sábado, 1 de fevereiro de 2014

Boca do Lixo; Celuloide & Criatividade - Por Luiz Domingues

Quando o cinema começou a popularizar-se para valer no Brasil, algumas companhias cinematográficas internacionais abriram escritórios de representação no país, primeiramente no Rio de Janeiro, então capital da república, mas logo a seguir, em São Paulo, ainda na condição de uma cidade emergente, mas não consolidada como metrópole.

Foi entre os anos 1920 e 1930 do século XX, que empresas cinematográficas do porte da Fox; Paramount, e Metro Goldyn-Mayer, abriram as suas respectivas filiais paulistanas, e todas foram alojadas no centro velho de São Paulo, nas proximidades da Avenidas Rio Branco e Duque de Caxias. Naquela época, o centro era muito bonito, extremamente limpo e bem cuidado, portanto conveniente para abrir-se escritórios de trabalho.

Então, ao concentrar-se naquela região vários negócios relativos ao mundo do cinema, aos poucos outros estabelecimentos  aglutinaram-se naquelas cercanias, ao tornar aquele quadrilátero, um pequeno polo cinematográfico. O tempo passou e na década de sessenta, a região começou a observar um lento processo de deterioração e os grandes escritórios mudaram-se para outros endereços mais categorizados da cidade, para deixar as velhas instalações do bairro, aos pequenos produtores mal abonados, mas com vontade para trabalhar.

Ao acompanhar a decadência lenta do centro, tal região ganhou o apelido pejorativo de : "Boca do Lixo", que conteve uma dupla conotação, no sentido de que denotaria também fazer alusão, às produções providas por um padrão de baixo orçamento. Apesar dos parcos recursos, tornou-se um celeiro para revelar grandes diretores; produtores; redatores e técnicos, além de atores, igualmente.

Diretores de alto quilate, tais como : Walter Hugo Khoury; Carlos Reichenbach Filho; Julio Bressane; Alfredo Sternhein; José Mojica Marins; Rogério Sganzerla, e outros tantos, começaram as suas respectivas carreiras naquele mundo ou submundo, como queira o leitor, ao filmar em pequenos e precários estúdios improvisados, e ao fazer uso dos botecos das cercanias, como refeitório para a equipe de filmagem..



De filmes conceituais ao terror do Zé Caixão; policiais e drama, comédias classe "C", e fitas a contar histórias ao estilo, Kung Fu, ou seja, obras com estilos variados, ali foram produzidos. Porém, o grande filão mesmo, observou-se em relação à dita "pornochanchada". Espécie de revival das comédias das antigas produtoras Cinédia e Atlântida, porém apimentadas pelo elemento erótico, tais filmes foram odiados pelos intelectuais, que viram nelas, a caracterização da alienação e apelação, em conjunto.

Em meio à conturbada época política observada ao final dos anos sessenta, até o fim dos setenta, foi duramente criticada por pessoas politizados, por supostamente ajudar o governo autoritário, a alienar a juventude, com erotismo barato.

Por isso, aliado ao fato da região estar decadente, o termo : "Boca do Lixo" teve esse peso da crítica ao tipo de cinema que saia desses modestos estúdios.

Já ao final dos anos oitenta, os estabelecimentos que trabalhavam direta ou indiretamente com produção audiovisual, quase não existiam mais, e uma onda marcada pela deterioração ainda maior, piorou o status da região, que de "Boca do Lixo", passou a ser conhecida como a famigerada : "Cracolândia".

Nesses termos, digo com muita tristeza, que de certa forma, continuou a ser uma região cinematográfica, pois transformou-se, infelizmente, em um autêntico set de cinema a céu aberto, uma verdadeira locação de filme para o diretor, George Romero, para retratar os seus zumbis apocalípticos.
Matéria publicada no Site / Blog Orra Meu, em 2014  

Nenhum comentário:

Postar um comentário