, mas nada que comprometa a extrema doçura das canções, e sobretudo os timbres dos instrumentos e vozes desses artistas.

A capa é muito bonita, a apresentar um tecido bordado, multicolorido e com o nome da banda sob relevo, em destaque. É simples, mas muito funcional e expressiva no sentido de que denota através da imagem e nas cores, sobretudo, o colorido multicultural que é a proposta artística do Teko Porã.

Aliás, cabe acrescentar que a expressão, “Teko Porã", significa “Bem Viver”, no idioma indígena “guarani”. A sua formação apresentada neste trabalho, é a de um quarteto, com Marília Calderón (voz; guitalelê; acordeom; bandoleón); Pablo Nomás (violão de 7 cordas); Juan Morales (bandolim) e Fernanda Leal (violino).

No disco, houve a presença de dois ex-componentes da banda, como André Ladeia (violino), e Léa Gonçalves (violino), além de outros quatro convidados em participações especiais : Renan Monteiro (percussão); Antonio de Souza (violino); Fabio Aguiar (trompete), e Rafael Massi (washboard).

O disco foi gravado em três estúdios : Mosh; Carbonos, e Mono Mono, com a mixagem e masterização concluída no Carbonos. O projeto da capa ficou a cargo de Maria Renata Morales. Produção de Heron Coelho e Teko Porã.

A primeira faixa do disco é : “A Velha Nova”. Por conter o violino como protagonista, a desenhar a sua melodia primordial, gostei muito do arranjo, com as cordas a fornecer o suporte com pausas estratégicas, além de um "staccato" dramático contido na parte B, que realçou demais a composição.

É bem inspirado no folk europeu, em essência, mas notam-se amálgamas múltiplas, a misturar conceitos. Contém muito da música cigana típica de países do leste europeu, mas também realça algo sob inspiração andina, sutil. Lembra as imagens de Charles Chaplin, no sentido de que o seu vagabundo adorável tem muito a ver com as andanças do próprio, Teko Porã, pelas ruas de São Paulo, a espalhar beleza e doçura em meio ao caos urbano agressivo instaurado no cotidiano da megalópole. É muito bonita a construção da melodia principal e André Ladeia brilha com a sua técnica ao violino.

“Quem Souber” é um achado. Lembra de certa forma o trabalho do Grupo Rumo, no início dos anos oitenta, que trabalhou com uma grande preocupação em criar música com conceitos nada comerciais, e assim buscar referências em aspectos somente valorizados normalmente por musicólogos, e portanto circunscritos aos grupos acadêmicos de estudiosos da universidade.
              Marília Calderón em ação. Foto : Viviane Entenza

Nessa circunstância, a canção detém um sabor a evocar a MPB da Velha Guarda, com uma brejeirice deliciosa, e a voz de Marília Calderón proporciona-nos tal experiência. É como se estivéssemos dentro de um trem antigo, ao estilo "Maria Fumaça", rumo ao interior do Brasil, no início do século XX, a apreciar todos aqueles signos inerentes da cultura de tal época. Absolutamente incrível. Tal obra lembra em alguns aspectos, uma canção infantil, principalmente pelo desenho fragmentado da melodia, ao dividir as sílabas, quase como se contivesse uma intenção pedagógica. Mas há o contraponto, quando nas partes B e C, a melodia assume um formato mais intenso, a estabelecer um jogo de palavras dos mais interessantes.

Gostei bastante das intervenções do bandolim, com toques "flamencos", de Juan Morales, ao demonstrar técnica e versatilidade. A harmonia é muito bonita e só valorizou as suas intervenções. Pablo Nomás também solta a mão com o seu violão de 7 cordas, em intervenções curtas, mas muito bonitas, além de Fernanda Leal ao violino, ser ótima.

“Quem Souber não me dirá /  Qual a hora de partir /  Seu lugar onde será /  Você tem que descobrir”

Apenas pelos primeiros versos da canção, é possível imaginar que a melhor solução é ouvir tudo e descobrir sozinho o prazer dessa imersão poética.

“Folhas Caídas” passeia entre a toada; o madrigal renascentista e o Pop Rock sofisticado que há anos eu não escutava, desde o trabalho dos Secos & Molhados, além de um certo “quê” de Folk norteamericano, via Bob Dylan, mas que também poderia ser o som de Zé Ramalho em seu "Chão de Giz", tranquilamente. Pelos créditos do encarte do álbum, suponho que sejam de Antonio de Souza as intervenções com seu violino entre o erudito e o cigano, mas a soltar algumas frases que remeteram-me ao Blue Grass lá do Mississippi. 

“Até onde vai a vista / Só pântanos e neblina
Nem um pássaro se arrisca a cantar / Há folhas caídas em chamas, e nós cavando a grama com a pá” 

Apesar da letra ter uma proposta deveras lúgubre, claro que há beleza nessa poesia, e eu gostei muito. 

“A Peste da Dança” tem a providencial participação do percussionista, Renan Monteiro. Gostei bastante desse elemento a mais para a canção.

Tema instrumental, tem o seu lado cigano forte, mas também uma irresistível influência Yiddish. Agradaria em cheio em meio a uma festa cigana e também eventualmente em um Bar Mitzvah, acredito.

A quinta faixa, também instrumental, contém o explícito título : “Samba Eslavo”. Muito animada, mais parece uma melodia eslava, na prática, e se detém algo de brasileiro nessa receita, talvez seja através das sutilezas executadas pelo violão de sete cordas e na percussão, ainda que nada que seja explicitamente brasileiro, há a inserção feita pelo percussionista convidado, Renan Monteiro a remeter nesse sentido.  

Já em “Solidão do Joca”, a música de raiz do interior calou fundo.

Absolutamente adorável a toada caipira com os instrumentos de cordas a esbaldar-se em seus respectivos arranjos, e assim buscar elementos típicos dessa realidade brejeira. É como escutar uma velha canção da cantora, Inezita Barroso, mas com uma letra espirituosa a misturar signos prosaicos interioranos, com referências da cultura Pop moderna.

“Tava em casa solitário cabulando academia, quando o noticiário anunciou... epidemia / Descobri que era doença aquela minha solidão, fui no Dr. pedir licença pra tomar medicação  / Dessa doença eu não entendo, tinha mais de mil amigos todos os dias... no Facebook"...

“Navio Canção” lembra um fado português, de certa forma, mas a acrescentar tem alguns elementos quase experimentais, ouso dizer, principalmente por conta do violino executado pelo convidado especial, Antonio de Souza, que buscou fraseados cerebrais em alguns momentos.

“Poucos Acasos” mergulha no Jazz festivo de New Orleans, com aquele sabor "creole", sensacional. Pablo Nomás comandou a interpretação vocal com bastante firmeza nesta faixa. Espertíssimas, igualmente, são as intervenções dos músicos convidados, no caso, Fabio Aguiar ao trompete e Rafael Massi a comandar o "Washboard". Gostei muito da melodia principal e do arranjo geral da canção.
A letra trouxe algo de antropológico, sob uma primeira leitura, mas é também o fruto das observações feitas por eles mesmos os membros do grupo, acredito, ao observar as pessoas apressadas a passar ao seu redor, quando das suas apresentações em lugares públicos, permeadas pelo seu frenesi cotidiano, a lutar para manter uma vida massacrante, em eterna busca pela sobrevivência, e a ter como melhor perspectiva, alguns prazeres hedonistas, apenas.

“Todos em volta sempre a olhar / Os poucos acasos que devemos passar / Cada um deles com suas circunstâncias / Novas perspectivas, poucas esperanças / Nascer, crescer, perpetuar /
Envelhecer, morrer aqui”...

Em suma, trata-se de um disco adorável de estreia desse grupo e por ser curto em sua duração, na verdade a configurar-se como um "EP", deixa os ouvintes com vontade para escutar mais, e assim ansiar por um novo trabalho, que espero, seja em breve.
Nem apenas de apresentações de rua, eles tem se valido para divulgar o trabalho, pois eu soube que já tocaram em unidades do Sesc, o que é ótimo e dá-lhes a melhor estrutura para que a sua arte seja exercida de uma maneira mais adequada. Contudo, eu deixo a ressalva de que tal grupo precisa de muito mais apoio do que tem obtido, pois um trabalho dessa qualidade precisa alcançar camadas maiores do público, sem dúvida.

Existe vários vídeos do Teko Porã, disponíveis no portal de Internet, You Tube, a mostrar muitas de suas apresentações em estações de Metrô, e muitas dentro dos vagões em movimento, além de apresentações pelas ruas e praças de São Paulo.

Um documentário bem sucinto, fala sobre o trabalho desse jovem grupo folk, com depoimentos positivos e trechos de suas apresentações regulares.
Eis o Link para assistir no You Tube :

E abaixo, o álbum homônimo, objeto desta resenha, para degustação do leitor / ouvinte :

Para maiores informações do trabalho do Teko Porã, acesse a sua página no Facebook :


Contato direto com o Teko Porã :


Eu recomendo o Teko Porã, com ênfase !