domingo, 25 de agosto de 2019

CD Pálido Ponto Azul / Gepetos - Por Luiz Domingues


É sempre muito animador conhecer e difundir o trabalho de um grupo de Rock formado por artistas jovens, que propõe-se a apresentar a sua criação autoral e inédita, amparada por influências nobres, não apenas no aspecto restritamente musical, mas em outros campos do âmbito cultural em geral, e no caso específico desta banda, a envolver até a filosofia, conforme eu explicarei a seguir.

“Pálido Ponto Azul” é o terceiro álbum do grupo de Rock, Gepetos, para reforçar a boa saga iniciada com “Gepetos” de 2012 e “Tudo Lá”, de 2013. Nesse ínterim, o Gepetos lançou também um DVD em 2015 (Ao Vivo ?), basicamente a retratar a sua vitoriosa turnê realizada por diversos países sul-americanos, e a incluir inúmeros festivais realizados principalmente nos estados do sul do Brasil. 

Em tempo, a banda nasceu no município de Ouro, em Santa Catarina e posteriormente estabeleceu a sua base na cidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul e também ostentou um outro nome, anteriormente: “Almas Brasucas”, antes de mudar o seu título para: “Gepetos”.

A sonoridade da banda é construída por múltiplas influências, a destacar-se o Rock de uma maneira ampla, em termos de vertentes, porém, claramente mais a pender para a escola do Rock Progressivo setentista, e por conseguinte a observar o apreço natural ao Prog-Folk, como uma tendência inerente e logicamente a expandir para o Folk de uma forma geral, além do Jazz, a boa MPB  sessenta-setentista e uma boa dose de experimentalismo, e entenda-se tal caráter experimental a originar-se sob prismas diferentes, ou seja, tanto pelo viés do Rock Progressivo (e notadamente a esbarrar na escola germânica do Krautrock setentista), mas também ao pensar-se em escolas do Jazz experimental, oriundas do Fusion e a acrescentar o experimentalismo acadêmico, dentro do espectro da música erudita. 

Em suma, com tantas influências boas, aliado à técnica e criatividade de seus componentes, o resultado sonoro apresentado pelo Gepetos, não poderia ser diferente, ou seja, a demonstrar uma excelente obra.
                     O filósofo indiano, Jiddu Krishnamurti


Para reforçar o trabalho, há o aspecto do texto e sobretudo a realçar-se a intenção dos seus componentes em buscar uma linha de pensamento no tocante às letras que usam, ao evocar reflexões profundas e para tanto, inclusive, o grupo usa como referência explícita, a obra de um pensador do quilate de Jiddu Krishnamurti (1895-1986), que foi um destacado filósofo indiano e cuja obra é inquestionável sobre o aspecto supra-materialista, ou seja, a dimensão de suas ideias metafísicas e absolutamente baseadas em uma visão transcendental e libertária, é mais do que edificante, pois aponta para o futuro da humanidade, assim espero. Em suma, se o Gepeto escreveu as letras das suas músicas a basear-se no pensamento desse grande mestre, isso só pode ser considerado como um adendo poderoso ao seu trabalho.
Sobre o CD “Pálido Ponto Azul”, trata-se de uma Ópera-Rock, a expressar tais conflitos e dilemas da humanidade, principalmente em termos atuais, ante a constatação que o mundo de uma forma geral, sofre por conta de uma agenda obscurantista a apontar para o retrocesso, portanto, a constituir-se de uma preocupação premente, daí a oportuna abordagem do assunto, por uma acertada escolha da parte dos componentes do Gepetos. Em termos musicais, a banda brilha ao exibir uma musicalidade muito forte, mediante o bom uso da técnica. aliada à criatividade nos arranjos e também no esmero em exibir um padrão de áudio bastante condizente com a sua arte.

No tocante à capa e contracapa, o CD mostra a imagem de uma silhueta de um homem a observar a imensidão cósmica, mas sob uma visão diferente, ao ter o planeta Terra como a imagem maior (na verdade, gigantesca), ou seja, ao colocar-se em um posição equidistante. 

Nesses termos, demarca a ideia de um distanciamento crítico a analisar a humanidade com a devida isenção filosófica, uma proposta de Krishnamurti, diga-se de passagem. E claro, também faz jus ao título do disco, visto que o pálido ponto azul dá a devida dimensão à falta de humildade da parte de quem acredita que a vida, no sentido amplo do termo, resume-se em um ínfimo ponto azul, imperceptível no âmago do cosmos. 

Na contracapa, a imagem de um outro corpo celeste, com diversas figuras geométricas sobrepostas alude à presença da ciência, quero crer, como uma metáfora do conhecimento, e por conta dessa sutileza, reforça-se o conceito. Há também em destacar-se que o título: “Pálido Ponto Azul” é igualmente o nome de um livro do escritor e astrônomo, Carl Sagan, portanto, é óbvia a predisposição da banda em pensar a vida sob o aspecto macro do cosmos. 

Enfim, o conjunto da obra visual revela-se muito bonito e este trabalho foi assinado pelo artista gráfico, Daniel Confortin, também conhecido pela alcunha: “Don Konfas”.

Cabe aprofundar um pouco mais sobre as músicas que são apresentadas neste trabalho, o CD “Pálido Ponto Azul”, a seguir, e para reforçar a experiência do leitor, convido-o a escutar o álbum na íntegra, através deste link direto do Google Play:




“Abertura”

Tema de abertura, do álbum, literalmente, mostra-se como uma peça instrumental com a presença de uma bela camada harmônica proporcionada por uma massa proporcionada por teclados, guitarra, baixo e bateria. É muito interessante a utilização de timbres a simular sintetizadores setentistas, como o Mini Moog e um solo dissonante e muito bonito, oriundo de um vibrafone.
"Estávamos a Dizer"

A construção da melodia dessa canção, é muito fora do padrão da música Pop convencional e por isso mesmo, mostra-se com uma nuance a observar uma criatividade ímpar, em meu entender. Lembrou-me, especificamente a mencionar a parte melódica, o trabalho do Grupo Rumo (banda paulistana, essa, que atuou com maior desenvoltura ao final dos anos setenta e início dos oitenta), a explorar uma MPB vanguardista que não detinha nenhum receio em incorporar elementos experimentais em sua obra. É o mesmo caso aqui, visto que a métrica em termos de divisão rítmica, não obedece a normalidade da música Pop convencional. 

Outro ponto tão interessante quanto, a letra é uma transcrição literal de um pensamento do filósofo, Jiddu Krishnamurti, extraído de um de seus inúmeros discursos proferidos como palestras, ao longo da sua trajetória, portanto, ao não constituir-se de um poema, visto que certamente que Krishnamurti nunca foi um poeta, mas um filósofo, soa muito ousada a inserção dessa reflexão, adaptada para ser escutada como uma poesia musicada, no entanto sem conter nenhuma característica ideal para tal finalidade. Em resumo, a solução melódica para adaptar tais frases, foi a mais criativa possível par se adaptar à métrica. 

Na parte instrumental, destaca-se o bom uso dos teclados. Em alguns momentos iniciais, há uma intenção praticamente “new age” na observação da harmonia, ao ser conduzida por teclados com ares etéreos. Gostei da percussão, da presença da flauta e do vibrafone a dar um toque jazzístico. Advém partes mais pesadas, muito interessante, no decorrer da música. Sobre a letra, é preciso destacar a fala de Krishnamurti, ao mostrar-se atual e contundente ao propor um choque de consciência:

"Estávamos a dizer o quão importante é trazer para a mente humana, a revolução radical. Essa crise é uma crise de consciência. Uma crise que não pode mais aceitar as antigas normas, os velhos padrões, as antigas tradições. E considerando o que o mundo é hoje, com toda a miséria, conflito, brutalidade destrutiva, agressão, e assim por diante, o homem é o mesmo de antes. Ainda é bruto, violento, agressivo, acumulador, competitivo, e construiu uma sociedade nesses termos"

“Mas Dizem que Ele Vai Voltar”

Eis aqui uma canção super balançada e que em certas circunstâncias lembra bastante a vertente do Samba-Rock, algo popular e interessante que ocorreu com proeminência nos anos setenta e defendida por artistas como o Trio Mocotó, por exemplo (que aliás, foi um grupo sensacional). Gostei bastante da condução proposta pela cozinha da banda (baixo e bateria), a produzir uma deliciosa “malemolência”, para usarmos uma palavra bem difundida nos anos setenta, digamos assim. O apoio da percussão mostrou-se providencial para seguir a tendência escolhida pela banda, como mote em seu arranjo.
“O Olho da Consciência”

Essa canção emenda-se à anterior e com essa fusão claramente a mostrar-se proposital. Há uma sequência na proposta do balanço rítmico, o que produz uma sensação dançante bastante convidativa. 

Uma guitarra a solar quase que intermitentemente e com um timbre sujo a evocar o efeito do Fuzz, é sensacional. Vem direto dos anos sessenta para incorporar a influência de Jimi Hendrix ao som do Gepetos. 

Uma transição brusca na metade da canção, abre caminho para uma transformação radical a trazer um baião nordestino e que avança sobre um riff tipicamente pesado, no calor do Hard-Rock. Sob um looping a repetir tal riff pesado e intercalado por efeitos proporcionados pelos sintetizadores, ocorre um solo louquíssimo ao vibrafone, ou seja, trata-se de uma salada improvável de influências aparentemente dispares entre si, no entanto, o Gepetos teve a proeza em fazer desses ingredientes, uma iguaria.

“O Porém de uma Troca”

Canção forte, com uma harmonia soturna e muito bonita. Mais uma vez há um excelente trabalho de teclados super setentistas e também em relação à flauta, que traz um colorido todo especial com a sua doçura a contrastar com a atmosfera lúgubre proposta pela harmonia da canção.
“A Conclusão Foi Decretada”

Outra canção que vem emendada à anterior e a estabelecer uma fusão tipicamente operística, eis que esta apresenta um violão muito bem tocado a produzir um arpejo quebrado e que oferece uma base perfeita para as intervenções da flauta e do vibrafone, para que construa-se uma polimelodia. A interpretação vocal lembra bastante o trabalho de compositores da MPB setentista e ousados como Jards Macalé, João Bosco e Tom Zé, ou seja, trabalha-se pelo caminho não usual da música comercial tradicional. E devo acrescentar que a melodia apresenta uma beleza singular. 

Ao seu final há uma transição radical para um tema mais centrado no Prog-Rock, com teclados, bateria, percussão e um ótimo solo de baixo, bastante melódico, a explorar bem as possibilidades da harmonia.
“Ela Mesma Pensa”

Pois o início desta canção é exatamente o final da faixa anterior a reforçar o conceito da fusão. “Ela Mesma Pensa” tem um balanço muito grande, parece um R’n’B daqueles bem Funkeados, absolutamente setentistas e que cabiam bem em trilhas sonoras feitas para filmes com tendência ao estilo “Blaxpoitation”. 

A percussão e a guitarra ajudam muito a canção a produzir o molho swingado e claro, torna-se um convite natural para que o baixo e a bateria passeiem bem. Mais uma vez há a porção rica, justificada  pelo uso de teclados com timbres setentistas acentuados. E a conter igualmente, um solo de órgão Hammond, sob um acelerado Blues-Rock, quase no limite do Hard-Rock, que mostra-se excelente.

“Me Falam em Te Matar”

A frase do baixo e que comanda a intenção da música, é bem intrigante a lembrar trilha de cinema para filmes de suspense. Com essa condução e mediante os bons efeitos dos teclados e da guitarra, a tensão fica garantida a lembrar bandas Prog-Rock setentistas que trabalhavam bem com esse tipo de atmosfera lúgubre, casos do King Crimson e do Van Der Graaf Generator, só para citar duas. A melodia cantada tem uma certa lembrança do trabalho de Arrigo Barnabé, o que faz sentido para o tipo de abordagem dessa canção.
“Grande Final”

Eis aqui uma reprodução levemente modificada da canção: “O Olho da Consciência” e também a fazer um elo como o primeiro tema do disco, “Abertura”. A ideia é certamente concluir o raciocínio da obra como um todo, em torno da sua mensagem filosófica. O efeito do teclado com um acorde a repetir-se em delay infinito, leva ao espiral, ao “oito” infinito, portanto à imensidão de onde em um pálido ponto infinito e azul, estamos a viver e sonhar. 

Em síntese, trata-se de um ótimo trabalho executado por uma banda que já está na estrada há algum tempo, mas pode ser considerada ainda jovem e capaz de oferecer-nos muito mais trabalhos interessantes como este, “Pálido Ponto Azul”, portanto, que assim se cumpra!

Gravado no Estúdio Café com Leite em Passo Fundo-RS, no inverno de 2017
Técnico de Som (captura): Evandro Lazzaroto
Capa (Lay-Out e Arte Final): Daniel Confortin (“Don Konfas”)
Arranjos e Produção Geral: Maikon Varela
Selo / Gravadora: 180

Formação do Gepetos neste álbum:
Maikon Varela: Voz, Teclados, Flautas, Violões, Guitarra, Cavaquinho, Vibrafone e Percussão
Yuri de Paula: Baixo, Guitarra, Violão e Percussão
João Ritzel: Bateria, Vibrafone e Percussão

Para conhecer melhor o trabalho do Gepetos, acesse:

Página da banda no Facebook:


Multi Link para ouvir o álbum, “Pálido Ponto Azul” do Gepetos, em sete plataformas musicais: 


Página da banda no Sondcloud:


Página da banda no canal do Youtube:


Página da banda no Site Toque no Brasil: 

Site do Selo 180:

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