sábado, 9 de abril de 2016

Zé do Caixão Também Assustou nos Quadrinhos - Por Luiz Domingues




Em 1968, o cineasta, José Mojica Marins estava consolidado como cineasta, e a sua fama pessoal como diretor e produtor de cinema confundia-se totalmente com o seu personagem, Zé do Caixão. Por viver um momento midiático total, pois além do barulho pró e contra que os seus filmes faziam desde 1963, quando do estouro de seu filme, “À Meia Noite Levarei Tua Alma”, Mojica estava na boca do povo, a participar cada vez mais de programas de TV, e isso motivou a sua ida para tal veículo, com direito a um programa próprio, nas noites de quinta, quando as suas pequenas histórias macabras, em formato de curta metragem, passaram a ser exibidas.
Sob um efeito dominó, surgiu a oportunidade para intensificar a sua atuação, e assim, uma adaptação do personagem, Zé do Caixão, foi concebida também para chegar às bancas de jornais e revistas, na forma de uma revista em quadrinhos. Gibis a explorar o mote do terror não foi novidade no mundo dos Comics / HQ. Na verdade já era uma tradição em vários países, notadamente nos Estados Unidos, onde o mercado editorial desse segmento detinha uma estrutura industrial, há décadas.
E até no Brasil já havia tal nicho dedicado às publicações com histórias macabras, caso da revista, "A Cripta", por exemplo.

Não por coincidência, os produtores da revista, "A Cripta", estavam envolvidos com José Mojica Marins na produção do programa de TV, “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”,  e do filme longa-metragem, homônimo lançado em 1968. O roteirista Rubens Francisco Lucchetti e o desenhista, Nico Rosso tiveram a percepção genial de que Mojica / Zé do Caixão estava na crista da onda, e dessa maneira, certos de que a revista em quadrinhos seria um estouro, portanto, rapidamente convenceram os mandatários da editora Prelúdio, a investir na produção.
                  Rubens Francisco Lucchetti, um artista genial

Lucchetti era um ótimo profissional, com a desenvoltura de um roteirista experiente para histórias em quadrinhos; cinema & TV, e Rossi, um excelente desenhista, sendo assim, somado ao fato da editora Prelúdio também ter o seu padrão de qualidade reconhecido no mercado editorial brasileiro, o sucesso dessa produção estava praticamente assegurado.
Mais do que ter qualidade, a produção do gibi trouxe ousadia estética. Isso por que ao fugir ao padrão tradicional, fotos dos personagens em ação, foram incorporadas, a misturar o conceito de uma história em quadrinhos tradicional com o formato de uma fotonovela.
Para tanto, procuraram a participação do fotógrafo oficial de Mojica, Luiz Fidélis Barreira que cedeu muito material que detinha em seu acervo, mas mesmo assim, sessões extras de fotos, foram realizadas especialmente para atender as necessidades da revista. Sobre o mote, Lucchetti e Rossi estavam habituados a lançar histórias de terror mais centradas no universo clássico do gênero. Tratava-se de histórias sobre vampiros; lobisomens; espíritos e afins, mas ambientados naquela tradição europeia típica de sabor gótico, a evocar uma aristocracia decadente, com castelos medievais assombrados e abandonados; histórias com bruxas medievais em florestas; seres elementais e / ou diabólicos a denotar a inspiração na fonte do paganismo pré-cristão etc.
Ao associar-se com Mojica / Zé do Caixão, um outro universo abriu-se, para acrescentar um tipo de terror com elementos diferentes, a conter alguma brasilidade até, por esbarrar em tradições folclóricas caboclas; indígenas & afrobrasileiras. Um outro elemento diferenciado, e típico dos filmes do Zé do Caixão, foi o da exploração do sadismo, via torturas e taras sexuais macabras, uma tendência que o cinema de horror norteamericano e europeu só veio a explorar com muita contundência, décadas depois.
Nesse sentido, Mojica também mostrara o seu diferencial, e não foi à toa que o seu cinema despertara a atenção de críticos e outros cineastas, caso de Glauber Rocha, por exemplo, que o considerava um gênio. Com produção gráfica sob bastante qualidade, o gibi teve o seu primeiro número a ser distribuído às bancas brasileiras, em janeiro de 1969.
Batizado com o nome do filme e também do programa de TV, “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, fez obteve sucesso naquele instante e controvérsia também, pois se não houvesse o forte elemento erótico nas suas entrelinhas e tivesse apostado no terror tradicional tão somente, talvez não incomodasse os moralistas de plantão. Apesar do aparente sucesso todo que recebeu, a revista não teve grande longevidade. Após o lançamento do número seis, em junho de 1969, extinguiu-se. E não foi por falta de interesse do público consumidor, diga-se de passagem. Após alguns anos, outras produções em torno das publicações "HQ" a envolver o personagem, Zé do Caixão, surgiriam, mas certamente não tão bem acabadas como foi “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, em 1969.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2016

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