domingo, 11 de setembro de 2016

Filme: My Boyfriend's Back - Por Luiz Domingues


O Rhythm and Blues, ou mais conhecido pela sua abreviatura, “R’n’B”, foi uma corruptela cunhada pela revista Billboard, nos anos 1940, para classificar um derivado do Blues que detinha características mais comerciais, no bom sentido do termo, por ser, digamos, mais palatável ao público em geral, notadamente a audiência das pessoas com a etnia caucasiana nos Estados Unidos. Mais que isso, R’n’B, passou a denotar um tipo de música Pop, e dotado de um forte poder dançante,  com raiz negra, e dotado de um forte poder dançante, mas aberta também a abraçar o romantismo de certa forma.
No entanto, foi a partir de meados dos anos 1950, que tal vertente ganhou força e ao tornar-se muito popular, explodiu através das emissoras de rádio e na TV, para lançar dúzias de artistas e entre eles, muitos que se consolidaram icônicos para a história da música mundial.
Doravante professado em maioria pela população negra, do R’n’B derivou a Soul Music e o Funk, e nem vou perder tempo nesta resenha para explicar a questão do "Funk" que cito, ser o “verdadeiro” e não o simulacro, cuja nomenclatura foi usurpada décadas depois etc. 

De volta ao cerne da questão, em meio à explosão dos artistas R’n’B na década de cinquenta, notabilizou-se alguns artistas solo, cantores e cantoras, mas o formato mais usual para os artistas dessa vertente, foi em torno de grupos vocais masculinos e femininos, para variar as suas formações entre trios; quartetos e quintetos, predominantemente. Em sua maioria esmagadora, foram grupos formados por pessoas negras, mas depois da explosão do Rock’n' Roll (este a poder ser considerado um irmão caçula do R’n’B e filho do Blues, igualmente), eis que a plateia branca havia aderido em massa ao estilo, e claro, não demorou para aspirantes a artistas formarem seus grupos vocais nesse estilo, mas sendo criados por rapazes e moças da raça ariana.
Quando começou a surgir grupos vocais nessas características, formados por jovens brancos, houve também uma certa diluição, ao criar-se um tipo de R’n’B um pouco diferente do original, mais diluído ou açucarado, pensemos assim, por ser mais Pop em sua atribuição, ainda que normalmente praticado pelos artistas negros. Portanto, grupos formados por jovens brancos sorridentes a usar "sweaters" comportados, e parecer-se com formandos para apresentar-se em festas da High School, quando não em seus famosos “Proms”, os bailes de formatura que tem significado muito importante na cultura dos norte-americanos e tirante o horror movido a humilhação de “Carrie, a Estranha”, o evento do Prom, normalmente é o dia mais esperado por rapazes e moças adolescentes em vida escolar, ao justificar ficar-se o ano todo a pensar nele, no sentido das expectativas juvenis em torno de imaginar-se com quem a pessoa vai fazer par e sonhar em ser parte do casal consagrado como “Rei e Rainha” do baile, em seu ápice. 

Pois é nesse clima de “R’n’B de branco”, para tocar-se em bailes "Pom", mais proeminente ao final da década de cinquenta e começo dos anos sessenta, que concebeu-se a história de um grupo vocal feminino fictício, chamado: “The Bouffant’s” (“as toucas”, para fazer menção aos penteados exagerados e armados desse começo de década, e que quase todas as garotas norte-americanas usavam no seu cotidiano).
Aqui, cabe salientar que o termo “fictício” é parcial, pois tudo gira em torno da reunião do trio vocal a convite de uma emissora de TV que deseja realizar um especial nostálgico sobre esse breve período da história da música norte-americana, e a contar com alguns de seus expoentes para cantar ao vivo em um palco de um Night Club.
Causa uma certa estranheza portanto, pois se “The Bouffant’s” é um conjunto vocal fictício, e por conseguinte, tudo gira em torno da canção que vão apresentar nesse especial e que seria o seu principal sucesso lançado em 1962, denominado “My Boyfriend’s Back” (aliás, o título do filme), para quem acompanha a história da música Pop norte-americana, sabe bem que essa canção é um sucesso real, e não inventado para o filme e fez a fama de um grupo verdadeiro daquela época, chamado : “The Angels”, formado por três garotas brancas.
No "still" acima, uma imagem do grupo vocal real, "The Angels", cuja música, "My Boyfriend's Back", fez sucesso em 1963
 
Então o filme é uma biografia do “The Angels”, mesmo velada? Pois aí é que está a confusão, pois não é o que parece, mesmo subliminarmente. Ao passar a imagem de ser uma obra fictícia, não há nenhum indício de que os produtores tenham tido a intenção de mencionar o trio verdadeiro, mesmo de longe, mas apenas usou-se a canção para dar mote à produção, sob uma interpretação livre e sim, fictícia da história.
Tudo bem, estamos diante então de uma história inventada sobre um grupo R’n’B vocal e feminino dos anos 1950/1960, mas não ambientado nessa época, e sim, ao enxergar pelo lado das artistas envelhecidas, ao tratar-se de um show em tom de reunião saudosista, ao final dos anos 1980. 

Portanto, a minha dose de paciência como espectador, pôs-se a diminuir na medida em que o mote mais interessante diluiu-se cada vez mais, porém, entusiasta da música que sou, e especificamente do R’n’B; da Black Music em geral e desse período da história (refiro-me à décadas de cinquenta e sessenta, deixo claro), arrisquei assistir, por que haveria por conter alguma menção salutar, nem que fosse uma eventual cena a conter uma memória, com um das senhoras protagonistas da história, a relembrar fatos de sua juventude e da carreira do grupo (isso na verdade, só ocorre e bem de leve, nos créditos iniciais do filme, infelizmente).
Com essa expectativa e esperançoso de que no mínimo a música haveria de salvar a experiência ou paciência em perder-se noventa minutos para assistir, infelizmente os minúsculos lampejos desses fatores citados, não abonam o filme como um todo.

Senão vejamos: a começar pelo roteiro, o filme é permeado por clichês típicos de obras baseadas em cinebiografias a focar na carreiras de astros musicais. O primeiro ponto é retratar a abordagem do produtor da TV, Harry Simon (interpretado por John Sandford), para cada senhora remanescente do grupo. Pois a realidade ao final da década de oitenta, é bem diferente das vividas pelas três adolescentes de 1962, portanto, o que poderia render boas piadas ou drama, mais parece enredo de “Soap Operas”, os novelões insuportáveis dos norte-americanos, que chegam a ser mais cafonas que as nossas novelas e até mesmo que as novelas mexicanas, geralmente hors concours nesse quesito.
Sim, uma dessa personagens, Vicki Vine (interpretada por Judith Light), ainda canta e sobrevive da música, mas completamente decadente, costuma ganhar a vida a apresentar-se em um salão de boliche, a cantar covers, acompanhada de um tecladista patético e para ser retumbantemente ignorada pela plateia formada por boçais que só prestam atenção no serviço de alto falante do estabelecimento, que fornece informações sobre o funcionamento das suas pistas. 

Já foram produzidos inúmeros filmes para abordar artistas decadentes a lutar contra os seus fantasmas interiores e a humilhação de estar no limbo e na miséria, muito melhores, com profundidade psicológica e poesia, caso por exemplo do palhaço, Calvero, interpretado por Charles Chaplin em “Luzes da Ribalta” (“Limelights”), e para citar um exemplo mais moderno, o filme, “Birdman”, com a boa atuação do ator, Michael Keaton. 

Mas em “My Boyfriend’s Back”, o mote é mal explorado, com bastante superficialidade e nem através dos momentos que deveriam ser engraçados, funciona, com algumas piadas que no máximo, arrancam um sorriso tímido de quem assiste, para não dizer constrangimento em tom de "vergonha alheia".
A seguir em frente, a segunda senhora do grupo é Chris Henry (interpretada por Sandy Duncan), que se tornou uma dedicada dona de casa, mãe de família e que encara a carreira como algo do passado, um devaneio da juventude, plenamente superado, portanto. Moderada, tem uma atitude realista como mãe de família sensata, mas quando recebe o apoio do marido, sente-se segura a aceitar o convite para a reunião.
E a terceira componente é Deborah McGuire (interpretada por Jill Eikenberry), e esta senhora tem vergonha de seu passado como artista, visto ser agora uma mulher de negócios bem sucedida e nesse mundo corporativo, a mentalidade é assim mesmo, ou seja, tendem somente a valorizar o mundo dos negócios e apenas respeitam artistas, se eles forem mega populares e denotam isso em dinheiro conquistado, portanto, essa é a única aferição de sucesso que essa parcela da população, entende. Deborah é a mais relutante, pela evidência até do que descrevi acima, mas finalmente, mediante a insistência da parte dos produtores, e das ex-companheiras, ela é convencida pelas colegas de que seria divertido conviver juntas por duas semanas, ao considerar-se os ensaios e compromissos de imprensa prévios até participar do evento. 

Nesse ponto, ainda estamos a esperar algo que remeta ao R’n’B cinquenta/sessentista, mas a atmosfera é mesma na ordem dos ares oitentistas e tudo é aborrecido ao extremo. Até as menções à música antiga, são decepcionantes, visto ser retratadas pela ótica dessa década e aí que perdoem-me, mas como músico, é insuportável aguentar aquele padrão de áudio típico dessa época... não dá para ouvir som de bateria com “dez toneladas” de reverber, teclados com timbres indecentes; guitarras chochas etc. Perdão pelo desabafo, mas se você que estiver a ler esta resenha for músico, há por entender-me...
Daí em diante, o filme prossegue a tropeçar nos clichês. As diferenças de outrora entre as agora senhoras, mas que foram jovens em 1962, voltam à baila. Nos ensaios, as senhoras demonstram que tirante a personagem, Vicki, que continuou a cantar profissionalmente, as demais enferrujaram e tal discrepância explode quando Deborah, que era a cantora principal do trio nos tempos áureos, não desempenha bem nos ensaios e os impacientes produtores sugerem a substituição, com Vicki a assumir o “lead vocals” e Deborah a unir-se a Chris, nos “Backing Vocals”. Mais que uma troca de posições meramente a pensar-se no desempenho vocal melhor do conjunto, isso suscita problemas. 

Escancara-se por exemplo a inveja que Vicki sempre nutriu em silêncio, por Deborah brilhar mais, nos tempos de outrora, por ter sido a cantora principal e considerada a mais bonita pelos fãs e imprensa. E por sua vez, Deborah que não estava mesmo tão confiante nessa reunião do grupo, faz as malas de madrugada e deixa o clássico “bilhetinho” sobre a mesa, e assim, dá-lhe novelão... 

Bem, segue o curso do folhetim, com as demais desapontadas a voltar para as suas vidas no cotidiano e no caso de Vicki, a lutar para retomar o seu emprego no Boliche, ao agregar mais humilhação por esse detalhe, inclusive. Todavia, Debbie arrepende-se... e propõe voltar e cumprir o compromisso. 
Uma catarse íntima e básica entre as três, acontece, onde até a normalmente ponderada, Chris, queixa-se por ter sido sempre a apaziguadora das brigas surgidas entre elas, portanto costumeiramente a apartar as brigas e não ser devidamente reconhecida pelo seu sacrifício na época e agora também, nessa reunião.
Todavia, tudo caminha para o final feliz, com a realização do show ao vivo pela TV, direto de um Night Club. 

Nesse instante, o que restar-me como expectativa para haver algo realmente significativo  que dignificasse o R’n’B, frustrou-me como espectador que perdeu tempo a esperar por algo a mais, visto que nem as participações de artistas veteranos reais dessa cena de 1962, dentro desse gênero (The Penguins; Mary Wells; Gary Puckett; Peggy March e Gary Lewis), chega a empolgar, visto que a sonoridades apresentadas no filme, é  feita sob arranjos e timbres típicos dos anos oitenta e aí o ouvido é bastante machucado (eu não tenho nada contra o efeito do “reverber” em si, mas nunca nesse patamar cavalar com o qual era usado pelos produtores musicais dessa década... falem sério, senhores produtores musicais oitentistas : vocês realmente achavam “bom” acrescentar essa gosma insuportável que colocavam na mixagem final das canções que produziram?).
Enfim, além da decepção pelos arranjos e timbres a assassinar o R’n’B, o mau gosto absoluto impera na questão visual. O tal show parece um reedição do “Clube dos Artistas”, de Ayrton e Lolita Rodrigues, de tão cafona que é nos figurinos; adereços e cenários. Tudo bem que o norte-americano médio tem uma mentalidade cultural ao estilo “SBT” (na verdade é o contrário, eu sei), elevada ao cubo, mas tudo tem limite, até para shows Kitsch em cassinos de Las Vegas...
E assim, clichê dos clichês, o final chega, a culminar com o sucesso do grupo nessa empreitada, a propiciar que Vicki tenha um lampejo de consciência, segundos antes de entrar em cena, ao entregar o microfone para Deborah reassumir o vocal solo. 

E no palco, as três empolgam-se com a boa receptividade do público, e estabelecem uma apresentação como nos velhos tempos, ao menos na empolgação, ao interagir entre si, positivamente a demonstrar estarem felizes pela reunião.


Certo, trata-se de um "TV Movie" (filme especialmente produzido para a exibição em emissoras de TV), mediante baixo orçamento e concebido para ser visto na sala de recepção do dentista, em um dia útil, no período vespertino, eu sei, mas ao pensar em "Rock Movies", ou quase isso, visto ser outra ambientação musical paralela mas igualmente interessante, quando soube de sua existência, é claro que interessei-me em vê-lo e por tal oportunidade, criei uma expectativa maior. De fato, na perspectiva em enfocar-se uma manifestação artística interessante de um período rico da música mundial, mesmo sob o prisma deslocado para outra época e a mostrar os seus artífices envelhecidos e sob outro cenário, poderia ter sido melhor explorado. Sobra alguma coisa positiva, então?
Sim, a música: “My Boyfriend’s Back”, que dá título ao filme e justifica a sua existência, é muito boa, mas como já observei anteriormente, após ouvi-la com aquela roupagem oitentista, o melhor é fazer é correr para o YouTube e procurar ouvir a gravação original do grupo vocal, The Angels”, e esquecer aquele maldito reverber paquidérmico...


O filme foi lançado em 1989, e recebeu críticas moderadas da imprensa. Hoje em dia, muitos críticos dizem que Tom Hawks viu e analisou bem os erros dele para compor o seu: “That Thing You Do”, cinco anos depois. Faz sentido, e se for verdade, o velho Hawks fez a sua lição de casa direito, pois não há termos de comparação entre ambos, visto ser o seu filme, muitíssimo superior. Mesmo com a abordagem diferente, eu sei, ao ambientar-se em 1964, e mostrar a briga (no bom sentido), entre as bandas britânicas e norte-americanas de Rock ("British Invasion x American Reaction").
Para encerrar, o roteiro foi escrito por April Campbell e Bruce Jones. A direção ficou a cargo de Paul Schneider, um diretor especializado em TV, com longa lista de trabalhos realizados em seriados, tais como: "Baywatch"; "Beverly Hills 90210" (conhecido no Brasil como : “Barrados no Baile”), "L.A. Law" etc. E por falar nisso, as três atrizes protagonistas são atrizes recorrentes na TV norte-americana, a demonstrar um currículo enorme de seriados e programas de variedades realizados, para cada uma delas. Foi lançado em setembro de 1989.
Acrescento alguns atores não citados ao longo da resenha e que participaram: Alan Feinstein (como Bobby Henry), Robert Costanzo (como Nick), David Bowe (como Eddy, e o nome desse ator geralmente é confundido com o astro do Rock britânico, David Bowie, e claro que não é a mesma pessoa, embora Bowie tenha sido ator, também. Além da grafia do nome ser sutilmente diferente, por conta da falta de uma letra {a letra"i"}, este rapaz é norte-americano e figura recorrente em telemovies e seriados de TV norte-americanos), Carol Gustaffson (como Millie), Stewart Nesbit (como Art), Kenneth Lloyd (como Donald), John Patrick Wagner (como o apresentador de TV) e outros.

Como eu já salientei ao longo da resenha, este filme ficou restrito ao circuito de TV e mais tratado como um drama leve do que um Rock Movie, e foi programado para ser exibido em sessões vespertinas, a clássica "sessão da tarde", mesmo. Desconheço a existência de sua versão em VHS, mas existe cópia em formato DVD. Na Internet, nos dias atuais de 2016, é encontrado com facilidade no YouTube. Se eu recomendo?

Ouça acima, a versão original de: "My Boyfriend's Back, com The Angels


Bem, se você não estiver a fazer nada absolutamente melhor e tal obra passar em um canal de TV aberta, cujo monitor se encontrar fixado na parede, e a recepcionista do seu dentista ainda não autorizou-lhe a entrar no consultório...

Esta resenha foi revista e ampliada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll e pode ser encontrada através de seu volume I, a partir da página 357

 

4 comentários:

  1. A canção original é melhor mesmo como vc disse...já sei que não vou gostar do filme, não suporto novelas, dramalhões Mexicanos, principalmente as da Globo...mas curto o visual kitsch anos 80s, prometo dar uma olhada no filme, vai que eu goste? :))

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    1. Exato, no cômputo final, o roteiro é bem folhetinesco, estilo novelão...estraga a ideia que poderia ter sido melhor aproveitada, centrando mais em outros aspectos. Mas, a música título é legal e isso quase salva o filme...

      Bem, se você curte o visual dos anos oitenta, há de ter um atrativo a mais, então...

      Super grato por ler e opinar, amigo Kim !! É sempre um tremendo prazer ter seus comentários no Blog !!

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  2. Excelente relato Luiz! Quanto ao filme, tô fora!

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    1. Mas que legal que apreciou a resenha. Tentei extrair o máximo de coisas boas contidas nesse filme, que na realidade é bem fraquinho, e acho que assim está justificado o meu esforço em se considerando o seu comentário e das demais pessoas que manifestaram-se.

      Muito grato e feliz por sua sempre bem vinda presença no meu Blog !!

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